Comemorar lágrima, prisão e morte, coisa de seres decrépitos
por Luís Carlos Valois
em seu Facebook
Como juiz de vara de execução penal, mas, principalmente, como funcionário de uma estrutura burocrática criada especificamente para parecer que o Estado se preocupa com as condições dos presos, há mais de 20 anos, fui acostumando a não sentir, e me manter frio e insensível diante do sofrimento que envolve a prisão de uma pessoa.
Afinal, fazendo parte do meu trabalho estar nesse meio, não seria suportável carregar o sofrimento de cada caso que diariamente aparece.
Aos poucos a gente vai deixando de ver uma lágrima, uma dor, um gesto de desespero, perdendo igualmente a capacidade de ver injustiças. A máquina judiciária, como chamam, nos torna engrenagem, dentes de um mecanismo triturador de pessoas e vidas.
Só me dei conta disso, no dia em que, estando fazendo mestrado em São Paulo, fui visitar uma cadeia fora da condição de juiz, como estudante. O preso que falava comigo também sequer tinha ideia de que eu era um juiz, e conversamos algum tempo, em um dos corredores do Parada Neto, em Guarulhos.
A certa altura do papo, o preso colocou a mão no meu ombro e eu vi uma lágrima escorrendo no seu rosto. De repente, o susto. O mais impressionante é que eu já tinha visto tantas lágrimas, mas tantas, e aquela era a primeira que eu percebia aquele liquido como lágrima de verdade. Pensei e disse, em silêncio, para mim mesmo: – preso chora!
Tento guardar aquele dia para sempre comigo, para não deixar de ver pessoas quando o que nos mostram, e nos cobram, é só número, estatística e papel.
Só conseguindo ver gente é que se consegue ser gente e fazer qualquer coisa que se pareça humana.
Cada lágrima de uma injustiça é uma gota de sangue da morte lenta de uma sociedade doente, cada lágrima não vista é uma pá de terra no nosso túmulo.
Comemorar lágrima, prisão e morte, coisa de seres decrépitos.
Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.
Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.
Da professora da rede pública em Manaus, Sissy Sampaio
Sissy Sampaio Ele é um cara fora de série. Em 2016, esteve na escola onde trabalho, a pedido dele mesmo, conversando com meus curumins sobre maioridade penal e legalização das drogas. Foi a primeira vez na vida que muitos deles viram um juiz assim, de pertinho, interagindo com eles.
Um texto tocante, verdadeiro!
Quando li, lembrei de um vídeo que vi recentemente. Hillary Clinton escorregando ao descer uma escadaria na Índia. Comentava-se que, nos últimos tempos, ela mal consegue, sem apoio, ficar de pé e que estaria à beira da decrepitude. Me veio à mente um pensamento: o fantasma de Kadaffi. A comemoração de sua morte brutal pela então Secretária de Estado do governo Obama, foi um dos episódios mais sórdidos da diplomacia mundial.