A manipulação do antissemitismo como instrumento de censura às críticas a Israel

A luta contra o antissemitismo é parte indissociável da luta contra todas as formas de racismo e opressão

Crédito: Gabriela Hipólito/ Divulgação

do Blog da Boitempo

A manipulação do antissemitismo como instrumento de censura às críticas a Israel

por Vozes Judaicas por Libertação

Quase invariavelmente, entre os analistas convidados pela grande mídia para comentar o massacre em curso na Palestina, há membros de organizações sionistas que supostamente representam a posição universal e oficial dos judeus brasileiros, como o Instituto Brasil-Israel, a Stand With Us Brasil, a CONIB, a FISESP e outras. 

Os porta-vozes dessas organizações costumam rotular como antissemita qualquer pessoa – judia ou não – que faça críticas ao Estado de Israel.

É fundamental distinguir antissemitismo, ódio aos judeus, de antissionismo, oposição à ideologia política sionista. No entanto, a luta contra o antissemitismo tem sido instrumentalizada pela máquina de propaganda israelense e por seus agentes locais no Brasil, na tentativa de legitimar o extermínio do povo palestino. 

A exemplo disso, vimos a censura ao jornalista Breno Altman, através de ação judicial movida pela Confederação Israelita do Brasil (CONIB). O juiz acatou parcialmente o pedido de censura da CONIB, considerando declarações críticas ao sionismo e ao Estado de Israel feitas por Altman em rede social como injúria, decretando pena de R$500 por dia enquanto as declarações estiverem mantidas públicas. 

Este é o caso mais recente de perseguição, que já teve como alvo o padre Júlio Lancelotti e o professor da FGV Salem Nasser – todos atacados por terem se manifestado em defesa dos palestinos. Também o músico Roger Waters foi acusado de antissemitismo por suas declarações pela libertação dos palestinos. Mundo afora, a lista de perseguidos e demitidos por suas posições cresce, a exemplo da atriz Susan Sarandon e de muitos universitários judeus nos EUA. 

A frase “Israel ataca como Estado e se defende como religião” descreve bem essa dinâmica. Diversos acadêmicos judeus antissionistas, como Norman Finkelstein, Illan Pappé e Noam Chomsky, têm insistido há décadas que a promoção da confusão entre antissionismo e antissemitismo por parte de Israel é intencional, premeditada e muito eficiente para interditar críticas ao seu regime político. 

Politicamente, essa confusão cumpre a função de calar e deslegitimar as vozes que se levantam contra o apartheid sionista. A acusação de antissemitismo é frequentemente direcionada aos palestinos pela sua resistência anticolonial à ocupação israelense. Interpretamos essa resistência não como um ódio particular aos judeus, mas sim como uma reação à constante subjugação a qual estão submetidos desde a fundação de Israel.

Vemos com grande preocupação organizações sionistas no Brasil reproduzindo a política oficial de propaganda israelense no debate público nacional. Sob uma suposta autoridade para opinar sobre a questão Palestina, a partir de um “lugar de fala” judeu, os representantes dessas organizações rotulam os apoiadores do povo palestino como “defensores de terroristas”, “disseminadores do ódio”, “simpatizantes do Hamas” e afins.

Há uma tentativa de tornar o racismo anti-judeu uma forma particular e excepcional de racismo em desacordo com a legislação vigente no Brasil, como forma de censurar e perseguir os críticos de Israel e do sionismo político. Chama atenção que os autores dessa tentativa não têm usado a sua influência política para somar esforços na luta dos movimentos negros e indígenas, por exemplo. Isso revela um oportunismo em demarcar o excepcionalismo do racismo anti-judeu.

Vemos com particular preocupação a ofensiva de organizações sionistas brasileiras em impor a definição de antissemitismo elaborada pela Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA) a governos, instituições públicas, universidades e a sociedade civil. A definição da IHRA foi recentemente adotada pelas prefeituras de São Paulo e Rio de Janeiro como oficial e servirá para a elaboração de materiais educativos oficiais, assim como baseou a denúncia da CONIB contra Breno Altman. 

A definição da IHRA não nos parece ter sido elaborada com intuito de proteger as comunidades judaicas da crescente intolerância e ataques racistas que enfrentamos, predominantemente por supremacistas brancos e atores políticos da extrema direita. Em vez disso, tem sido empregada em muitos países como um silenciamento de ativismos críticos a Israel. Muitas organizações palestinas, israelenses, de direitos humanos e da sociedade civil global, bem como acadêmicos, escritores e ativistas, incluindo um dos autores originais da IHRA, condenaram o seu impacto antidemocrático e repressivo.

Essa atuação das organizações sionistas em torno do antissemitismo inibe as liberdades de expressão e imprensa defendidas pela Constituição brasileira. Nós entendemos que a luta contra o antissemitismo é parte indissociável da luta contra todas as formas de racismo e opressão. Legislar uma definição estática, que manipula o significado de antissemitismo para silenciar críticas a Israel, enfraquece os esforços da nossa sociedade em combater o racismo anti-judeu. 

Como judeus progressistas em um país que sustenta índices alarmantes de violência contra negros, indígenas, mulheres e LGBTs, convocamos todos os indivíduos e comunidades para o combate eficaz do antissemitismo, da islamofobia – que tem resultado no aumento da perseguição a mulçumanos e árabes no Brasil e no mundo –  e de todas as formas de discriminação, opressão e intolerância.

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Redação

2 Comentários

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  1. O anti semitismo foi uma invenção dos ctstãos europeus para justificarem um maior grau de perseguição aos judeus, pois sem tal carectirização, só lhes restaria a perseguição religiosa. Sabidamente os líderes sionistas se aproveitaram desta caracterização para usarem como bandeira no seu projeto de criação de um estado judeu na Palestina e se apresentaram como descendentes daqueles judeus que foram expulsos pelo romanos no II século da era cristã. Com a invasão dos judeus europeus à Palestina e consequente conflito para usurpação das terras, expulsão e morte dos Islamitas palestinos, a expressão anti semitismo passou a ser mais inadequada, uma vez que não há comprovação de que a maior parte dos judeus askhenasitas tenha origem semita, se é que existiu algum dia um povo semita e se tal caracterização for verdadeira, o conceito deve ser extendido aos árabes, pois árabes e judeus (antigos) são de origem comum (até a bíblia confirma). Portanto as pessoas que se acreditam anti semitas, discriminam tanto judeus co0mo árabes. Na minha modesta opinião, como o termo judeu define tanto a religião como a cidadania, creio que anti judeu é o termo mais apropriado e para os árabes islamitas o termo é, anti islã.

  2. Quanto maior a perseguição para silenciar, maior será a obstinação para destruir. Sempre melhor permitir que as palavras circulem. A hipocrisia encontra invariavelmente com seu algoz. É questão de tempo. O futuro cada vez mais sombrio.

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