Rui Daher
Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor
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Uma autocrítica de Rui Daher, por Nender, o tal

Berlusconi

Uma autocrítica de Rui Daher, por Nender, o tal

Você é mesmo o tal. Faço autocrítica e me penitencio pela revolta precipitada. Mas sou assim mesmo. Talvez, a idade e os quase 60 anos de militância na esquerda, a finitude presente e eu chegando ao fim. Abração.

Assim respondi ao comentário do leitor que se assina Nender, o tal, sobre meu texto de ontem “Eu voto no Coiso”. De rara clarividência, me permite reproduzi-lo hoje, já que foi postado de forma pública e, se poucos leem meus textos, imaginem as opiniões sobre eles. Vamos aos Telegramas de Pasárgada:

“Caro Rui, seu sentimento é inteligível. 

Desespero.

Mas como tal, é péssimo conselheiro.

A leitura do chamado “burro comum”, não aquele “burro da elite”, que você adjetivou em sua revolta, não está longe de alguma razão.

Aliás, desde já aviso: não se trata de burrice, mas de escolha, se mais ou menos voluntária, aí são outros quinhentos.

Talvez a burrice seja nossa, sim senhor, por não compreendermos que um país que construiu seus processos políticos em cima de tutelas autoritárias, e na periferia da periferia da periferia de um capitalismo que é, per si, excludente, não poderia gerar um ethos político e social distinto nas suas classes subalternas.

Não conclamo ao fatalismo. Porém, muito menos à tentação de chamá-los de burros.

Novamente alerto: o problema é nosso.

Veja por aqui:

Hoje, um dos maiores articulistas do país, Luís Nassif, nos escreve que o sistema se entrega a Bolsonaro.

Ai, meus Zeus:

O sistema não SE entrega ao coiso, ele NOS entregou o coiso como alternativa à sua demanda de manter tudo sob controle e sem chances de alternância, ainda que não haja em horizonte próximo (nem com Lula, nem com Haddad) qualquer mudança a caminho.

Mas eles sabem que tudo pode mudar (e vai mudar) em algum momento, e em momentos únicos da História.

Olha, é só lembrar 1917. Ninguém imaginava que aquele movimento quase espontâneo, de mães e veteranos de guerra pedindo mais pão ao Paizinho Nicolau, que os enxotou a bala, fosse desembocar na vitória bolchevique. Nem eles acreditavam, os que estavam soltos não estavam na Rússia e voltaram às pressas.

Então, o capital não brinca e não deixa margem.

Os instintos que afloraram nessa eleição já estão presentes nesse país há séculos. Nenhuma sociedade convive com índices tão alarmantes de toda sorte de violência (seja contra jovens pretos e pobres, seja contra mulheres, ou seja no trânsito) se não for igualmente violenta.

Olha só, amigo Rui, a Dilma concorre bovinamente à eleição em 2018, dois anos após ter sido esmagada por um golpe que anulou o resultado daquele que ganhou.

E em todas as análises que leio, incluindo a sua, tem um trecho dizendo que ela errou no seu segundo governo, quase a conclamar uma culpabilização dela, a vítima!

Pelo jeito, ela continua errando … o que fará como senadora de uma eleição dentro do golpe que a destituiu? 

Bem, primeiro ela vai legitimar aquele ato ilegítimo.

O que vem depois interessa? Bem, para mim não!

A pergunta é: e se acertasse, Dilma ficaria no cargo? E o que seria o certo de se fazer?

Responder tais perguntas talvez sirva para satisfazer nossas dúvidas sobre o futuro:

– Se acertar Haddad fica no cargo? E o que deve fazer para que aqueles que detêm o poder de derrubá-lo considerem que está acertando?

Por isso, Rui, por tanta precariedade nesse jogo onde a única regra é que sempre nos lascaremos, que não dá para diagnosticar os movimentos políticos da plebe como burrice.

É nada, é sobrevivência no fim das contas.

Seja nos EUA, que os Homer Simpson de lá foram com Trump, sejam os intelectualíssimos franceses que engoliram o blefe Macron, ou seja nos tradicionalíssimos italianos, atolados na lava jato deles, Berlusconis e Pepes cinco estrelas, desde que o PCI afundou a esquerda, é tudo uma questão de sobrevivência.

Ah, não esqueçamos dos irônicos ingleses e sua soberba imperial, que patinam em saídas autoritárias desde Miss Thatcher, com intervalo trágico no governo do cachorrinho de Bush Jr, Tony Blair.

Temo dizer que falhamos inexoravelmente em construirmos alternativas políticas ao prédio ideológico capitalista.

Em nenhum outro momento da História, as pessoas mais prejudicadas pelas desigualdades aderiram com tanta ênfase às ideias que sustentam esse sistema desigual!

Antes a alienação se dava, principalmente, como resultado do despossuimento do trabalhador do resultado de sua força de trabalho.

Agora, penso eu que a alienação é da condição de humanidade em si, ANTES MESMO DA CONDIÇÃO IMPOSTA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO, porque se o capital reproduz a si mesmo, e prescinde de outras formas orgânicas para acumular-se e concentrar-se, para que gente, enfim, para que sociedade nos moldes que conhecemos?

Esse é nosso desafio, essa é a nossa tarefa”.

https://www.youtube.com/watch?v=8GGeTmyYFLE]

[video:https://www.youtube.com/watch?v=rT2Kty-kc8U

 

Rui Daher

Rui Daher - administrador, consultor em desenvolvimento agrícola e escritor

8 Comentários

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  1. Alienação em vários niveis
    Na tv (pt é corrupto),
    na igreja (mais facil uma corda passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no reino do ceu),
    em casa (dos pais pros filhos),
    no trabalho (manda quem pode, obedece quem tem juizo)
    no circulo social (as tribos que rechaçam qualquer idéia diferente),
    na escola (não se ensina a pensar, apenas a repetir – e nem estou falando de escola sem partido).

    Talvez o coiso esteja certo e seja preciso uma guerra civil pra definir o futuro deste país

    Haddad insiste em conciliação, Manu clamou por notáveis pra pacificar o país, mas será que dá mesmo pra fazer acordo com a plutocracia golpista? Eu não acredito que seja possível

    1. Talvez o ponto seja esse

      Talvez o ponto seja esse mesmo.  O país quer uma guerra civil e o ínico candidato que não insiste nesse ilusão de pacificação é o Coiso, até pq, na verdade, nem está em campanha, por causa da facada. Vai daí que todo o resto está exposto e Bozo, protegido vendo o circo, incendiado pelo midiciário pegar fogo , o povo  jogando gasolina e candidatos tentando apagar o incêndio.  Tá bem chato!

  2. coloca um “hyperlink”…

    Há pessoas (como eu) que não leram o artigo do Rui.

    Poderiam colocar o texto “Eu voto no Coiso” em formato de hyperlink para facilitar acessá-lo apartir desta página.

    Obrigado.

  3. coexistência danosa…

    um país que quebra as suas próprias leis em prol do capitalismo, graças a merda de STF que temos,

    qualquer governo pode quebrá-lo facilmente e não precisa ser fascista

     

    acredito que a raiz da aceitação está na infecção generalizada do sistema, porque o sistema não podia ser entendido sem Bolsonaro

    1. Telegramas de Pasárgada.

      Caro amigo, tens em parte razão:

      – Não é possível explicar o “coiso” sem explicar antes o sistema que o pariu! 

      O coiso é cria, não o contrário, mas como toda cria, pode se apresentar como contradição insuperável ao criador.

      Por isso o capitalismo devora (todos) seus filhos (Medeia?), todos sem exceção.

      E aí, iludidos que somos imaginamos ter um destino diferente do “coiso”, e apelamos para um centro onde o monstro descanse após saciar sua fome.

      Engano, o capitalismo é mostro de apetite insaciável!

       

      – No outro ponto, discordamos:

      O Brasil não viola suas leis para agradar a banca. Nenhum país capitalista do mundo faz isso! Acreditar nisso é acreditar que algum sistema jurídico existe para confrontar ou minorar os efeitos do capitalismo sobre as pálidas estruturas nacionais!

      Ao contrário, tais sistemas são legislados para, justamente, conservar esse sistema e suas injustiças.

      O maior ou menor grau de injustiça desses sistemas sobre os que nada têm está vinculado ao grau de desigualdade que subjuga esses despossuídos.

      Mas seja nos EUA, na Europa ou na periferia conhecida como AMÉRICA LATRINA, os despossuídos são e serão vítimas da aplicação injusta das leis e do funcionamento classista dos sistemas judiciários, que são por natureza classistas e injustos!!!!

      1. meu caro amigo…

        quanto ao segundo ponto, recomendo que aguarde mais um pouco, como vou fazer, para confirmar ou não, caso o fascismo seja mesmo implantado, que atuam da forma que você colocou, mas só para que fique a impressão de que a nascedouro ou ninhário do fascismo sempre esteve na classe mais desassistida pelo estado

        particularmente acredito que, para o caso do Brasil, não é isso, mas, concordo que em outros países tenha acontecido dessa forma

         

        o fascismo brasileiro será único e ridicularizado pelo mundo inteiro por representar um controle total e violento das pessoas, mas escolhendo a quem, ou seja, sem ir  com a sua violência da pessoa mais poderosa que antes existia à mais insignificante que sempre existiu exatamente por isso

        não é por acaso que está sendo apoiado pelas pessoas que não tem, mas querem ter os mesmos privilégios indevidos garantidos pelo estado

        será uma piada, um engodo fascista, caso “elimine” apenas os insignificantes

        mas aguardemos para ver se serão conservados ou não e quais, conforme você colocou

  4. AUTOCRITICA DO RUI

    Boa noite a todos e todas 

    Um abraço ao Rui

    Tenho 55 anos e desde os 18 voto e apoio a esquerda.

    Com essa idade, por um descuido da  razão crítica, muitas vezes pensei que certas barbáries estavam superadas para sempre. Então eu dizia aos conhecidos mais jovens “O país melhorou muito”. Só que não. Referindo-se à Rússia, o grande Tolstoi afirmou em um texto: “quarenta décadas de chicote não desaparecem de uma hora para outra”. O mesmo cabe ao nosso país. A reprodução da tela de Caravaggio, que ilustra o texto do Nender,  é preciosa. Se olharmos para nossa sociedade, o que vemos são relações autoritárias que perpassam todas as classes sociais, especialmente a classe média e as elites que apoiam o esfaqueado, com exceção de uma minoria.

    Nossa surpresa com o abismo no qual podemos mergulhar é um pouco o esquecimento dessa violência, rascimo, privilêgios para uma elite, etc. Durante os anos do “milagrinho” dos governos de Lula, esse câncer ficou adormecido. Com a crise, despertou. Nossa chamada democracia é um brotinho frágil, que a qualquer momento pode ser esmagado por um coturno ou uma toga, com o apoio de grande parcela da população, sobretudo da classe média. Não foi assim com a ditadura de 1964?

    Apesar de tudo, o jogo é jogado e não estamos e jamais seremos vencidos, pois nossas ideias não podem ser destruídas já que celebram a  vida, a igualdade e a liberdade.

    Força e vamos à luta.

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