O cotidiano e as bases: dois focos necessários para as esquerdas, por Roberto Bitencourt da Silva

O cotidiano e as bases: dois focos necessários para as esquerdas

por Roberto Bitencourt da Silva

Em meio ao caos, à violação da Constituição de 1988 e do primado do voto popular, ao desmonte absoluto de direitos sociais e de instrumentos de soberania nacional, realmente, causa profundo desalento um traço saliente do comportamento das esquerdas: conferir atenção exclusiva à eleição de 2018. Algo totalmente fora de propósito.

Um fenômeno que não guarda a menor sintonia com a realidade brasileira, caracterizando, no momento, a diretriz de atuação e dos esforços de amplas faixas das diferentes correntes políticas e dos organismos partidários de esquerda.

As direitas são tão vendidas e entreguistas, quando não mesmo mergulhadas no larapismo desavergonhado, que, havendo oportunidade, subservientemente, limpariam os coturnos de soldados gringos e as maletas de banqueiros e agentes internos e internacionais ciosos por ganharem fácil sobre o suor do Povo. As direitas são a matriz interna associada ao imperialismo e ao capital estrangeiro para destruir o País. São inimigas da Pátria. Possuem dilatados e semi-irrefreáveis instrumentos de poder para acabarem com a Nação.

Tendo isso em vista, lançando as lentes sobre as esquerdas, me parece que até agora, grossa parte dos aderentes do PT não entendeu o sentido e as limitações, em boa medida, autoimpostas pelos governos lulopetistas: conciliaram os interesses dos grandes com os de baixo, estritamente sob a base do aumento de exportações e de preços dos bens primários no mercado internacional.

Essa onda refluiu bastante. Nem de longe está à vista o seu retorno. Asfixiou o método lulopetista de governo, de distribuição desigual interclasses apoiada em receitas exportadoras. De resto, como já disse o próprio ex-presidente Lula, algumas “reformas” – neoliberais/conservadoras, diga-se – “eram necessárias” e se fosse Dilma, “colocaria Henrique Meirelles na Fazenda”.

Realmente, não sei sobre qual base material, de classe e organizacional alguém pode imaginar Lula presidente e, sobretudo, à esquerda, atendendo o Povo Trabalhador.

No mesmo compasso, Ciro Gomes (PDT) caminha no terreno de Lula, só que buscando, mais abertamente, agentes do “capital produtivo” para compor e dar sustentação a um eventual governo seu. Isso em meio ao mais absoluto vendepatrismo das burguesias ditas “nacionais”. Talvez Ciro só venha a encontrar donos de restaurantes, minimercados varejistas e padarias.

O grande capital, em diferentes ramos, está sob controle direto de multinacionais ou associa-se, de maneira subordinada, mesmo como “burguesia compradora”, ao capital internacional.  Em todo caso, Ciro é muito articulado e tem contribuído para o debate, para desmontar falácias presunçosas e ilusões veiculadas por reacionários a soldo do desmonte do País.

Mais à esquerda ainda, tem sido ventilado o nome de Nildo Ouriques, como potencial pré-candidato do Psol. Superarticulado, professor renomado, que, intelectualmente, opera com a teoria da dependência, Nildo chama a atenção para as esquecidas questões nacional, do subdesenvolvimento, da inserção subordinada na divisão internacional do trabalho e das raízes da superexploração do trabalho em nossas terras.

O professor e economista pode, seguramente, contribuir e muito para o debate e o esclarecimento político, apesar das franjas cada vez menores de espaço, sobretudo midiático.

Nomes e determinadas visões programáticas e de classe à parte, antes de qualquer coisa me parece que é preciso reconstruir tudo, no campo popular-nacional, democrático e, inclusive, socialista, desde as bases. Reconfigurar “softwares mentais”, esquemas de percepção, não raro, colonizados (à francesa), organismos populares e comportamentos políticos.

Incentivar disposições comportamentais ativas e semiautônomas de atuação, sem ilusões eleitorais e imediatistas. Antes de tudo, é preciso (re)criar o Povo Brasileiro, uma identidade em torno de aspirações, desafios, valores e avaliações comuns sobre o que se quer e o que não se quer, entre os trabalhadores humildes, medianos e capas mais altas de classe, além da pequena burguesia. Como dizia Carlos Mariguella: “Base, base, base”.

Sem base, sem imiscuir-se no cotidiano das diferentes frações de classes que permitam forjar uma identidade política ao Povo Brasileiro, sem camadas populares e médias articuladas e comungando uma visão, uma convicção segura para agir, laços de confiança e solidariedade interna a um potencial emergente bloco popular, não há sequer uma medida favorável ao Povo que possa durar, minimamente.

Sem base social organizada e mobilizada, qualquer iniciativa, proposta ou governo cai com dois petelecos. A história recente já demonstrou. Ad nauseam.

Concluo fazendo referência a um recente filme argentino, “Eva não dorme”. A película é muito ilustrativa, ao menos em um aspecto, sobre o assunto que abordo. Na narrativa, encontra-se um alto oficial militar golpista e submisso ao capital estrangeiro e aos EUA.

Esse personagem, ao ver, nos anos 1940-50, as grandes massas de trabalhadoras e trabalhadores argentinos nas ruas e nas praças, em apoio às medidas adotadas e defendidas por Evita e Juan Domingo Perón, assim classifica o Povo, com todo o seu ódio de classe: “As bestas, as bestas estão soltas”.

Nesse sentido, as nossas “bestas” precisam ser libertadas de ilusões e ao menos incomodar, como já incomodou, o condomínio do poder do grande capital. Para isso, faz-se necessário organização e trabalho cotidiano.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político. 

Redação

6 Comentários

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  1. QUANDO SERÁ QUE UM POLÍTICO,

    QUANDO SERÁ QUE UM POLÍTICO, SOCIÓLOGO OU CIENTISTA POLÍTICO TERÁ A CORAGEM DE DIZER A VERDADE? OU LUTAMOS ESSA GUERRA DE CLASSES OU ESTAREMOS ETERNAMENTE VÍTIMAS DA GENTE RICA,SE NÃO DERRUBARMOS ESTES PODRES PODERES E RECONSTRUI-LOS COM GENTE DIGNA ESSA MERDA FEDERÁ ETERNAMENTE.QUE CAGAÇO TEM A ACADEMIA,ME PARECCE QUE JUNTO A CLASSE POLÍTICA QUEREM QUE AS COISAS CONTINUEM COMO SEMPRE;DESRESPEITO A VONTADE DO POVO,RECOLHER-SE NA COVARDIA E CRER NAS URNAS.URNA ALGUMA DEVOLVERÁ OS DIREITOS E AS RIQUEZAS SUBTRAÍDAS DA NAÇÃO.

  2. Como educar um povo?

    A ideia até é correta: O país so muda de verdade se consicentiarmos o povo. Mas como? Como atingir 8 milhões de quilõmetros quadrados, 200 milhões de pessoas espalhados em 5 mil cidades?

    O meio ideal pra se fazer isto seria a tv, mas esta está dominada por empresas ultra direitistas. Como fazer? montar palestras em casa com meia dúzia de esquerdistas? Não há poder de alcance por meio disto. E qual será o tipo de esquerda a ser defendida? A Petista centrista, a do Psol elitista, a do PCO quase comunista? Não bastasse os esquerdistas serem minoria, ainda estão profundamente divididos e, no fundo, as facções se odeiam e atacam umas as outras (haja vista Luciana Genro adorando o golpe contra o PT).

    Não bastasse isto, o próprio povo é um problema: ignorante ao extremo, conservador e covarde ao extremo, com um profunda tradição de submissão e aceitação. Grande parte obedece cegamente (e gosta de obedecer cegamente) ao que o pastor, ou o Ratinho falam. Nosso povo é desunido e tem tradição de ganância e corrupção, mas não tem laços de união e objetivo comuns.

    Muitos fatores contra o Povo e o País, poucos fatores favoráveis. É uma situação muito difícl e desanimadora.

    è preciso um meio de divulgação que possa atingir a todo território. Não tendo a TV, sobra a internet. Poré, sem todo o poder fácil de divulgação de uma Globo, algo só bomba e viraliza na internet se for excepcional. Portanto, seria preciso um super comunicador, alguém agradável e empolgante de se assistir, alguém que traga confiabilidade e respeito. Alguém como …Lula. Pois é, já existe. mas, como sabemos, Lula é da Esquerda concilidadora, a esquerda que adora o capitalismo. Portanto não vai consertar nada nunca, só melhorar.

    Tem o Gregório Duvivier, este de uma Esquerda um pouco mais radical. Um pouco… mas que , no fim das contas, é só um traço de audiência se comparado ao Datena e ao Huck. Pois o povão tende a assistir o que o agrada e o reflete. 

    Então, precisamos de um Lula mais radical. Como , se Lula só existe um, neste país mediocre que só produz gente mediocre como Gedeis e Temers?

    E, talvez o pior de todos os problemas: ainda que tivéssemos o supercomunicador da ultra esquerda, e a esquerda estivesse unida e concilidado em um objetivo,  e este cara bombasse e viralizasse e fosse adorado do Amapá ao Rio Grande do Sul (exceto na Coxinholândia e sua capital Coxinhópolis), o que mudaria de fato se  o projeto fosse “mais direitos ao povo, mais impostos sobre o capital”? A Europa é assim e estão coratnaod tudo por lá. Ou oferecriamos comunismo literalmente? De qual tipo: Ditadura Cubana ou ditadura norte coreana? Já sei, Ditadira fracassada soviética!

    Precisamos conquistar  abase, o povo, corações e mentes. Como? Com que comunicadora o fariamos? e Vamos conquistar pra defender que projeto? Qual projeto realmente pode acabar com a injsutiça social e a desigualdade de verdade ( enão apenas com paliativos maiores ou menores)?

    1. Os Conscientizadores do povo sem consciência

      Em uma de sua Teses sobre Feuerbahc, Marx disse:

      “A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das circunstâncias e da educação, [de que] seres humanos transformados são, portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação mudada, esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres humanos e que o educador/conscientizador tem ele próprio de ser educado/conscientizado. Ela acaba, por isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas partes, uma das quais fica elevada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen)”

  3. As classes sociais são inconciliáveis

    Então os governos lulopetistas conciliaram os interesses dos grandes com os de baixo, estritamente sob a base do aumento de exportações e de preços dos bens primários no mercado internacional?

     

    Não existe conciliação de classes, existe correlação de forças.
    André B
    Ter, 25/10/2016 – 14:42

    Não existe conciliação de classes porque a luta de classes é uma decorrência do caráter estrutural da economia, onde uns tem a propriedade dos meios de produção e outros só a do próprio corpo. O que existe são mudanças na correlação de forças entre as classes. Em alguns momentos e lugares a correlação se torna mais favorável aos trabalhadores – por vários motivos, desde o econômico até o geopolítico. Ai os trabalhadores conseguem arrancar reformas da classe dominante. A classe dominante nunca cede reformas de boa vontade ou por espírito de conciliação, é que para ela em determinadas conjunturas é melhor ceder reformas que encarar uma revolução.

    Não estou dizendo com isso que reformas são negativas ou devem ser rejeitadas. Afirmar a luta de classes não é rejeitar reformas, porque elas são parte da luta de classes. Reformismo é achar que as reformas são resultado da conciliação de classes e não resultado e parte da luta de classes.

    Quando a correlação de forças muda, como acontece hoje no mundo todo, a classe dominante retira as reformas, os direitos sociais desaparecem. Eles não são garantidos para sempre – achar isso é parte da ilusão da conciliação de classes, do reformismo – mas são objeto e resultado de luta. E vão continuar sendo, pelo menos enquanto existir a condição econômica estrutural que leva a luta de classes.

    https://jornalggn.com.br/comment/1007257

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