Salvio Kotter
Salvio Kotter passou por formações bem variadas, como Administração de Empresas, Música Erudita, Grego Antigo e Latim. Publicou vários livros, de ficção e não-ficção e é editor da Kotter Editorial, especializada em literatura, filosofia e política.
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Entre o Silêncio e a Turbulência: Villas Bôas e o Fantasma do Golpismo, por Salvio Kotter

Villas Bôas, que foi um dos principais atores na politização do Exército durante o governo Temer e Bolsonaro, tem se mantido em silêncio

Rafela Felicciano/Metrópoles

Entre o Silêncio e a Turbulência: Villas Bôas e o Fantasma do Golpismo

Este artigo analisa o papel do general Eduardo Villas Bôas (desde o golpe de 2016, o “tanque” no STF, passando pela trama que tentou frustrar a posse do presidente Lula até a intentona golpista de 8 de janeiro), à luz de novas revelações sobre visitas de autoridades à sua residência em dezembro de 2022.

por Salvio Kotter

O general Eduardo Villas Bôas, figura centralíssima na politização do Exército brasileiro, tem procurado se manter afastado dos holofotes nos últimos tempos. O ardil deu seu resultado, contudo, seu nome voltou à tona em meio às investigações sobre a intentona golpista de 8 de janeiro, com revelações sobre visitas de autoridades políticas e militares à sua residência em dezembro de 2022, período magno na trama que visava impedir a posse do presidente Lula. É o que narram Fabio Victor e Cézar Feitoza em excelente matéria da Folha de 9 de março.

Mensagens e Rumores: A Visita de Tomás Paiva

Entre os elementos que embasam o relatório da Operação Tempus Veritatis, da Polícia Federal, está uma mensagem do general Walter Braga Netto, ex-candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro, criticando o general Tomás Ribeiro Paiva, atual comandante do Exército, por uma visita a Villas Bôas em 16 de dezembro de 2022. A mensagem, cujo teor foi confirmado por Braga Netto, sugere que Tomás teria ido pressionar Villas Bôas e sua esposa a não aderirem a conspirações golpistas.

Na época, circularam rumores em grupos bolsonaristas de que a visita de Tomás tinha esse objetivo. Vídeos da esposa de Villas Bôas, Cida, no acampamento golpista em frente ao quartel-general do Exército em Brasília, alimentaram ainda mais a narrativa de que o casal estaria envolvido em articulações golpistas.

Tanto Tomás quanto Villas Bôas negaram veementemente essa versão. Em um áudio vazado, Tomás classificou a história como “uma mentira sórdida”, ressaltando sua relação de longa data com Villas Bôas, que foi seu instrutor na Academia Militar das Agulhas Negras.

Bolsonaro Busca Bênção ao Golpe: Consultas ao Ex-Comandante

No mesmo período turbulento, o então presidente Jair Bolsonaro e Braga Netto também visitaram Villas Bôas em pelo menos duas ocasiões: uma em 7 de dezembro, poucas horas antes da reunião em que, segundo a PF, Bolsonaro apresentou uma minuta golpista aos comandantes militares, e outra em 20 de dezembro, esta portanto com o presidente eleito já devidamente diplomado.

Militares próximos a Bolsonaro afirmam que o ex-presidente buscava consultar Villas Bôas sobre a conjuntura política da transição e, possivelmente, obter uma espécie de “bênção” para seus planos golpistas. O general Sergio Etchegoyen, amigo de infância de Villas Bôas, refuta essa versão e critica a difusão de informações que colocam em xeque a postura do ex-comandante, que sofre de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e se encontra em estado de saúde debilitado.

O Silêncio de Villas Bôas e o Legado da Politização

Villas Bôas, que foi um dos principais atores na politização do Exército durante o governo Temer e Bolsonaro, tem se mantido em silêncio sobre os acontecimentos recentes. Procurado pelos repórteres citados, o ex-comandante se reservou o direito de não responder às perguntas.

Seus últimos pronunciamentos políticos nas redes sociais datam de novembro de 2022, quando endossou a nota dos comandantes militares em apoio aos acampamentos golpistas e defendeu generais tidos como traidores por bolsonaristas. Desde então, Villas Bôas tem se dedicado à produção de artigos para a revista Oeste, com foco em temas como a Amazônia.

O silêncio de Villas Bôas contrasta com a turbulência política que o Brasil atravessa. As investigações sobre o 8 de janeiro e o papel das Forças Armadas nesse episódio lançam luz sobre o legado da politização do Exército, um processo no qual o ex-comandante teve papel fundamental.

Villas Bôas: Golpista de antanho

Em setembro de 2017, o então General Hamilton Mourão, eleito no ano seguinte como vice de Jair Bolsonaro, causou grande controvérsia ao responder a uma pergunta sobre a possibilidade de um golpe militar no Brasil. Questionado se o Exército interviria caso o Poder Judiciário não resolvesse a questão da corrupção, Mourão afirmou que “as Forças Armadas, como última instância, quando a coisa chegar a um limite, e o limite é o caos, elas podem ter que impor uma solução”.

A ameaça velada de golpe contida nessa declaração naturalmente gerou forte reação de diversos setores da sociedade. Afinal, a fala de Mourão foi um ataque direto à democracia e ao Estado de Direito, já que a função das Forças Armadas não é intervir em assuntos políticos.

Pouco depois, em entrevista ao programa “Conversa com Bial”, o General Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército Brasileiro, saiu em defesa do General Hamilton Mourão, minimizando as declarações polêmicas, ofensivas e autoritárias de Mourão, atribuindo-as ao seu jeito “gaúcho” caracterizado, segundo ele, pela franqueza e pelo uso de expressões que podem soar mais duras do que o pretendido.

Villas Bôas dobra a aposta golpista

Em abril de 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) se preparava para julgar um habeas corpus preventivo impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, que na época estava preso em Curitiba. A votação era crucial, pois poderia determinar a soltura de Lula e ter impacto significativo no cenário político nacional, já que o ex-presidente era o favorito nas pesquisas para as eleições presidenciais daquele ano.

Na véspera do julgamento, o General Eduardo Villas Bôas, então comandante do Exército, publicou um tuíte que gerou grande repercussão e foi interpretado como uma forma clara de pressão sobre o STF. No tuíte, Villas Bôas afirmava que o Exército Brasileiro “repudia a impunidade” e que “compartilha o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição”. A mensagem, apesar de não mencionar diretamente o julgamento de Lula, era sim uma ameaça direta, uma espécie de “tanque na frente do STF”.

Fato é que no dia seguinte, valendo-se de uma piroctecnia que despreza a lógica elementar, no caso do voto de Rosa Weber (que justificou seu voto contra o Habeas Corpus por acompanhar a colegialidade, sendo que a colegialidade foi atingida exatamente pelo seu voto), o STF julgou o habeas corpus e, por 6 votos a 5, decidiu negar o pedido da defesa de Lula, mantendo o ex-presidente preso e assim alijado do processo eleitoral, o que foi decisivo para a vitória de Jair Bolsonaro, amigo do General. O episódio evidenciou a politização das Forças Armadas e, com ela, o risco de um retrocesso democrático no Brasil.

O casamento hétero entre um General e um capitão

A proximidade entre o General Eduardo Villas Bôas e Jair Bolsonaro foi um fator determinante para a ascensão do ex-presidente ao poder. Como comandante do Exército, Villas Bôas gozava de grande prestígio dentro das Forças Armadas e sua postura favorável a Bolsonaro angariou apoio militar para o então candidato.

Essa proximidade se manifestou de diversas formas, desde elogios públicos de Bolsonaro a Villas Bôas até a participação do general em eventos de campanha do ex-presidente. Após a eleição de Bolsonaro, Villas Bôas foi nomeado assessor especial do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), cargo que ocupou até o final do governo, em 2022.

Subtextos e Murmúrios: O Silêncio ao modo da máfia

Em 15 de novembro de 2018, durante um evento no Clube Naval de Brasília, o então presidente eleito Jair Bolsonaro fez um discurso no qual agradeceu o apoio do General Eduardo Villas Bôas, que na época era comandante do Exército. Em determinado momento, Bolsonaro se dirigiu diretamente a Villas Bôas e disse: “General Villas Bôas, o que nós conversamos, o que acertamos, fica entre nós. Está acertado, general?”.

A frase gerou grande repercussão e foi interpretada como uma sugestão de que Bolsonaro e Villas Bôas haviam feito algum tipo de acordo secreto, o que levantou preocupações sobre a possibilidade de interferência militar no governo. A declaração também foi vista como uma afronta à transparência e à democracia, uma vez que o presidente eleito parecia sugerir que assuntos de interesse público poderiam ter sido tratados de forma sigilosa.

A sociedade reagiu com críticas e questionamentos. Setores da imprensa e da oposição exigiram explicações sobre o teor da conversa entre Bolsonaro e Villas Bôas, mas ambos se mantiveram em silêncio. O episódio contribuiu para aumentar a desconfiança em relação ao governo Bolsonaro e à sua ligação com as Forças Armadas.

E essa declaração ocorreu em um contexto de forte politização das Forças Armadas e de acenos de Bolsonaro a um passado autoritário. Durante a campanha eleitoral, Bolsonaro havia defendido a ditadura militar e prometido um governo de “mão forte”. A frase sobre o acordo secreto com Villas Bôas, portanto, foi lida como a confirmação de que Bolsonaro pretendia governar de forma autoritária e com o apoio dos militares.

Reflexões impertinentes

A figura de Villas Bôas permanece envolta em mistério e controvérsia. Seu envolvimento na politização do Exército, seu papel durante todo o período e as recentes revelações sobre as visitas em dezembro de 2022 desvelam sua postura e seu papel na intentona golpista.

Independentemente do silêncio de Villas Bôas, as investigações sobre o 8 de janeiro e seus desdobramentos certamente trarão à tona novos elementos que ajudarão a elucidar o papel do ex-comandante e das Forças Armadas nesse episódio lamentável da história brasileira, que clama pela ação das instituições, no limite da lei, com o devido processo legal, mas desta vez: sem anistia!

Fontes:

Reportagem “Visitas de Bolsonaro e Tomás a Villas Bôas em mês turbulento põem ex-comandante de volta à cena”, Folha de S.Paulo, 9 de fevereiro de 2024.

Livro de memórias de Eduardo Villas Bôas, “General Villas Bôas: Conversa com o Comandante”.

Sálvio Kotter passou por formações bem variadas, como Administração de Empresas, Música Erudida, Grego Antigo e Latim. Publicou vários livros, de ficção e não-ficção e é editor da Kotter Editorial, especializada em literatura, filosofia e política.

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected]. O artigo será publicado se atender aos critérios do Jornal GGN.

Salvio Kotter

Salvio Kotter passou por formações bem variadas, como Administração de Empresas, Música Erudita, Grego Antigo e Latim. Publicou vários livros, de ficção e não-ficção e é editor da Kotter Editorial, especializada em literatura, filosofia e política.

5 Comentários

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  1. O general Villas Boas, tem quê mudar de cadeira, e ir para a Cadeia que e o lugar de fascista golpista, humanidade da minha parte, com relação a qualquer um que queira acabar com minha liberdade democrática, NUNCA haverá.
    Portanto, esse general miliciano tem que mudar de conforto.

    1. Com certeza. E o que se observa é que ele foi esteio da criação do Bolsonaro, eleição, manutenção no cargo e no golpe, para sua eternização no cargo. A doença degenerativa não o isenta de ser condenado pelos crimes que cometeu contra a democracia brasileira.

  2. É uma afronta ao Brasil! Um militar de grande carreira! Condecorado, servidor da pátria ser colocado no mesmo grau de bandidos, traficantes, pedófilos e assassinos! Ter opinião não é crime!

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