Desnazificação das escolas brasileiras, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Lula fez um grande serviço ao país ao revogar a militarização das escolas.

Foto de Márcia Foletto no jornal O Globo em 1995

Desnazificação das escolas brasileiras

por Fábio de Oliveira Ribeiro

Um dos aspectos mais tenebrosos e doentios do governo Bolsonaro foi a militarização das escolas. Ela não apenas rebaixou a autonomia pedagógica impondo um tipo específico de doutrinação política incompatível com o que está prescrito no art. 206, da CF/88, como ampliou a missão constitucional das Forças Armadas para além da defesa da soberania e da integridade territorial brasileira (art. 142, da CF/88).

Os brasileiros devem ser educados para reconhecer a dignidade humana (art. 1º, III, da CF/88), respeitar a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II, da CF/88) e não apoiar o racismo, a tortura e a criação de grupos terroristas (art. 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV, da CF/88). A educação civil só pode ser estruturada com base na tolerância. No Brasil, a vida em sociedade é baseada na liberdade e na cooperação voluntária. Cidadãos são livres para decidir o que desejam fazer ou não fazer.

Um militar não pode ser tolerante em relação ao inimigo externo que ameaçou a soberania nacional. A vida militar é estruturada com base numa hierarquia rígida. Militares cumprem ordens. Portanto, a educação militar deve ser provida exclusivamente aos cidadãos que ingressam nas Forças Armadas. Não só isso, os casos de abusos nas escolas militares são suficientemente graves para comprometer esse modelo de educação.

Crianças e adolescentes não podem ser expostos aos rigores da caserna, pela simples razão de que isso as faria adquirir e introjetar preconceitos incompatíveis com os objetivos fundamentais da república (art. 3º, da CF/88). A infância e a juventude devem ser protegidas de qualquer forma de discriminação, violência, crueldade e opressão, quatro coisas que caracterizam a mentalidade militar (art. 227, da CF/88).

Nunca é demais mencionar aqui o disposto no art. 5º do ECA:

“Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.”

A ambição da extrema direita de transformar as escolas públicas em correias de transmissão da ideologia da ditadura militar deve ser repelida com vigor. A longo prazo, a preservação das escolas militarizadas por governadores adeptos do bolsonarismo comprometerá o sistema democrático brasileiro.

Lula fez um grande serviço ao país ao revogar a militarização das escolas. Todavia, governadores e prefeitos ligados a Jair Bolsonaro anunciaram que pretendem manter e ampliar a doutrinação militar das crianças e adolescentes brasileiros. Muito embora a União tenha competência exclusiva para legislar sobre as diretrizes e bases da educação (art. 24, XXIV, da CF/88) infelizmente nossa constituição outorga à União, Estados e Distrito Federal competência concorrente para legislar em matéria educacional (art. 24, IX, da CF/88).

Ensino público desmilitarizado x pedagogia bolsonazista militarista? A disputa entre essas duas visões antagônicas acerca do sistema público de ensino pode ser eventualmente resolvida pelo STF. Todavia, para não obrigar a Suprema Corte a decidir uma questão que é essencialmente política o governo pode empregar um atalho.

Compete privativamente à União legislar sobre questões militares (art. 22, incisos III e XXIX, da CF/88). Portanto, a fim de fazer respeitar os princípios constitucionais que devem orientar o sistema educacional brasileira só resta a Lula uma saída: editar uma medida provisória proibindo, sob pena da perda da patente ou da aposentadoria, militares da ativa e aposentados de ocupar qualquer tipo de cargo no sistema de ensino público. Em razão dessa proibição os governadores não teriam outra opção senão abandonar o ideal bolsonazista de transformar as escolas em celeiros de eleitores de extrema direita.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

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