O mimimi de Bolsonaro, por João Almeida

E o mais irónico é que, logo ele, Bolsonaro, que passou a carreira de deputado a levantar a voz, sobretudo a mulheres, e de polegar e indicador esticados a imitar revólveres, acaba a fazer um "mimimi" - a expressão brasileira para queixume, choradeira

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

do DN 

O mimimi de Bolsonaro

por João Almeida Moreira 

Fernando Henrique Cardoso dedica a maior parte das 869 páginas dos dois volumes dos Diários da Presidência (Companhia das Letras, 2015) a descrever as dores de cabeça e os cabelos brancos que os caprichos, os humores e a insaciável cobiça do Congresso Nacional lhe causaram.

À época dos acontecimentos narrados, Lula da Silva era o maior opositor da forma de se fazer política em Brasília, criticando os clientelismos, os conchavos, os toma lá dá cá, as trocas de favores, de cargos, de orçamentos e de honrarias que faziam o pão nosso de cada dia do poder legislativo.

Mas chegado ao poder, no mínimo, avalizou o Mensalão, que foi a institucionalização da forma de fazer a política que antes atacara. E ainda apertou a mão, abraçou, bebeu whisky e fumou charuto com os intérpretes de tudo o que combatera. Questionado sobre a hipocrisia desses afagos, usou a frase que ainda hoje é uma aula de pragmatismo político: “Se Jesus Cristo fosse presidente do Brasil, aliava-se até a Judas”.

Collor de Mello durou até perder as rédeas do Congresso. E Dilma Rousseff, anos depois, também: por ter mais pudor do que o mentor, recusou-se, por exemplo, a distribuir cargos a amigos de Eduardo Cunha, a tradução do que de pior Brasília produz, e acabou sabotada pelo então presidente da Câmara dos Deputados. O impeachment veio logo a seguir.

Apesar de não terem sido eleitos, Itamar Franco e, sobretudo, José Sarney e Michel Temer resistiram até ao fim dos seus mandatos porque dominavam os meandros de Brasília e as negociatas de bastidores. Os dois últimos são o que se pode chamar de uns grandes filhos da política.

Desde meados do governo FHC até perto ao fim do governo Temer, passeou-se pela Câmara dos Deputados um tal de Jair Bolsonaro. Um correspondente português chegado ao Brasil em janeiro de 2011 compreendeu em semanas como funcionava o sistema, será que em 28 anos esse deputado de baixo clero não entendeu o mecanismo da coisa?

É o que se depreende, pelo menos, do texto que partilhou no Whatsapp a um grupo de aliados, onde discorreu lamúrias sobre as dificuldades de governar num regime com separação de poderes e dominado pelos lóbis, grupos de interesses e influências que gravitam do Congresso – os tais lóbis, grupos de interesses e influências que nunca notou enquanto lá esteve por, repita-se, 28 anos.

Logo ele, que trocou de partido oito vezes nesse período.

Logo ele, que passou a maior parte desse tempo no PP, o partido mais visado da Lava-Jato (sim, mais do que o PT).

Logo ele, que instantes antes de dedicar o voto pelo derrube de Dilma a um torturador elogiara embevecido Eduardo Cunha, o tal que sabotara o governo dela e é, ainda hoje, a tradução do que de pior Brasília produz e o símbolo do Congresso dominado pelos lóbis, grupos de interesses e influências que ali gravitam.

E o mais irónico é que, logo ele, Bolsonaro, que passou a carreira de deputado a levantar a voz, sobretudo a mulheres, e de polegar e indicador esticados a imitar revólveres, acaba a fazer um “mimimi” – a expressão brasileira para queixume, choradeira.

Não só ele: o exército de idiotas úteis que o segue nas redes sociais, normalmente tão crítico do “mimimi” das mulheres que se queixam de machismo, dos negros e indígenas que se queixam de racismo e dos homossexuais que se queixam de homofobia, passou uma semana inteira a chorar pelos cantos porque o Congresso Nacional vem agindo como Congresso Nacional e não como as claques organizadas bolsonaristas a que está habituado.

Daí, organizou minuciosamente durante semanas uma, segundo o presidente, “manifestação espontânea” – a contradição dos termos “organização” e “espontânea” não o perturba, como não perturbava Odorico Paraguassu, prefeito de Sucupira, em O Bem Amado, de Dias Gomes.

Na verdade, o Congresso Nacional não para de realizar prodígios: derrubou Collor e Dilma, encheu FHC de cabelos brancos, obrigou Lula a abraçar o Iscariotes. E agora levou Bolsonaro a guardar a arma no coldre e prestar-se a um penoso “mimimi” público.

Redação

5 Comentários

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  1. O bozo, cara centrado que é, não percebeu, nesses 28 anos de congresso o que ele chama de “velha política” porque, coitado, estava ocupado trocando de partido. E como um cara centrado que é, não consegue fazer mais de uma coisa de cada vez, vai protestar quando o acusarem de mimimi.
    Ele só entende um mi por vez. Quem faz mimimi são os outros.

  2. Se for possível localizar e fazer uma entrevista com algum daqueles manifestantes daqueles movimentos de junho de 2013, apolíticos, horizontais e apartidários, é possível que se possa obter do entrevistado uma análise da conjuntura política atual com a mesma profundidade de um pires, como essa trazida nesse post.
    O cidadão aqui segue a linha psolista. Ou seja, mete o pau e nivela todo mundo na mesma vala comum da fisiologia, preservando um pouco o defunto político insepulto FHC, mas não aborda as diferenças nos resultados da prática política que ele chama de pragmatismo e nem a causa na imprescindibilidade da composição política com o Congresso, a que está sujeito qualquer um que assumir o cargo de Presidente, submetido a regra eleitoral vigente.
    Só para não alongar na abordagem das inconsistências do texto, seguem apenas alguns destaques?

    – O finado FHC chegou ao cargo de Presidente surfando na onda de uma campanha montada no âmbito de UM GRANDE ACORDO NACIONAL, com a GLOBO, com tudo, (em modelo análogo ao do GOLPE de 2016) com a missão de fazer uma administração sintonizada com as oligarquias regionais, que o Jessé Souza chama carinhosamente de “Elite do Atraso”. Comprou a emenda da reeleição e aprovou a lei de financiamento privado de campanhas eleitorais no mesmo ano de 1997. Todos os crimes eleitorais que se seguiram, desde então, são descendentes desses dos primeiros atos criminosos, jamais criticados e, muito menos, investigados, embora tenham sido ambos amplamente comprovados. O FHC vendeu as riquezas do patrimônio dos brasileiros e quebrou o país três vezes. Saiu milionário do mandato e contribuiu para que se tornassem bilionários os integrantes de sua equipe de governo, vendilhóes da pátria.

    – Ao passo que o Lula elegeu-se dentro de um acordo político mais amplo, inclusivo de grande parte das entidades representativas da sociedade brasileira. Enfrentou doze anos de campanha ininterrupta de destruição das realizações extraordinárias de seu governo, impossíveis de se descrever em poucas palavras. Saiu do governo com 87% de aprovação, com patrimônio compatível com as suas declarações oficiais, assim como não enriqueceram os integrantes de seu governo. Ele e todos os integrantes de sua equipe enfrentaram acusações, investigações e alguns estão condenados e presos por crimes que não cometeram.

    – o que ele chama de Mensalão, a bem da verdade, é preciso que se diga, que não passa de uma fraude processual mentirosa produzida e divulgada nas telas e páginas do complexo midiático controlado pela GLOBO, onde foi transformada em verdade verdadeira.

    E vamos parando por aqui, senão a gente excede os limites da percepção do senso comum que, como o autor do texto em comento, se limita expressar insatisfação “com tudo isso que está aí” e, por conseguinte alinha-se aos defensores da Terra Plana, defensores da “nova política”!!

  3. Perfeito, parei de ler quando cita o mensalão como se verdadeiro fosse, depois de tudo que aqui e em outros blogs progressista já foi publicado mostrando a primeira armação do Supriminho em tentar derrubar o PT, inclusive com combinações de datas dos julgamentos com o período eleitoral das eleições municipais de 2016.

  4. Resposta ao Bonobo.
    O que impressiona, Bonobo, é que assim como aécio e outros intocáveis, o FHC nunca é acusado ou suspeito de nada.
    Como se alcança essa proteção divina?
    Tô querendo um anjo da guarda assim.

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