CNJ, Lava Jato e os esqueletos no armário
por Tânia Maria de Oliveira
O corregedor do Conselho Nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, desembarca em Curitiba para ouvir testemunhas no processo de inspeção sobre a operação Lava Jato que atinge a 13ª Vara Federal de Curitiba e a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tem sede em Porto Alegre. O ministro vai ouvir servidores e aprofundar investigações em documentos e processos.
Em digressão, o senso comum compartilhado entre todos juristas sérios do país de que a Lava Jato foi a maior farsa jurídica já perpetrada na história do sistema de justiça brasileiro já se comprovou há muito tempo. Após o vazamento dos textos e áudios de um aplicativo de mensagem em 2019, que trouxe à tona as relações vergonhosas entre o então juiz Sérgio Moro e os membros da força-tarefa do Ministério Público Federal em Curitiba, pouco restou a argumentar em favor dos autoproclamados “combatentes da corrupção”.
A máscara foi ao chão.
No entanto e apesar disso o sistema de justiça, que costuma ser hermético e proteger os seus, até aqui pouco havia avançado no sentido da responsabilização dos agentes públicos que cometeram toda sorte de desvios no exercício do cargo, utilizando os instrumentos persecutórios para fazer política com “p” minúsculo, para perseguir, condenar, prender aqueles que considerava adversários políticos.
O afastamento do juiz federal Eduardo Appio dos processos da Lava Jato em Curitiba de forma abrupta, por suposto telefonema dado ao advogado João Eduardo Barreto Malucelli, parece ter sido o gatilho que faltava para que ao menos um dos órgãos de correição – no caso o Conselho Nacional de Justiça – compreendesse que não é mais possível ignorar o nível de imoralidade gritante em que as relações no Judiciário no Paraná sempre ocorreram e seguem ocorrendo.
Appio sempre foi um crítico do modus operandi de Sérgio Moro e da equipe de Deltan Dallagnol. Antes de ser afastado ele vinha fazendo revisão de decisões anteriores na Lava Jato, desarquivando procedimentos que não interessavam à força-tarefa que viessem à tona. Divulgações na imprensa apontaram que o juiz Appio afirmou em depoimento sigiloso ao CNJ que estava investigando o destino de R$ 3,1 bilhões quando foi retirado do cargo.
O desligamento sumário de Appio efetuado pela Corte Especial do TRF-4 atendeu a uma representação do desembargador Marcelo Malucelli, da 8ª Turma do Tribunal, que vem a ser, além de antigo revisor dos recursos da operação no TRF-4 – onde reverteu uma série de decisões de Appio – pai do advogado “vítima” do telefonema, que por sua vez é sócio no escritório de Sérgio e Rosângela Moro e, espantosamente, namorado da filha do casal.
É um verdadeiro compadrio, para dizer o mínimo, que no exercício do bom Direito seria facilmente atingido pela figura da suspeição. Mas não em Curitiba. Lá, o código da “República” tem normas próprias para isso, como para todo o resto do processo penal.
A declaração de suspeição do desembargador Malucelli só veio posteriormente diante da repercussão do afastamento de Appio.
A Lava Jato foi desmascarada em princípio em sua essência por ser uma operação política, que desvirtuou todos os instrumentos legais do devido processo legal, alicerçada em uma indústria de delações premiadas fraudulentas, em que os interessados firmavam acordo com o MPF desde que “entregasse” – verbalmente sem qualquer prova – aqueles indicados pela força-tarefa. Assinada a delação, Moro revogava a prisão preventiva. Suposições viravam condenações públicas. Tudo divulgado de forma espetaculosa.
O fator corrupção dentro da operação somente virou um tema após a divulgação do acordo assinado pela Petrobras e pelos procuradores da Lava Jato prevendo a criação de um fundo de 2,5 bilhões administrado pelo Ministério Público Federal, em uma conta vinculada à 13ª Vara de Curitiba.
O acordo foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal. Mas ali já ficou claro que os “bons moços” de Curitiba ansiavam, além de poder e fama, se locupletarem do dinheiro público por meios ilícitos.
Agora um dos principais pontos a serem investigados pelo Conselho Nacional de Justiça na inspeção instaurada é o valor de cerca de R$ 300 milhões em depósitos judiciais feitos por determinação da Lava Jato, na 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba e no Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Entender os caminhos de como foram tomadas as decisões que envolvem esses valores parece ser a chave para abrir o armário e expor os esqueletos. E é muito importante que isso seja feito no âmbito do órgão interno de controle administrativo, financeiro e disciplinar da magistratura, que tem competência para analisar a legalidade dos atos e o mérito dos desvios funcionais.
Oportuno lembrar que ao longo da operação Lava Jato foram feitas dezenas de representações por pessoas, entidades e agentes políticos tanto no CNJ quanto no CNMP contra os evidentes atos ilegais de Sérgio Moro e a equipe de Deltan Dallagnol, sem encaminhamentos.
A Lava Jato operou um processo político a partir de base ideológica radicalizada que se considerou concreto quando foi decisiva para os rumos da eleição do Brasil em 2018, retirando o ex-presidente Lula da disputa. Os danos por ela causados não podem ser mensurados porque, entre outras cosias, envolvem tempo de liberdade de inocentes, prejuízos ao setor de construção do país, destruição de reputações e a eleição de um presidente que jogou o país em uma tragédia humanitária e fragilizou em muita nossa democracia.
Mas o passo dado pelo Conselho Nacional de Justiça pode ser o começo de uma retomada de uma das chagas provocadas, que é a credibilidade do próprio Sistema de Justiça, uma espécie de redenção daqueles sem o silêncio ou o respaldo de quem nada disso teria sido possível, o que inclui os tribunais superiores e os órgãos de correição.
Trata-se, agora, de uma vez aberta a porta do armário e expostos os esqueletos jamais devolvê-los.
Tânia Maria de Oliveira – Secretaria-Executiva Adjunta da Secretaria-Geral Presidência da República. Membra da ABJD
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