Vivemos juntos uma imensa tragédia real e simbólica, por Fabianna Pepeu

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Vivemos juntos uma imensa tragédia real e simbólica
 
por Fabianna Pepeu
 
São impressionantes as imagens do resgate de uma moça da lama que tomou o vilarejo próximo a Brumadinho, em Minas Gerais, no começo da tarde dessa sexta-feira. Três homens lutam para conseguir suspender seu corpo que parece nu e desfeito em abandono. Ela, sofrida, mal consegue se manter viva. A perna deve estar quebrada violentamente. É dramático. Não tenho outros dados, mas estou certa que deve ter mais gente soterrada. A área é imensa, a lama pesa e é muito densa. Essa lama nos atinge, mesmo eu aqui no 17o andar, no Recife. 

 
Vivemos juntos uma imensa tragédia real e simbólica. Uma barragem de uma empresa da iniciativa privada, uma instituição que era nossa, que rompe. A segunda que rompe em menos de três anos. O meio ambiente devastado e muita gente morta. Pessoas mortas pela tragédia e mortas depois pelo descaso com suas famílias sem indenização, sem atenção, sem nada. O desastre ambiental, as casas, o plantio e as esperanças soterradas. 
 
Antes dessa lama, geral e irrestrita, choramos pelo museu. E choramos antes também e agora e também depois. O museu, nosso museu, e a história do Brasil?  E o presidente? A família toda queimada e atolada em denúncias de envolvimento com milicianos – assassinos de aluguel. O presidente, a mulher do presidente, os filhos do presidente, os ministros, os amigos do presidente, o cachorro e o papagaio do presidente, todos corruptos, violentos e imorais. Na cara dura, dizem, desdizem, mentem e tripudiam da população de um país adoecido e em profundo sofrimento. E fazem isso sem receio, sem vergonha, sem medo, porque as armas estão em casa, no carro, na cintura e na mão. 
 
E minha prima e sua tia e seu pai não entendem ou não querem entender que é tudo uma grande armação e falamos sem parar para essa gente que não quer ouvir debaixo desse sol insano e ainda há quem diga que é natural 55 graus à sombra, pois é tudo bobagem esse negócio de clima. É invenção e bobagem esse negócio de mudança climática e também o calor é ilusório e também a lama, também a lama. E Jean Wyllys? E Marielle, nunca mais? E Anderson? E o menino de mochila a caminho da escola? E o que a gente faz? O que é que a gente faz? É a lama, é a lama, casa de praia, férias, carnaval chegando, é a lama, é a lama, é a lama. Bolsa de colostomia é a lama, é a lama. Minha prima, seu Zé, dona Maria, pela amor de Deus, acordem, é a lama, é a lama…
 
Fabianna Pepeu é jornalista. 
Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Perfeito e de uma densidade

    Perfeito e de uma densidade humana imensa o seu texto, Fabianna.  Quantas “lamas” ainda até a gente dar vazão à nossa indignação que não cessa de crescer? Que tipo de gente somos nós, afinal, eu (me) questiono…….

  2. Rios de dólares sobem a Vale,

    Rios de dólares sobem a Vale, rios de Lama descem o vale. As privatizações levam embora nossas riquezas e nos deixam rios de lama.

  3. o que podemos fazer? amanhã

    o que podemos fazer? amanhã teremos clássico no futebol! não ha tregua – todos continuam com sua vidas como se as vidas dos outros não representassem nada… ou quase nada. E os bichos? sequer são lembrados! perde-se a vida, a casa, o trabalho, a cultura. Em Mariana, os Krenak de um dia para o outro perderam tudo – a terra, o teto, sua história… e continuamos nossas vidas, nossas viagens, nossos hedonismos que não nos leva a lugar nenhum. as causas? claro, a maldita corrupção – ampla e irrestrita. dos agentes públicos e privados: todos mancomunados no exercício diário de se locupletarem com as facilidades de seus mandatos acobertados pelos detentores das armas e munições… sejam disfaçados de Campos, Pinheiros, Kubitscheks, Gamas, Pintos, Neves, Coelhos, Pachecos, Pereiras, Chaves, Francos, Garcias, Cardosos, Azeredos, Pimenteis, Anastasias, Zemas, ora um, ora outro, se sucedem consanguineamente, nessa pornografia sem fim, mudam-se as caras, permanecem as atitudes de menosprezo, imoralidades, canstrices, cinismo! E entra em cena a bravata tosca e grotesca de homens feios, desagradáveis, vis!

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