Por um Brasil justo, democrático e soberano: vamos virar o jogo!, por Edmundo de Moraes

Didi e a nova saída

Por um Brasil justo, democrático e soberano: vamos virar o jogo!

por Edmundo de Moraes

Diante da atual situação do nosso país, eu sinto uma sensação de estar perdendo o jogo. Entretanto, a partir da minha visão de mundo, eu entendo que nada está decidido e, portanto, é possível virar o jogo. Nisso o futebol pode nos ensinar alguma coisa.

Introduzido no Brasil como um esporte de elite, o futebol se popularizou graças ao seu caráter agregador, não excludente, e pelas facilidades da sua prática. O futebol pode ser praticado sem a necessidade de equipamentos ou acessórios especiais e pode ser jogado em qualquer lugar, desde que haja um mínimo de espaço. Na minha infância, quando não havia bola de borracha ou de couro, fazíamos uma bola de meia. Quando não havia campo, jogávamos na rua. Pelas suas características, a prática do futebol permitia e incentivava a improvisação. Os adultos formavam os times que geralmente viravam clubes, verdadeiros polos de atividades sociais.

O futebol como esporte se enraizou na nossa cultura: ele se desenvolveu graças ao nosso modo de ser e, ao mesmo tempo, o nosso modo de ser incorporou experiências vindas da prática do futebol. A exploração econômica e política do futebol profissional distorceu a essência de um esporte que pode ser identificado com a agregação, solidariedade e inclusão.

Fazendo uma analogia com a situação atual do nosso país, eu considero que nós, comprometidos com a construção de uma nação justa, democrática e soberana, estamos perdendo o jogo. Não é justa uma nação onde se tira da população para alimentar os rendimentos do mercado financeiro e satisfazer os interesses dos grandes grupos econômicos. Não é democrática uma nação onde direitos básicos do cidadão são desrespeitados, onde os poderes da República são exercidos em detrimento da vontade e dos interesses da maioria da sua população. Não é soberana uma nação que se submete aos interesses políticos, econômicos e geopolíticos de outras nações e entrega o seu patrimônio a grandes grupos internacionais. Entretanto, penso que o jogo ainda não está decidido, pois a situação atual do nosso país é insustentável por se apoiar em um processo desagregador e destrutivo.

Na final da copa do mundo de 1958, que se tornou a primeira grande conquista do futebol brasileiro, talvez a mais brilhante delas, o Brasil começou perdendo o jogo. Mas, quando a Suécia fez um a zero logo no início do jogo, o mestre Didi foi até a área brasileira, pegou a bola e a levou para o centro do campo. Considero antológica a imagem de Didi carregando a bola em uma das mãos, seguido por alguns jogadores, dirigindo-se ao centro do campo e soltando a bola no círculo central, como a dizer: “ Taí a bola! Vamos dar a nova saída! Vamos virar o jogo! ”. E o time brasileiro virou o jogo de forma exemplar! Foi a expressão da genialidade individual colocada a serviço do esforço coletivo. Assim, nós também podemos dar nova saída e virar o nosso jogo.

Para virar o jogo, precisamos antes de mais nada saber o que está em disputa. E o que está em disputa é o modelo de nação que queremos para nós e para as futuras gerações.  

Para virar o jogo, precisamos entrar no jogo. Isso parece óbvio, mas muita gente ainda não percebeu a essência e as consequências desse jogo. O que temos não é a passividade do brasileiro, como nos querem fazer crer aqueles que estão ganhando o jogo. O que temos é uma população despolitizada, resultado de um processo educativo a serviço da manutenção do modelo de sociedade vigente. Como consequência, a política sempre foi considerada pela maioria da nossa população como sendo coisa dos políticos e assim a população fica alheia aos processos de decisões, que é a essência da política. A tal passividade do brasileiro foi desmitificada na campanha das Diretas: diante de uma pauta objetiva e construtiva, as pessoas se mobilizam.

Para virar o jogo, precisamos identificar o nosso adversário. Lembro-me de uma história que o João Bosco contava nas suas apresentações nos anos setenta. Creio que o texto era do Aldir Blanc. Contava ele que quando os espanhóis invadiram a América trouxeram com eles o cavalo, que não existia no nosso continente. Os nativos não distinguiam o cavalo do cavaleiro e atacavam o cavalo pensando que estavam atacando o inimigo. Muita gente continua fazendo a mesma coisa ao personificar os nossos adversários, achando, por exemplo, que o responsável pelo golpe foi o presidente da Câmara, que o responsável pela situação atual é o Presidente da República e etc. Não podemos continuar atacando o cavalo pensando que estamos atacando o inimigo…

Se estamos no jogo por uma nação justa, democrática e soberana, o nosso adversário é todo o conjunto de forças sociais que se beneficiam de uma nação injusta, autoritária e submissa. Foram essas forças que conduziram o nosso país à situação atual. Foram essas forças que usaram como instrumentos pessoas e instituições para atingir o objetivo de implementar medidas que as beneficiam, em detrimento da vontade e das necessidades da maioria da população brasileira. Aí está o verdadeiro golpe: o impeachment foi um instrumento do golpe, não foi o golpe em si.

Para virar o jogo, precisamos estabelecer estratégias e táticas que nos levem à vitória. Isso significa tornar claras as nossas prioridades e os meios de realiza-las. Aqui, viabilidade é uma palavra chave. Propostas maravilhosas, mas inviáveis, tornam-se pouco efetivas. Corre-se o risco de fortalecer o nosso adversário. Querer mudanças imediatas, sem grandes esforços, é um sintoma de imaturidade. Esperar que as mudanças que desejamos venham das pessoas que hoje detêm os poderes da República, e que estão alinhadas com os nossos adversários, é um sintoma de ingenuidade.

As estratégias para virar o jogo passam pela aglutinação de forças sociais que se contraponham àquelas que se beneficiam da atual situação do nosso país. A proposta de construção de uma nação justa, democrática e soberana pode ser o polo atrativo para essa unificação. Trata-se de uma proposta objetiva e construtiva. Neste momento, em que um modelo de nação está sendo implantado à revelia dos interesses e das necessidades da maioria da nossa população, mediante um processo essencialmente desagregador e destrutivo, temos que nos defender com a agregação das nossas forças e contra-atacar com propostas construtivas.

O que temos de concreto no nosso horizonte são as eleições do próximo ano. A construção de uma nação democrática deverá passar necessariamente por uma reforma política, inviável de ser realizada a contento de imediato diante do quadro atual do nosso país. Qualquer mudança vinda do atual Congresso irá refletir os interesses da sua atual composição. Assim, temos que nos preparar para intervir nas próximas eleições de modo que os seus resultados permitam o avanço da proposta de construção de uma nação justa, democrática e soberana. As eleições devem ser consideras como um meio e não um fim em si própria.

Devemos buscar candidatos comprometidos com a construção de uma nação justa, democrática e soberana na sua história e prática de vida, para todos os níveis das eleições. Não podemos nos restringir somente à figura do Presidente da República. Nossa história recente mostra a importância do Vice-Presidente e obviamente do Congresso Nacional. O atual momento do jogo não permite posturas de marcar posição partidária e deixar as alianças para o segundo turno. Se quisermos realmente virar o jogo, precisamos aglutinar as nossas forças desde agora.

A preparação da nossa intervenção nas próximas eleições e a campanha propriamente dita devem ser vistas a partir da perspectiva da Educação Política, necessidade básica da nossa população. Aqui, organizações, partidos políticos, movimentos sociais e outras entidades têm um papel central no processo de aglutinação de forças capazes de virar o jogo, lançando mão de toda a nossa criatividade. Lembro o carnaval do passado: se não temos condições para competir em luxo podemos ganhar na originalidade.

A exemplo do futebol, o nosso jogo é coletivo, mas depende de jogadas individuais. No sentido mais amplo do processo educativo, todas as relações humanas podem ser consideradas educativas e, portanto, somos todos educadores. Isso significa incorporar no nosso dia a dia, em todas as nossas atividades, o compromisso com a construção de uma nação justa, democrática e soberana. A bola está no centro do campo. Vamos dar uma nova saída! Vamos virar o jogo!

Redação

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador