Toda a paz do universo, por Reynaldo Aragon Gonçalves

Reflexão sobre o ataque a deputada Estadual do RJ, Marina do MST em Lumiar, Nova Friburgo RJ.

Toda a paz do universo

por Reynaldo Aragon Gonçalves

Terra nativa dos índios Puris, Nova Friburgo RJ é uma das mais belas regiões da serra fluminense, cercada pela mata consideravelmente bem preservada, a cidade se tornou um polo da indústria têxtil, do ecoturismo, da gastronomia e também da pequena agricultura familiar. A agricultura orgânica vem ganhando destaque no município, sendo um dos principais produtores de hortaliças do Estado do Rio de Janeiro. O sucesso da produção agrícola em Nova Friburgo é a agricultura familiar, pequenas propriedades de terra que produzem, entre outros tipos de cultura, hortaliças de qualidade para todo o Estado. Diferente da agroindústria, pequenas propriedades agrícolas, onde na maior parte das vezes quem trabalha a terra são os membros da família, oferecem melhores condições para um cultivo de melhor qualidade e dentro de um processo mais humanizado de trabalho. Porém para entender melhor a história de Nova Friburgo precisamos voltar um pouquinho no tempo, mais especificamente para 1818.

No período até o início do século XIX, a região era habitada pela etnia Puri que vivia em torno de toda bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, neste período utilizavam a região como campo de caça e de extração de recursos naturais. Em 1818, o imperador Dom João VI concedeu terras para os colonos suíços, como no caso da minha família, que se estabeleceram na região, com a intenção de estimular a agricultura e a produção de bens de consumo locais. Essas doações de terras permitiram que os imigrantes suíços estabelecessem suas propriedades e iniciassem a produção agrícola. A doação de terras por parte do império permitiu que imigrantes pobres, famílias sem terras no seu país de origem e que fugiam da fome causada pelos conflitos napoleônicos na região, ocorridos nas últimas décadas do século XIII, incluindo a região Suíça de Friburgo, demonstram a importância do papel do Estado nacional em oferecer à sociedade condições de produzir e ter uma vida digna. A história da fundação de Nova Friburgo é muito bonita e rica, sendo fundamental para a compreensão da própria fundação histórica do Brasil e sua brasilidade multiétnica. Porém, na fundação da cidade de Nova Friburgo e na construção de sua cultura devemos tirar uma lição muito importante para compreender não o Brasil do século XIX, mas o Brasil atual.

Não existem latifúndios agrícolas na região de Nova Friburgo, não há agroindústria ou similares na região, a agricultura familiar é caracterizada pela produção em pequenas propriedades, geralmente administradas por uma única família ou algumas famílias. A terra é utilizada tanto para moradia quanto para produção de alimentos e produtos agrícolas. Nova Friburgo está inserida dentro da Área de Proteção Ambiental de Macaé de Cima, desta forma e em conjunto com a agricultura familiar, cumprindo seu papel também como uma região de grande potencial para o ecoturismo. A configuração socioeconômica atual de Nova Friburgo é reflexo da política de Estado que em 1818 doou terras para famílias pobres que não tinham onde produzir e que fugiam da miséria em seus países de origem. Em nosso caso, a realidade objetiva nos oferece um paralelo muito significativo com um dos grandes debates nacionais que é a reforma agrária.

Em Novas Friburgo não há latifúndios, todas propriedades são pequenas e médias, segundo critérios de classificação de propriedades rurais do INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), e também não há terras improdutivas em nossa região. Ou seja, Nova Friburgo constitucionalmente não poderia fazer parte da reforma agrária, de desapropriação de terras ou ocupações. Diferente do que foi aventado através de desinformação sistemática e produção criminosa de fake news, o Movimento dos Sem Terras não têm interesses na região pela lógica da ocupação de terras para desapropriação. O exemplo de sucesso que Nova Friburgo tem a oferecer ao Brasil e compreensão dos nossos problemas atuais é a prova inconteste da importância de políticas públicas voltadas à agricultura familiar e da importância, assim como em 1818, do Estado oferecer condições para famílias pobres poderem produzir e se desenvolverem.

Este longo preâmbulo sobre a história da nossa querida Nova Friburgo me permite tocar em um assunto que é de grande importância não somente para o povo da região, mas um problema que aflige o mundo de forma geral e que é reflexo do que convencionamos chamar de sociedade 4.0. A última década chamou a atenção para cientistas, governos e instituições para o problema da desinformação e seus derivados como negacionismo científico, engajamento de fake news, revisionismos etc. processos estes que foi “batizado” por instituições como OMS, UNESCO, ONU, FIOCRUZ como sendo uma infodemia. Uma verdadeira epidemia de más práticas informacionais que tem como objetivo a promoção da dissonância cognitiva, conceito que você pode aprofundar aqui.

No dia 12 de agosto aconteceu um movimento de repúdio no distrito de Lumiar contra a plenária de prestação de contas da deputada estadual Marina do MST, o movimento foi motivado pelo engajamento de uma fake news promovida por um vereador da cidade de Nova Friburgo, José Carlos Schuab (PRTB), que no plenário da câmara municipal da cidade repudiou a visita da deputada, indagando os interesses do MST na região, desta forma incitando a população local a se manifestar contra a plenária. Como apoio de lideranças locais, organizaram o movimento com o intuito de não permitir que a plenária fosse realizada. O objetivo da plenária da deputada Marina era fazer a prestação de contas de seu mandato e conversar com a comunidade sobre ações de sucesso no campo da agricultura familiar que vêm sendo desenvolvidas em projetos ligados ao MST e outras instituições ligadas à agricultura familiar. Como sabemos, não existem latifúndios e terras improdutivas na região que poderiam ser alvo de reforma agrária.

O que se viu no dia da plenária foi um exemplo concreto das consequências de uma mentira que ganha força através de pessoas más intencionadas e utilizam de pessoas simples e trabalhadoras para ter ganhos políticos. Um exemplo triste de como a desinformação causa danos à comunidade, a saúde emocional e a convivência pacífica entre todos. Os distritos de Lumiar, São Pedro da Serra, Boa Esperança entre outros da região, são conhecidos pela natureza exuberante, o ecoturismo pujante e por ser um lugar de paz e boas vibrações. Não podemos deixar que a ganância e a irresponsabilidade de algumas pessoas, em nome de interesses não comunitários, mas em benefícios próprios, acabe com “Toda a paz do universo”, slogan de nossa querida São Pedro da Serra. Antes de me despedir deixo aqui uma brevíssima reflexão.

Se uma deputada federal, independente de que campo político ideológico seja, se oferece para conversar com a comunidade sobre projetos que em tese podem ser benéficos para toda a comunidade, existe motivo racional para rechaçar com violência essa pessoa sem conversar? Bom, me arrisco também a uma resposta! Sim existem motivos e o motivo são interesses próprios e não coletivos. 

Agradeço a querida amiga e companheira de Lutas, professora Nina Bretas que ama e conhece tudo sobre nossa querida região, pelo papo sempre esclarecedor.

Reynaldo Aragon Gonçalves é jornalista, coordenador executivo da Rede Conecta de Inteligência Artificial e Educação Científica e Midiática, secretário e fundador do Núcleo De Estudos Estratégicos em Comunicação e Cognição (NEECC) e pesquisador associado do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT-DSI) pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

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