Sobre o Projeto da Lei do Escravo Rural

Há alguns dias, aqui mesmo no GGN, chamei a reforma trabalhista de escravocrata https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/piero-calamandrei-e-a-reforma-escravocrata-desejada-pela-imprensa-por-fabio-de-o-ribeiro. Na oportunidade, o excesso retórico me pareceu adequado.

Hoje fiquei sabendo que tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei que substitui os salários do trabalhador rural por casa e comida https://www.cartacapital.com.br/politica/trabalhador-rural-podera-receber-casa-e-comida-no-lugar-do-salario. Portanto, a natureza escravocrata da reforma trabalhista deixa de ser retórica, pois os ruralistas querem reduzir seus empregados à condição de escravos. 

Se esta proposta, que viola frontalmente o art. 7º, IV e X, da CF/88e o art. 149, do Código Penal**, for aprovada a Lei Áurea será implicitamente revogada. Não só isto, o Brasil se tornará um país fora da Lei, pois a nova Lei do Escravo Rural é frontalmente contrária aos princípios da Declaração Universal dos Direitos do Homem (art. 23 a 25)*** e da Convenção 95, da OIT (arts. 1 a 27) que foram subscritas pelo Brasil.

O art. 3º, da Convenção 95 da OIT é específico e proíbe expressamente a substituição do salário por casa e comida:

Art. 3 — 1. Os salários pagáveis em espécie serão pagos exclusivamente em moeda de curso legal; o pagamento sob forma de ordem de pagamento, bônus, cupons, ou sob qualquer outra forma que se suponha representar a moeda de curso legal, será proibido.

A atividade parlamentar deve se pautar pelo decoro. Não há dúvida de que pode ser considerada indecorosa a tramitação de um Projeto de Lei que, violando princípios constitucionais, legais e internacionais, pretende reinstituir a escravidão no campo. Note-se, ademais, que a aprovação desta Lei do Escravo Rural abre caminho para a imposição de penas disciplinares patronais de natureza cruel. Abaixo listo algumas delas:

a) redução da ração do empregado porque ele trabalhou pouco ou cometeu erros;

b) redução da qualidade da ração fornecida ao empregado para que ele trabalhe melhor para comer melhor;

c) ameaça de despejo para que o empregado trabalhe mais e coma menos.

É intolerável que o referido Projeto de Lei siga adiante. Ele nem mesmo deveria ser discutido ou levado à votação no parlamento brasileiro. De fato, a apresentação deste projeto deveria acarretar a representação do seu autor na Comissão de Ética da Câmara dos Deputados. 

 

 

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

X – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

 

** Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)

Tráfico de Pessoas (Incluído pela Lei nº 13.344, de 2016) (Vigência)

 

*** Artigo 23°

1.Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego.

2.Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.

3.Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de protecção social.

4.Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.

Artigo 24° Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e as férias periódicas pagas.

Artigo 25°

1.Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.

2.A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma protecção social.

Fábio de Oliveira Ribeiro

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