Por que Ultradireita avança tanto em tantos lugares?
por Salvio Kotter
O avanço inexorável da ultradireita tem marcado sua presença de forma contundente em todo o ocidente e sua zona de influência. A escalada vertiginosa desse espectro político, patente na Argentina e em Portugal, ilustra os episódios recentes de uma tendência mais ampla, da mesma forma que as manifestações fascistas em solo italiano ou os contingentes nazistas em paradas alemãs. É de praxe histórica que toda transformação substancial seja alimentada por uma profunda insatisfação com o status quo. A insatisfação que testemunhamos atualmente, com a radicalização que dela resulta, sustenta-se em um tripé composto por um fator religioso – o ascenso do domínio evangélico –, um fator comunicacional – a sofisticação das estratégias de desinformação – e, como não poderia deixar de ser, um fator econômico, este composto por três outros fatores: a erosão da renda de ampla parecela da população; a crise paradigmática do capitalismo em sua conformação financeirizada; e o emergente cenário de tecnofeudalismo, fundamentado na economia de aluguéis. É este fator econômico que será examinado aqui. Os dois artigos subsequentes retomarão os dois outros pilares do tripé.
O Despertar da Insatisfação Global
A aplicação agressiva da globalização, sob o manto do neoliberalismo, serviu como uma dupla lâmina. Por um lado, promoveu uma integração sem precedentes entre economias, povos e culturas. Por outro, exacerbou as desigualdades, dilacerou o tecido social de nações inteiras e desencadeou uma onda de desindustrialização no ocidente. Este cenário criou um fértil terreno de descontentamento, onde as sementes da retórica ultradireitista encontraram fácil germinação.
A Economia do Descontentamento
A desindustrialização observada nos Estados Unidos e em várias nações europeias é não apenas um fenômeno econômico, mas também um gatilho para inúmeras crises sociais. A perda de empregos manufatureiros, antes vistos como pilares da classe média ocidental, não foi acompanhada por um adequado surgimento de novas oportunidades para os trabalhadores deslocados. O vazio deixado foi rapidamente preenchido por vozes que promovem o nacionalismo, o protecionismo e uma hostilidade geral contra a globalização — identificando erroneamente a abertura econômica como a raiz única de todos os males sociais.
Rumo ao Tecnofeudalismo: Uma Nova Ordem Desigual
A análise do tecnofeudalismo proposta por Yanis Varoufakis oferece uma compreensão crucial do momento econômico que vivenciamos. A transição do capitalismo, com seu ciclo de compra, venda e reinvestimento, para o tecnofeudalismo, centrado na renda e aluguel, representa uma mudança fundamental na forma como a riqueza é acumulada e (não) distribuída. Esta nova era, marcada pela financeirização e pelo domínio das gigantes tecnológicas, agrava o descontentamento ao promover a concentração de riqueza e limitar as oportunidades econômicas para a maioria da população.
A Política do Medo e da Nostalgia
A ascensão política da ultradireita não pode ser compreendida sem que se leve em conta o papel que a instrumentalização do medo e da nostalgia desempenha na construção da narrativa que alimenta esse espectro político. A instrumentalização do medo, especialmente em relação a questões de imigração e segurança, tem revelado notavelmente eficaz para mobilizar apoio. Além disso, o apelo à nostalgia de um passado ressignificado como melhor — frequentemente idealizado e desprovido de qualquer base na realidade dos fatos — serve como um poderoso catalisador para a ação política. Esses elementos são manipulados para criar uma visão de mundo simplista, em que a ultradireita se posiciona como a única capaz de restaurar a ordem e a grandeza perdida.
A Era da Desinformação e as Câmaras de Eco Digitais
Nenhuma discussão sobre a ascensão da ultradireita estaria completa sem considerar o impacto profundo das redes sociais e da desinformação. As plataformas digitais, embora possam servir como espaços para o diálogo e a expressão, têm sido cada vez mais utilizadas para difundir discursos de ódio, teorias da conspiração e desinformação. As câmaras de eco criadas nessas plataformas amplificam vozes extremistas, reforçando preconceitos e dividindo ainda mais as sociedades.
Desafiando o Avanço através da Respostas Multidimensionais
Contra este pano de fundo de descontentamento econômico, mudanças tecnológicas e manipulações políticas, é imperativo que busquemos respostas multidimensionais. Essas devem incluir o fortalecimento das instituições democráticas, o incentivo à participação cívica ativa, a revisão crítica de modelos econômicos excludentes e a promoção de uma maior inclusão social. A educação também desempenha um papel crucial, não apenas no sentido tradicional, mas também na alfabetização midiática e digital, para combater a disseminação da desinformação.
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Sálvio Kotter passou por formações bem variadas, como Administração de Empresas, Música Erudida, Grego Antigo e Latim. Publicou vários livros, de ficção e não-ficção e é editor da Kotter Editorial, especializada em literatura, filosofia e política.
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