ABI e OAB: o Brasil, novamente, conta com vocês, por Rogério Marques

Visivelmente, a estratégia de Bolsonaro é vencer pelo cansaço, pela mentira, pelas bravatas, invocando Deus e ao mesmo tempo pregando o ódio

Atentado OAB – Acervo Globo

da Página da ABI

ABI e OAB: o Brasil, novamente, conta com vocês

por Rogério Marques

A menos de cem dias das eleições presidenciais, o Brasil assiste, perplexo, a uma situação anômala, absurda, assustadora. Aos poucos, o país é envolvido por seu dirigente máximo, ardilosamente, na mais grave crise institucional desde o fim da ditadura militar. Ditadura que para ele não existiu.

Diante da possibilidade de uma derrota em outubro, Jair Bolsonaro espalha diariamente mentiras escancaradas sobre o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. Ao mesmo tempo, afronta o Poder Judiciário com provocações mesquinhas e busca aparelhar este Poder implantando nele, mais que juízes, cúmplices da sua aventura golpista.

Bolsonaro tem a seu favor, no Congresso, uma bancada que já era numerosa e tornou-se ainda mais, com o ingresso de deputados e senadores de baixíssimo nível, de extrema direita e extrema boçalidade, que lá chegaram nas eleições de 2018, na esteira do golpe parlamentar-midiático de 2016.

Somam-se a tudo isso o eterno desprezo à democracia e a cooptação, pelo presidente, de setores das Forças Armadas saudosistas da ditadura instalada em março de 1964. Como se não bastasse – haja fôlego! –, é assustador o estado mental nebuloso e imprevisível de Bolsonaro, movido a discursos de ódio e bravatas que tanto fascinam seus seguidores.

Essa mente confusa, que mistura ideologia, ódio e uma religiosidade obtusa, é capaz de defender a tortura publicamente na TV, de subestimar a ciência, as vacinas, o uso de máscaras, tornando ainda maior a tragédia que já matou quase 700 mil pessoas no Brasil. Tudo pode se esperar de um indivíduo desses, que um dia terá que pagar por seus crimes.

E o Brasil? O que faz o Brasil diante das ameaças à democracia, que se tornam mais frequentes com a proximidade de outubro e a possibilidade de uma derrota eleitoral governista, como apontam todas as pesquisas? O país acompanha os acontecimentos sem uma reação organizada. As ações são isoladas.

O Judiciário tem reagido, tem procurado conter o autoritarismo do presidente. A ABI e outras entidades têm lutado incansavelmente em defesa do estado democrático de direito. Os empresários da mídia, que apoiaram o golpe de 2016 contra Dilma e em 2017 a prisão de Lula, principal oponente de Bolsonaro, abrindo-lhe o caminho da vitória, agora tornaram-se oposição. Sentiram na própria pele as consequências do incorrigível golpismo.

Mas as grandes manifestações de rua pelo impeachment como as de 2018 e 2019, puxadas pelos setores mais organizados da população, foram minguando e praticamente já não existem. Dão sinais de cansaço talvez por não terem alcançado o objetivo principal, de destituir o homem que de maneira criminosa tornou ainda maior a tragédia da pandemia, ao confrontar a ciência de todas as formas.

Amplos setores da população e até mesmo instituições tradicionalmente defensoras da democracia parecem estar sem saber o que fazer, além de da indignação manifestada em ações importantes, mas isoladas, ou em textos por vezes contundentes.

Visivelmente, a estratégia de Bolsonaro é vencer pelo cansaço, pela mentira, pelas bravatas, invocando Deus e ao mesmo tempo pregando o ódio, a divisão do país, criando inimigos imaginários.

Mais do que nunca é hora de se organizar uma ampla frente nacional em defesa da democracia, do sistema eleitoral, pelo respeito ao resultado das urnas. Uma frente que reúna todos os setores da sociedade que se opõem a mais uma ruptura institucional, a mais uma aventura golpista. Partidos políticos, organizações sindicais, empresariais, estudantis, de defesa dos direitos humanos, Movimento Negro, a imprensa, organizações feministas, LGBTQI+, CNBB, MST e os próprios candidatos à presidência da república que não compactuam com o golpe.

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É aí que entram as duas instituições históricas citadas no título deste texto, a Associação Brasileira de Imprensa e a Ordem dos Advogados do Brasil. Essas duas instituições têm amplas credenciais para organizar o quanto antes esta frente democrática.

Durante a ditadura militar, eternamente defendida por Jair Bolsonaro, tanto a ABI como a OAB foram alvos de atentados terroristas praticados por grupos que, como Bolsonaro, também defendiam a ditadura.

27 de agosto de 1980. Uma carta-bomba enviada à sede da OAB, no Rio, matou a secretária Lyda Monteiro, de 59 anos. O destinatário e alvo do atentado era o então presidente da OAB Eduardo Seabra Fagundes (1936-2019), mas a bomba explodiu quando sua secretária, dona Lyda, abriu o envelope com o explosivo.

Quatro anos antes, no dia 19 de agosto de 1976, uma bomba destruiu o sétimo andar da Associação Brasileira de Imprensa, então presidida por Prudente de Moraes, neto (1904-1977). A bomba foi deixada em um dos banheiros. Por sorte não houve vítimas.

Depois da redemocratização do país, a ABI e a OAB estiveram unidas em outros momentos difíceis, de crise institucional. No dia primeiro de setembro de 1992 – há quase 30 anos — as duas instituições levaram à Câmara dos Deputados o pedido de impeachment do presidente Fernando Collor de Mello. O documento era assinado pelos então presidentes da ABI, Barbosa Lima Sobrinho (1897-2000) e da OAB, Marcello Lavenère.

Agora, mais uma vez, a ABI, com 114 anos de história, e a OAB, com quase 92, têm tudo para caminhar juntas em defesa da democracia, do sistema eleitoral, contra as pregações de um governo obscurantista, de extrema direita, que ameaça mergulhar o país na mais grave crise institucional desde o fim da ditadura militar, uma crise de consequências imprevisíveis.

Unir as forças democráticas contra os arreganhos golpistas de Jair Bolsonaro, garantir a democracia pode ser a tarefa da hora dessas duas instituições das quais o Brasil se orgulha.

Rogério Marques, jornalista, conselheiro da ABI

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

Redação

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