Afogamento, por Wilson Ramos Filho (Xixo)

Essas práticas que singularizam o judiciário brasileiro, afogado em sua soberba, causam sua desmoralização pública e, infelizmente, autorizam o deboche de seus agentes e sua deslegitimação institucional.

Afogamento

por Wilson Ramos Filho (Xixo)

O Poder Judiciário brasileiro está totalmente desmoralizado por seus próprios méritos. Esforçou-se para isso. E conquistou, alcançou o merecido lugar no imaginário popular.

As distintas vertentes da teoria crítica do direito, em muitos países, precisa se esforçar para demonstrar a função do Direito e da justiça para a manutenção dos privilégios de classe, a seletividade judicial e a arrogância de seus membros. No Brasil não precisa. Os integrantes do judiciário, mergulhados em mesquinhas vaidades, exibem orgulhosamente tais características, típicas da ilusão meritocrata.

E não precisamos ir muito longe, nem mencionar as acrobacias hermenêuticas para justificar o recebimento do auxílio moradia por quem tinha casa própria ou relembrar escândalos de nepotismos cruzados tão corriqueiros. Basta o que está na mídia, normalizado pelos meios de comunicação, em meados de dezembro do ano da graça de 2021, com três exemplos.

O Poder Judiciário, de quatro, aceita a humilhante nomeação imposta pelas Forças Armadas de seu ex-ministro como Diretor Geral do Tribunal Superior Eleitoral, que – parodiando Millôr – doravante não merece ser chamado de superior. Ao aceitar a tutela dos coturnos sobre a lisura do processo eleitoral, o judiciário se apequena ainda mais em seu nanismo ético e moral (https://economia.uol.com.br/colunas/carla-araujo/2021/12/14/ex-ministro-da-defesa-de-bolsonaro-general-assumira-direcao-geral-do-tse.htm).

Não é de se estranhar a desconfiança global em relação ao Brasil. Não bastassem os desvarios bolsonaristas na gestão da pandemia e da economia, a insegurança jurídica causada pelo judiciário não favorece o acolhimento dos investidores internacionais. A LavaJato não existiria sem a conivência dos tribunais e da cúpula do judiciário. Mantiveram um inocente preso por 580 dias por razões obviamente ideológicas, e só recuaram, por maioria de 6 a 4, em razão do que foi revelado pela VazaJato.

Temos um STF que se orienta pelo populismo jurisdicional de ocasião. A vergonhosa decisão do ministro Fux restabelecendo o cumprimento imediato das penas no caso da Boate Kiss, contra a melhor jurisprudência, é de envergonhar qualquer um que tenha conhecimentos rudimentares do Direito ou do que seja a presunção de inocência (https://www.conjur.com.br/2021-dez-14/fux-derruba-hc-impedia-prisao-condenados-boate-kiss). Para atender ao que considera ser um clamor popular, punitivista, insuflado pelos meios de comunicação, o juiz diz o que o direito diz, em perfeito terraplanismo jurídico, para desconforto até dos mais convictos cultores do realismo jurídico e dos mais entusiasmados defensores do Damarismo jurídico daqueles que viram a Constituição na goiabeira. Sem precisarmos sequer entrar no debate entre culpa consciente e dolo eventual, certo é que determinar o cumprimento das penas impostas por aquele tribunal do juri, para saciar a sanha vingativa dos setores mais retrógrados da sociedade, não contribui para a credibilidade internacional do judiciário brasileiro ou para sua reputação interna, pois a tal segurança jurídica parece não figurar entre as preocupações do presidente do Supremo que deu a canetada.

Para encurtar a conversa, e esta reflexão, basta mencionar por fim a decisão do Juiz federal substituto Danilo Dias Vasconcelos de Almeida, da 32ª Vara Federal do Ceará que, utilizando os argumentos da defesa, inocentou o fascista que, negando o holocausto, acusou os judeus de disseminação da peste negra (https://g1.globo.com/ce/ceara/noticia/2021/11/17/homem-que-negou-holocausto-e-associou-pandemia-a-judeus-e-absolvido-pela-justica-do-ceara.ghtml ). Mesmo sem entrarmos novamente em questões técnicas, decisões como essa contra o senso comum civilizatório mereceriam maiores esforços argumentativos, para dizer o mínimo. Não é, não pode ser, mera questão de opinião, como defendem os bolsonaristas sempre que contestados pelos fatos ou pela história. A liberdade de expressão não pode ser utilizada para estigmatizar, para discriminar, para injuriar ou para justificar a práticas universalmente consideradas como crimes de ódio.

O judiciário, no Brasil, não se ajuda. A maioria de seus integrantes, a Direita Concursada, com tais práticas, causa constrangimento e vergonha alheia não apenas na aguerrida minoria de seus juízes e servidores comprometidos com a democracia, com os direitos sociais e com a decência nas relações entre as classes sociais e entre as pessoas. Essas práticas que singularizam o judiciário brasileiro, afogado em sua soberba, causam sua desmoralização pública e, infelizmente, autorizam o deboche de seus agentes e sua deslegitimação institucional. Uma lástima para o país. Nosso Brasil merecia um judiciário melhor. Um dia, quando reconquistarmos a normalidade institucional teremos que enfrentar essa questão.

Xixo, 15/dezembro/2021

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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