Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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Repensando a Guerra Fria, por Paulo Daniel Watanabe

Rodrigo Gallo e Heitor Loureiro mostram como a segunda metade do século XX desenhou a política internacional das primeiras três décadas do século XXI.

do Observatório de Geopolítica

Por Paulo Daniel Watanabe

Quase trinta anos se passaram do fim da disputa entre Estados Unidos e União Soviética até a publicação de Repensando a Guerra Fria. A Guerra Fria, ou melhor, o fim dela, gerou uma grande necessidade de se estudar o impacto da dissolução do bloco soviético e a ascensão norte-americana isolada sobre todo o mundo.

É importante entender, portanto, o que esse conflito realmente significou após quase 30 anos. A ordem mundial pós-Guerra Fria é frequentemente vista como o palco da renovação da liderança norte-americana e da vitória da mundialização financeira capitalista ou liberalismo econômico-político.

Na literatura geral sobre Relações Internacionais e História Mundial, é comum a fetichização de eventos de proporções internacionais, como grandes divisores analíticos de períodos, capazes de alterar toda ou grande parte a dinâmica das relações internacionais e, capazes até, de questionar e de procurar bifurcações em teorias consolidadas.

Em todos os casos, tal evento supostamente teria um impacto tão profundo nos assuntos econômicos, políticos e sociais de uma ou mais nações, que demandaria a quebra de paradigmas e a adoção de novas interações intraestatais.

Trata-se de uma nova dança, em que todos devem manter o ritmo, articulando-se de maneiras diferentes do cenário anterior.

Nos momentos de quebra de períodos, estuda-se incansavelmente o desenrolar do evento, e exatamente assim foi feito com a Guerra Fria.

O período foi alvo de inúmeros estudos acadêmicos e análises. Contudo, apesar de estarmos há quase trinta anos após esse período, ainda há o que esclarecer, e essa é a grande excepcionalidade da Guerra Fria.

A publicação do livro Repensando a Guerra Fria, organizado pelos acadêmicos Rodrigo Gallo e Heitor Loureiro e publicado pela Editora Hucitec, é certamente um marco para os estudos das Relações Internacionais no Brasil e, consequentemente, em todo o mundo lusófono.

É um livro dedicado exclusivamente à compreensão do conflito com as ferramentas teóricas e com olhar panorâmico do século XXI, no melhor sentido, das particularidades que desenharam o que hoje conhecemos como a Guerra Fria.

Os autores mostram na prática a excepcionalidade do tema ao trazerem interpretações racionais e completas com alto rigor científico-acadêmico.

Repensar a Guerra Fria não é uma tarefa fácil. A quantidade e o excesso de artigos e trabalhos sobre o tema tornam-se a grande dificuldade para qualquer autor.

Definir uma linha de pensamento fora do mainstream ou pouco abordada e, ainda, encontrar evidências válidas para isso é algo desafiador, sendo essa a proposta da obra.

O leitor não vai “ler mais do mesmo”, mas aumentará consideravelmente seu repertório sobre como a segunda metade do século XX desenhou a política internacional das primeiras três décadas do século XXI, em especial os conflitos do Leste Europeu, envolvendo a Rússia e seus vizinhos.

A ousadia dos organizadores e dos autores nesta obra nos traz luzes em meio à escuridão das interações entre as grandes potências nas entranhas da governança global.

A apresentação do livro, por si só, com seu título direto e conciso, é um deleite para qualquer pessoa interessada pelo tema. Indica que novos olhares serão lançados sobre um tema clássico da história mundial, sob a curadoria de dois pesquisadores de excelência, que se atentaram a cada detalhe e a cada tema abordado em seus capítulos.

As sete partes configuram a construção de uma linha de pensamento a partir de temas específicos que raramente são debatidos em conjunto pela literatura especializada.

A complexidade é magicamente transformada pelos autores e organizadores, resultando em uma obra coerente, referenciada e com metodologia clara.

Além da escolha dos temas, é obrigatória a menção sobre o refinado corpo de autores. Os organizadores, além de demonstrarem uma curadoria criteriosa sobre os aspectos relevantes a serem pensados e repensados, apresentam nomes de peso dentro de cada especialidade das “grandes Relações Internacionais”.

Os autores apresentados, alguns dos quais mantenho amizade de longa data, são oriundos de diferentes disciplinas que compõem os estudos das Relações Internacionais, garantindo maior alcance e o sucesso da multidisciplinaridade na compreensão e na análise do tema.

Por isso mesmo, a linguagem utilizada não é característica de nenhum campo específico e não apresenta jargões técnicos incompreensíveis para externos, o que faz com que a obra consiga alcançar todos os públicos, desde interessados ocasionais pelo tema até estudiosos que buscam fontes confiáveis e acadêmicas para suas pesquisas.

A meu ver, esse livro atinge o mais nobre objetivo do conhecimento científico: ser acessível a todos os públicos.

Em geral, a obra “Repensando a Guerra Fria”, organizada por Rodrigo Gallo e Heitor Loureiro, é um passo importante para a academia brasileira. Ouso, ainda, como acadêmico e professor universitário, afirmar que se trata do mais novo título a compor a lista das obras mais importantes sobre o tema na América Latina e na Lusofonia.

Capa do livro Repensando a Guerra Fria
Crédito: Divulgação

Repensando a Guerra Fria
Organização: Rodrigo Gallo e Heitor Loureiro
Editora: Hucitec
Ano: 2023

Paulo Daniel Watanabe é doutor em Relações Internacionais e coordenador do curso de Relações Internacionais da Universidade São Judas Tadeu.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. A publicação do artigo dependerá de aprovação da redação GGN.

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1 Comentário

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  1. Comentário ao comentário, só, porque comentar sem ler o livro é desonestidade. Sobre a guerra fria e a dissolução da União Soviética é de se notar a tenacidade dos americanos na sanha de destruir o outro para se manter na liderança. Eles se valem de qualquer meio, transpõem qualquer obstáculo, desrespeitam a qualquer convenção e não sossegam mesmo vendo seu alvo destruído. Por outro lado e comparativamente à tenacidade americana se contrapõe a paciência chinesa, que não se opõe, não discute, não se revolta, apenas trabalha e reaproveita, sem descansar ou descurar-se de seus objetivos sólidos, que a cada vez mais se agigantam a partir dos resultados alcançados. Querem agora os americanos desafiar a paciência chinesa acreditando ter destruído, com sua tenacidade, o estado russo. Nem lhes desejo boa sorte. Desejo que a sorte lhes sorria com o dentes cariados pelo consumo das doces vitórias colhidas sobre seus antagonistas. E dente cariado dói.

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