Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Intervenção militar, já? Uma quase conversa com o cabo “N”, por Armando Coelho Neto

Intervenção militar, já? Uma quase conversa com o cabo “N”

por Armando Rodrigues Coelho Neto

Cabo “N” é como resolvi tratar meu interlocutor oculto, sobre quem escrevo à sua revelia. Circunspecto, competente, dedicado e brigão, não era o tipo sociável e acessível a todos. Não sei por que cargas d’agua, ele foi com minha cara e me tratava como um anarquista folclórico e, não sei como, costumava saber de minhas irreverências dentro da Polícia Federal.  Ele tinha especial apreço pela minha postura funcional e me tratava como disciplinador. Dividiu comigo várias cervejas que enveredavam por uma canção italiana ou desaguavam em confissões da época da ditadura, ora mostrando conhecimento, ora com perdoáveis tons de fanfarronices.

Perdi o contato com o cabo “N”, mas ao que consta continua vivo, embora com saúde frágil. Costumava dizer que atuou na região do Amazônia nos tempos da ditadura e com segurança, atestava: quem inventou o “micro-ondas” não foram os traficantes do Rio de Janeiro, mas sim os militares da ditadura. O tal “micro-ondas” de que falava, trata-se de uma pilha de pneus. Como num jogo de argolas, um a um pneus são empilhados sobre a vítima de pé, até ultrapassar a cabeça. Feito isso, os pneus são incendiados para cremação do corpo. A técnica hoje utilizada para queima de arquivo na marginalidade era utilizada pelos capitães do mato da ditadura militar. Foi assim que, como na canção  o Bêbado e a Equilibrista, muita gente partiu “num rabo de foguete” (João Bosco).

Com certo ar crítico, nunca concordou com a ideia de honestidade dos militares. “Não era honestidade. Era falta de denúncia e de investigação, mesmo!”. Traduzindo: com a imprensa censurada não havia quem denunciasse ou investigasse nada. E, cabo “N” à parte, quem ousou dizer alguma coisa naqueles tempos foi preso, censurado, exilado ou assassinado. Portanto, é para ser tratadas como risíveis as afirmações eloquentes de “naqueles tempos” não havia isso e aquilo. “Não conheço um militar que tenha ficado rico!” – aqui ali se ouve ou se lê sobre isso.

O cabo “N”, por discrição, fanfarronice ou língua curta militar, não costumava dar nomes. Não sei se viu, se participou ou só soube, mas nunca revelou nome de quem fora queimado. Mas, entre uma cerveja e outra, quando assunto escorregava para a ditadura, deixava escapar um tom de lamento: “Eu era muito jovem, entende? Como eu iria me insurgir contra aquilo?”. Mas, era como se ao tempo, tivesse certeza do que estava fazendo, era como se estivesse fazendo um bem muito grande para o país e para as futuras gerações.

O cabo “N” me veio à lembrança, ao receber de um jovem de origem pobre a seguinte mensagem: “Votei, sim, no Aécio e sei que você votou no Lula. A diferença entre eu e você é que quero ver Aécio na cadeia e você quer ver Lula presidente”.

Confesso que não fui didático. Respondi que não votei necessariamente no Lula, mas sim no projeto político no qual acredito e para o qual, ele, fiel a sua origem e história de luta, com empatia e sensibilidade atrai votos. Disse mais que, se a realidade nacional permanecer como está, enquanto Lula atrair votos para esse projeto, é dele meu voto. Não quis esboçar grandes defesas quanto aos ataques que o tal político sofre no pacote de falso moralismo que embriaga a sociedade de Moros, Marinhos, Malafaias… Levo em conta os bandidos que o acusam, a seletividade acusatória oficial, os contorcionismos jurídicos de um certo Sérgio Moro, as palhaçadas da Farsa Jato. Eis que na falta de um debate sério sobre corrupção, sofro o ônus da ambiguidade. Que importa? Alguém já disse que enquanto os leões não conseguiram falar, a história das caçadas será a versão glamourizada dos caçadores…  

Por não ser didático, tive que ler uma sintética resposta de meu interlocutor: “Eu voto no Bolsonaro. Ponto final”.

É cruel ser repetitivo e ter que perguntar novamente: E aqui me ocorre a constatação: como os professores do futuro irão contar a história do Brasil? Como eles irão explicar, como meros exemplos, o criminoso papel de meios de comunicações como Rede Globo e Jovem Pan junto aos pobres. Nem de panfletos políticos como Veja e IstoÉ no estímulo ao voyeurismo da classe média Macunaíma. Talvez a perplexidade resida na ilusão acadêmica de que imprensa pudesse ter o mínimo de imparcialidade, algo acima do bem e do mal como dogma, quando na verdade é instrumento de sustentação de um modelo social e político porco, que se nutre daquilo que a Farsa Jato finge combater.

O que pode levar um jovem pobre a querer votar num homem que apoiou a ditadura? Hora de voltar ao cabo “N”.

Sem medalha e ou reconhecimento pelos “bons serviços” prestados à ditadura, logo o ex-militar se deu conta de que fora descartado. Ingressou noutro órgão público e, muito tardiamente, se arrependeu de haver compactuado, genericamente, com os crimes da ditadura. Sobrou o consolo de haver livrado o Brasil do comunismo, da corrupção. Sem contar que o momento era de descrédito na classe política, problemas econômicos… Opa, opa! Estamos na década de 60/70 ou em 2013/17?

Inspirados no “cabo Moro”, parece que como farsa a história se repete e muitos “cabo “N” estão se formando, é isso? Sim. Parte deles está na Polícia Federal e outros órgãos, foi componente ativo do golpe e hoje vive o desencanto precoce, mas não quer dar o braço a torcer. Sem estofo, integrantes desse segmento vive como palpiteiros ocos debatendo direita/esquerda, repetindo novos mantras em surdina, pois já não sabem pra quem vão bater panela. Pior, dão sinais de encantamento pelo som da flauta de Bolsonaro…

 

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

11 Comentários

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  1. Vdd é que a INABILIDADE de

    Vdd é que a INABILIDADE de DILMA nos levou a isso  ..ela que de posse duma herança MAIS DO QUE BENDITA, ma_ra_vi_lho_sa eu diria, por seu “jeitão de ser”, jogou tudo fora

    O POVO nunca pediu pra ela uma Revolução, mas sim uma TRANSIÇÃO e administração

    Agora ? Agora 2018 – se não pararem LULA – tem tudo pra ser 1964, já que 2014/15 tá mais pra 1961/1962

    ..e o povo manso vai levando fingindo que não é com ele  ..povo que vai aceitando com que DESPOTAS e GOLPISTAS, um PAR de BANDIDOS inflitrado nos 4 poderes (Temer, Cunha, Aecio, Serra , Moro e Gilmar entre outros), vai tocando as NOSSAS vidas e dizendo como DEVEMOS proceder

    tudo tão abjeto e ofensivo que fica difícil de compreender  ..por isso digo, se é pra ser, LULA JÁ !!!

    1. Kulpa

      “INABILIDADE de DILMA”  qual o que!

      A culpa é do meu vizinho que bateu panela que nem louco e fazia discurso “phora PêTê” dia e noite.

      1. A culpa não é do psicopata

        A culpa é da moça que mostrou os tornozelos.

        A culpa pelo assalto é do velhinho descuidado.

        Em coro:

        “A culpa é do PT, é da Dilma, é do Lula!”

        Dá até praquela dancinha dos amarelinhos.

  2. O Flautista de Hamelin

    Flauta do Boçalnaro….

    Se a globobo mandar, nossas inteligentes classes mérdias votarão no terrorista.

    Depoisda m. feita dirão: -É, esse pais não tem jeito mesmo. Também, com esse povinho….

  3. Um pobre jovem vota num cara

    Um pobre jovem vota num cara de bandido que apoiou a ditadura pelo simples fato de não conhecer a História do Brasil e do Mundo. E é muito lógico, se for o caso, que ele seja filho de pessoas ainda também jovens, tal como ele, sem o conhecimento correto dos fatos históricos que conduziram o Brasil aqueles mais de 20 anos de estupidez e ignorância. Se for um jovem descendente de militar, aí, então é que está a resposta pronta. 

    Sou de uma família de 11 irmãos. Todos nós usamos nossa massa cinzenta para falar de política. Uns podem até ter votado em Aécio, e votarem novamente em algum tucano, porém somente o irmão militar vai votar, ele e família, num bandido que usou farda. Os militares são piores que os fieis da Universal, em matéria de lavagem cerebral. É como se num cérebro sadio tivessem injetado um líquido contendo informações para degenerá-lo indefinidamente. 

    Se um professor de hoje, tiver seus 25 anos, e for votante em Bolsonaro, cheio de amores pelos ditadores de outrora, quando tiver 70 anos, se não tiver mudado sua visão, vai dizer o que para os alunos? Então eu acho que essa cantilena sobriverá as gerações futuras. Os meninos e jovens de hoje, de famílias anti-petistas, e pró-Bolsonaro, e que não gostam de ler História, vão ser sempre os mesmos, se seus professores mantiverem neles a ideia de comunismo e petralhas, para deferem regimes crueis. 

    O artigo trata de ex-militares, mas tem também aqueles que como civis foram cooptados para o regime, sendo bem pagos pelo SNI. Eram os dedo-duros. Infelizmente eu mantenho amizade com um deles. Pouco se diz dessas pessoas, mas elas foram a causa de muitas prisões, pois frequentavam todos os ambientes de jovens, inclusive nas escolas e universidades, sem serem alunos, mas espiões, que conversavam tranquilos com os outros, e, assim tiravam suas conclusões, De repente, nem conclusões tiravam, mas podiam mentir para os superiroes a fim de ganaharem prestígios. Imagine se os jovens, em sua maioria, conhece esse tipo de profissional da ditadura. 

  4. Não se precisa ir longe, por aqui, mesmo há quem

    semana passada assíduo participante por aqui defendeu intervenção militar.Tá na última linha de seu longo artigo.Deixei um post avisando.É um cara de passado homofóbico,coisa do passado mal explicado – disse ele em nota há algum tempo,quando postei um comentário com opinião diferente,e publicamente o questionei.Mas tem prestígio no blog por escrever muitos artigos (que não leio,mais,por sinal).Nossas esquerdas e centro-esquerdas são reflexo de uma sociedade muito autoritária e escravo-crata,claro que inconsciente somos autoritários,de boa fé,o jeitinho brasileiro é autoritário(o cordis, do homem cordial, pode levar pelo coração à raiva insana ou ao afeto.Claro que isso permeia nossos partidos todos.

  5. Segunda feira é sagrada, é

    Segunda feira é sagrada, é dia de ler os consistentes textos de ACN. Infelizmente, os jovens só assistem as notícias, quando assistem as redes Globo, Bandeirantes, Record e por aí vai. Se existe uma leitura de jovens, mesmo que seja para contestar ou receber algum dinheiro ao frequentarem blogues de esquerda, talvez isso seja ainda um bom sinal.  Lembro de eleições passadas quando um jovem sobrinho que era mais radical em relação à esquerda, criticava quando o PT não respondia à  altura- radicalmente seria a palavra, as provocações que colocavam me risco seu projeto. Ele logo dizia em protesto, vou votar no partido operário comunista ou PCO, se não me engano. Depois votava mesmo era no PT. E uma pessoa de minha família, na juventude, pertenceu um grupo de esquerda, o mesmo do Serra, tendo sido preso em Ibiuna. Era radical naquela época. Hoje, admira Serra, PSDB e votou no Aécio. Então, esse jovem radical, se for um jovem mesmo, poderá mudar para melhor no futuro, ao invés de tornar-se um conservador como na música de Bechior ‘Como nossos pais”.

  6. Sem dúvida: o alvo é o projeto político.

    Gostei muito da frase, voto no projeto. Pois é isto que tanto querem destruir. Esta cruzada anti-PT cristalizada na perseguição a Lula é na verdade uma das formas mais torpes de impedir a realização de um projeto político. Centrar na figura de Lula é apenas uma grande tática. Não conseguem abertamente criminalizar o projeto, ( embora tentem), então partem para a tentativa de personalizando, criminalizar as personagens, e assim criminalizar o projeto. Mas nos bastidores dos palácios, manobraram e um a um os projetos sociais foram destruídos. Destruiram os projetos de Educação de Universidade, de Política Social, de Saude, e destruiram a nossa soberania entregando a nossa Petrobrás a um Parente.  E agora atenção, pois o foco das reformas não é apenas encher o bolso dos banqueiros e empresários, mas também  impedir o acesso ao poder de qualquer projeto político que não o deles. Se é que isto pode ser chamado de projeto político.O PSDB quer apenas entregar o país para o Mercado, e daqui um tempo, vai querer Trump para presidente, afinal para eles, como diz Serra, nós somos os Estados Unidos do Brasil.

  7. ditadura
    olá boa noite, desde já agradeço: quando vejo alguém falando disso logo penso ditadura? mais onde está o ditador? o que realmente vejo, é os três poderes estão ligados com o crime internacional e uma sistema tipo da Venezuela isso é inaceitável…

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