O Grande Legado de Jacinda Ardern, por Nadejda Marques

Mulheres na política enfrentam desrespeito, maior pressão, resistência à suas ideias e propostas e cobrança. É uma cobrança sobre tudo, o tempo todo.

Deutsche Welle

O Grande Legado de Jacinda Ardern

por Nadejda Marques

Em novembro do ano passado, durante uma coletiva de imprensa, Jacinda Ardern, Primeira-Ministra da Nova Zelândia, após um encontro com a Primeira Ministra da Finlândia, Sanna Marin, foi questionada por um repórter se o encontro se dera “somente” porque as duas líderes eram mulheres da mesma idade. Ardern, como é de seu costume, educadamente sorriu e respondeu a pergunta descrevendo como a Finlândia é um dos principais importadores de produtos neozelandeses (algo na ordem de $199 milhões de dólares), mas antes alfinetou com algo do tipo: – Me pergunto se alguém alguma vez perguntou ao Barack Obama e ao John Key [ex-Primeiro Ministro da Nova Zelândia] se eles se reuniam porque tinham a mesma idade.

Santa paciência!

Mulheres na política enfrentam desrespeito, maior pressão, resistência à suas ideias e propostas e cobrança. É uma cobrança sobre tudo, o tempo todo. Não basta ser uma líder respeitada mundialmente pela sua competência e candor. Não basta ser um exemplo na resposta eficaz a crises como atentados terroristas (atentado contra duas mesquitas de Christchurch em 15 de março de 2019), desastres naturais (erupção do vulcão Whakaari em dezembro de 2019) e a pandemia da COVID-19 (a Nova Zelândia teve uma das menores taxas de mortalidade pela COVID-19). Não é difícil ver que as mulheres líderes são sempre cobradas por não serem homens.

Na semana passada,  Jacinda Ardern anunciou sua decisão de deixar o cargo no mês de fevereiro deste ano. Sua decisão acendeu um debate importante sobre a saúde mental trazendo à tona temas como o burnout, exaustão ou esgotamento profissional, que afetaria mais as mulheres. O que falta nesse debate é discutir mais as suas causas. O burnout não acontece do nada e se dá, principalmente, devido às demandas desiguais para homens e mulheres no trabalho e em casa. Embora Jacinda Ardern não tenha mencionado a palavra burnout em seu anúncio, a ideia estava implícita na escolha das expressões usadas e alusões que ela estaria com o tanque vazio ou que seu tanque havia esvaziado (“nothing left in the tank”).

Ardern tampouco citou os ataques e ameaças que vem sofrendo em seu anúncio na semana passada, mas isso estava implícito. Segundo dados da polícia neozelandesa, em 2022, as ameaças contra a primeira-ministra triplicaram. Em mais de uma ocasião, a primeira-ministra sofreu ataques verbais e chulos de extremistas enquanto visitava lugares públicos. Em uma dessas vezes, visitava uma escola primária. Ardern não precisava citar as ameaças, a violência extremista deixou marcas em seu semblante. Além de cobradas, as mulheres na política sofrem com os constantes ataques de ódio, ameaças e atos de violência. Vemos isso no Brasil, nos criminosos ataques à Manuela D’Ávila, ataques contra Dilma Rousseff, Marina Silva, Jandira Feghali, Sônia Guajajara, Duda Salabert e tantas outras mulheres que são líderes, mulheres que são políticas e que corajosamente representam a tantas outras mais.

Ardern foi a mais jovem primeira-ministra da Nova Zelândia. A segunda líder mundial a dar a luz durante seu mandato (em 1990, Benazir Bhutto, ex-Primeira Ministra do Paquistão, foi a primeira). Na sua saída, Ardern demonstrou coragem e sabedoria. Sai com a sua reputação impecável e deixa um legado importante e muito positivo. São raros os políticos que são tão estratégicos e generosos como Ardern. Normalmente, embriagados pelo poder se elegem sempre pensando na próxima eleição. Não governam no presente nem para quem os elege. Governam para si e se esquecem que governar é um privilégio, não um direito.

Nadejda Marques é escritora e autora de vários livros dentre eles Nevertheless, They Persist: how women survive, resist and engage to succeed in Silicon Valley sobre a história do sexismo e a dinâmica de gênero atual no Vale do Silício e a autobiografia Nasci Subversiva.

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Redação

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