A Esquerda Dogmática, por Jorge Alberto Benitz

Qualquer desvio, mesmo que imposto pelo mundo real da política, é condenado como heresia ao credo

Presidente Lula anunciou o resultado em seu perfil no twitter e espera que o programa beneficie ainda mais fatias da população. Foto: Ricardo Stuckert

A Esquerda Dogmática

por Jorge Alberto Benitz*

Fiquei indignado, lendo um texto enviado pela Boitempo – confesso que sou um leitor contumaz das publicações desta conceituada e qualificada Editora de esquerda – sobre os 20 anos do Ornitorrinco, figura criada por Chico de Oliveira, escrito por João Marcos Duarte. Para o articulista o PT e Lula são a continuidade de um processo de modernização perverso, inclusive, afirma, endossando o discurso de Chico de Oliveira, que o núcleo duro do PT, só se interessa em brigar pela posse do “mapa da mina” para ter acesso a “galinha dos ovos de ouro”, no caso, os recursos dos Fundos de Pensão. Impossível não dizer que rola aqui um espírito lavajatista que, a propósito, vicejou em parte, não tão significativa felizmente, da esquerda. A seguir conclui “O que nos resta é viver de pequenos ciclos de “acumulações primitivas”, como as privatizações, e os “boom de commodities”, para depois desembocar em outra crise econômica que, como tudo no mundo do capital, dá em crises políticas conjunturais”.

O que me incomoda no artigo é o voluntarismo e a má vontade, em relação ao governo do PT e Lula. Voluntarismo porque a julgar sua tese, basta querer que tudo se resolve. Má vontade porque se abstrai, denega, o mundo real da política. Ele supõe que não há vontade política para optar por um governo mais, bem mais, à esquerda, mesmo que não estejamos em um momento revolucionário e tendo que negociar tudo com um parlamento claramente conservador. Isso, diz, ou se não diz sugere, o articulista, é v elha política. Importa é o que deve ser feito no governo e quando não se pauta totalmente na gestão por esta meta filosófico- política estamos incorrendo em uma agenda de direita. A linha tem que ser reta em direção ao objetivo. Qualquer desvio, mesmo que imposto pelo mundo real da política, é condenado como heresia ao credo. Sim, esta postura lembra o dogmatismo religioso que não aceita desvios, questionamentos.   

Evidente que o atual governo não está isento de crítica vinda da esquerda. Não sou daqueles que negam existir, muitas vezes, escondido sob o manto da chamada governabilidade propostas não progressistas e já externei isso em artigos. O que não acho justo é considerar o governo atual e o governo anterior do PT e Lula, como  governos que fazem mais do mesmo, esquecendo a sustação das privatizações, que evitou o aprofundamento maior da perda de soberania em curso nos governos Bolsonaro e FHC; a busca via BNDEs de um modelo de investimento visa ndo fortalecer empresas nacionais, distinto do modelo anterior das empresas campeãs nacionais, baseada nos chaebols coreanos; a política com avanços sociais via bolsa- família, políticas de cotas; a busca de mudança do modelo regulatório da PREVIC, para conferir maior representatividade dos participantes dos Fundos de Pensão; a freada na mudança curricular do ensino médio, modelo que era “a menina dos olhos” de gente como Jorge  Leman.

“Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn”      

Sobre a questão dos Fundos de Pensão gostaria de me aprofundar um pouquinho mais. Ao ler os termos utilizados “mapa da mina”, “galinha dos ovos de ouro”, a impressão que fica é que a esquerda petista se engalfinhou com os tucanos e continua brigando para saquear, como pirata, os “Fundos de Pensão”. Lembro que em um artigo, Chico Oliveira, revelou que rompeu com o PT e Lula ao se deparar com o ar de deslumbramento deste diante da extensão de poder em mãos dele e do partido, com a vitória do PT, na época. Daí, inferiu que aquele deslumbramento representava um olhar cobiçoso sobre o montante da capital que podia ser abocanhado. O meu conhecimento acerca de Fundos de Pensã o nas mãos do PT se resume ao que participo e que acompanhei, seja como participante seja como amigo de muitos companheiros que foram diretores dele. O que posso dizer é que, salvo alguma informação nova, nas gestões do PT no Estado, eles foram dirigentes sérios, honestos, mesmo diante das tentações inerentes a um cargo deste grau de responsabilidade. Vou além, tive amigos e colegas que mesmo sendo de partidos fora do campo da esquerda, como o do então PMDB, se comportaram como dirigentes, do referido Fundo de Pensão, com a mesma seriedade e honestidade. O Fundo de Pensão que participo é o maior em patrimônio do Estado e, em função disso, é acossado por propostas que apesar de legais poderiam resultar em prejuízos para os beneficiários do Plano do Fundo e vantagens (via comissão ou outro expediente qualquer por fora) para o dirigente. O que quero dizer é que em nenhum momento eles atuaram, em benefício próprio ou do Partido, como piratas saqueadores como o articulista sugere.

Ah! Todas estas propostas estão inseridas em um modelo capitalista. Realmente, são propostas inseridas no modelo capitalista. Porém, mais em um modelo de democracia representativa, onde o trabalho tem condições de, muitas vezes, nem sempre- desejaria e luto para que fosse muito mais -, fazer valer suas reivindicações, do que algo desejado pelo capital. Ainda mais o modelo de capitalismo implantado pós- queda do muro de Berlim e o fim do socialismo real, que no Brasil assumiu uma intensidade brutal. Refiro-me ao neoliberalismo. Aliás, esta parte da esquerda parece que não entendeu nada do neoliberalismo.  Eles colocam tudo no mesmo saco, com o rótulo capitalismo, e não conseguem discernir as peculiar idades deste novo modelo que é muito mais danoso ao tecido social, econômico e político do que o modelo anterior pós- segunda guerra mundial, onde vigorou um modelo social democrata, em alguns países, onde o capital foi a contragosto obrigado a ceder, criar contrapesos, para fazer frente ao fascínio exercido pelo socialismo real ao trabalhador.

No Brasil, o paradigma social democrata foi implementado de modo capenga e parcial e poderia ter atuado muito mais  para  combater as desigualdades sociais mas ainda assim significou avanços como a CLT, o regime previdenciário, o SUS, os monopólios estatais nas áreas de minas, energia, saneamento e água, com seus respectivos Fundos de Pensão, Bancos estatais estaduais e nacionais, que sofreram de forma intensa um processo de desmonte em benefício dos grandes capitais nacionais e internacionais. Neste particular, registre- se que quando, como diz Mino Carta, a Casa Grande se sentiu ameaçada e em condições de promover um golpe, não hesitou. Golpes que foram perpetrados para deter avanços, como a tentativa frustrada em 1954, levando ao suicídio de Getúlio Vargas, ou para mesmo retroceder como em 1964 no golpe contra Jango Goulart e depois em 2016 contra o PT e Dilma. Desmonte que, pelo menos, no governo atual, está sendo questionado com mais intensidade até do que nos governos anteriores do PT.  

*Jorge Alberto Benitz é engenheiro e escritor.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador