O que a Ilíada pode nos ensinar sobre a III Guerra Mundial?, por Fábio de Oliveira Ribeiro

Malditos russos, eles invadiram a Rússia e não querem sair dela. O planeta Terra é a casa dos EUA.

O que a Ilíada pode nos ensinar sobre a III Guerra Mundial?

por Fábio de Oliveira Ribeiro

O conflito entre norte-americanos e russos está se intensificando. A Casa Branca fomentou e apoiou o golpe de estado que restaurou o poder dos nazistas na Ucrânia, obrigando a Rússia a proteger uma parcela da população ucraniana foi militarmente atacada pelas tropas de Kiev. Se o Kremlin não tivesse feito nada, o resultado seria uma limpeza étnica no coração da Europa.

Durante séculos, a Crimeia integrou o território do império russo. Ela é habitada por uma população de origem russa que fala a língua russa. Anexada convenientemente à Ucrânia ao fim da II Guerra Mundial, essa região preferiu voltar a ser território russo após a fragmentação territorial ucraniana. Europeus e norte-americanos rejeitam a decisão dos habitantes da Crimeia, mas a verdade factual é que somente eles tem direito de decidir seu próprio destino. EUA e UE nunca conseguirão fazer aquela região se ajoelhar diante do regime nazista de Kiev.

Quando a URSS se dissolveu e o Pacto de Varsóvia deixou de existir, a OTAN se comprometeu a não estacionar tropas na fronteira da Rússia. Essa promessa não foi cumprida, algo que irritou muito o Kremlin. A Rússia foi invadida por Napoleão em 1812 e pelas tropas de Hitler em 1941. Os temores dos russos são historicamente justificáveis. As provocações dos EUA e da OTAN são evidentes.

As linhas de tensão que dividem a Europa comprometem a integração energética entre Alemanha e Rússia. Isso é algo que interessa muito aos norte-americanos que vendem gás aos alemães. Portanto, no centro do conflito ucraniano podemos ver claramente a cobiça norte-americana e europeia por mais energia.

Insumo fundamental do capitalismo desde que ele surgiu, a energia garante o funcionamento das máquinas que produzem as mercadorias que serão vendidas no mercado. Os lucros garantem tanto a expansão da riqueza privada quanto o aumento do poder dos Estados. A recente tentativa da Casa Branca de arrancar o Cazaquistão da esfera de influência russa fracassou. Mas nesse caso, norte-americanos e europeus não desejam apenas controlar as reservas energéticas daquele país. EUA e UE querem prejudicar, atrasar ou impedir a incorporação do território cazaque à Nova Rota da Seda da China.

Russos, chineses, europeus e norte-americanos traçam linhas vermelhas no chão, no ar e no espaço. Eles parecem estar condenados a travar uma guerra convencional de grandes proporções para assegurar a hegemonia global num planeta que já se encontra ameaçado pela mudança climática. Ninguém ficará surpreso se esse conflito rapidamente evoluir para uma catastrófica guerra nuclear da qual os vitoriosos, os derrotados e os países neutros sairão mortalmente feridos.

Viciados em televisão, os norte-americanos foram ensinados a acreditar que os EUA é dono do planeta, do sistema solar, da galáxia e do universo. Alguns deles parecem acreditar que o US Army pode invadir o passado e o futuro e vencer guerras em qualquer dimensão. Hollywood se encarregou de remodelar a história para colocar no centro de qualquer conflito a ideologia norte-americana de que a paz somente pode ocorrer mediante a aniquilação do inimigo ou com uma rendição incondicional.

Os russos não irão se render. Eles podem ser aniquilados, é verdade. Mas quando os mísseis balísticos dos EUA começarem a voar, a Rússia também fará o que é necessário para aniquilar norte-americanos e europeus. Os meios de destruição em massa à disposição do Kremlin não podem ser subestimados.

Convém, portanto, lembrar aqui uma lição importante presente no Canto VII da Ilíada. Ela ocorre logo após ao combate singular entre Heitor e Ajax. Por razões óbvias de incompatibilidade com a ideologia predominante nos EUA essa passagem não foi explorada em nenhum dos filmes hollywoodianos produzidos acerca a Guerra de Troia:

“290 Interrompamos, por hoje, somente, os combates e lutas;

mas amanhã, reinicie-se a luta até vir a ser ela

por um dos deuses julgada, e a vitória a um de nós concedida.”

300..………………….……………………….…………….……………

“Como inimigos de morte lutaram, com sanha terrível;

mas, pós haverem trocado presentes, em paz se apartaram.”

(Ilíada, Homero, Ediouro, Rio de Janeiro, 2009, p. 188)

Paz sem derrota ou rendição do inimigo. Suspensão dos combates sem vitória incontestável. Troca de presentes entre inimigos capazes de se respeitar mutuamente.

Os norte-americanos foram condicionados a não respeitar ninguém. Calejados pelas guerras napoleônicas e pela barbárie nazista, os russos aprenderam a respeitar seus inimigos. Mas isso não significa que eles podem renunciar aos seus próprios interesses.

O Secretário de Estado dos EUA disse que quando os russos entram numa casa eles nunca mais saem dela. Além de ofensiva, essa frase pode ser interpretada como uma projeção. Quem está acostumado a permanecer eternamente nos países derrotados é os EUA. Os norte-americanos têm tropas estacionadas na Europa e no Japão desde o fim da II Guerra Mundial. Com o fim da URSS as tropas russas no leste europeu retornaram para casa.

Ao contrário dos militares norte-americanos, que se fazem permanentemente presentes em mais de 800 bases militares ao redor do planeta, os militares russos se limitam a ficar no território da Rússia. Quando um aliado requisita ajuda militar ao Kremin, tropas russas são deslocas para a área desestabilizada e permanecem nela apenas enquanto a normalidade não for restaurada. Isso parece incomodar Antony Blinken.

Malditos russos, eles invadiram a Rússia e não querem sair dela. O planeta Terra é a casa dos EUA.

Com esse tipo de mentalidade é impossível manter a paz ou restaurá-la depois que um conflito começar. Os norte-americanos são incapazes de reconhecer qualquer valor ou qualidade humana nos seus adversários. Além disso, será inócuo trocar presentes após o final de um conflito nuclear em que todos serão igualmente derrotados e obrigados a definhar e morrer de uma maneira horrorosa.

Os russos já estão se preparando para nocautear com mísseis todos satélites militares dos EUA que espionam o território da Rússia. Essa será a primeira fase da III Guerra Mundial. Os fragmentos dos satélites militares destruídos obviamente destruirão outros satélites, que por sua vez provocarão a destruição de mais e mais satélites num efeito cascata que não deixará intacto nenhum satélite de comunicação em órbita.

Mesmo que o conflito entre EUA e Rússia seja interrompido antes dos combates começarem, a primeira fase da III Guerra Mundial interromperá o sonho norte-americano de colonizar outros planetas e explorar comercialmente o espaço. Após os mísseis russos destruírem os satélites militares norte-americanos nunca mais será possível lançar uma nave espacial com segurança.

Os gregos derrotaram Troia, mas isso não impediu que as cidades gregas fossem conquistadas pelos macedônios, invadidas por Roma e, depois, brutalmente submetidas pelos turcos. Seria útil Antony Blinken prestar mais atenção à Ilíada do que aos filmes de Hollywood. A solução para todos os problemas dos EUA está no Canto VII daquele poema épico de Homero.

Fábio de Oliveira Ribeiro, 22/11/1964, advogado desde 1990. Inimigo do fascismo e do fundamentalismo religioso. Defensor das causas perdidas. Estudioso incansável de tudo aquilo que nos transforma em seres realmente humanos.

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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