Ser rico não é pecado, mas tem que pagar imposto!, por José Luís Oreiro e Luiz Fernando de Paula

Somos o sétimo país mais desigual do mundo - atrás apenas da África do Sul, Namíbia, Zâmbia, Rep. Centro-Africana, Lesoto e Moçambique.

Marcello Casal – Agência Brasil

Ser rico não é pecado, mas tem que pagar imposto!

por José Luís Oreiro e Luiz Fernando de Paula

Em artigo publicado na Folha em 03/09/2023, “Ser rico não é pecado”, João Camargo, Presidente do Conselho da Esfera Brasil, sustenta que a taxação dos chamados “fundos exclusivos”, que aplicam seus recursos (para clientes de alta renda) em fundos offshores localizados em geral em paraísos fiscais no exterior, não só é ineficaz como compromete a capacidade do empreendedor brasileiro, gerando menor crescimento econômico. 

O governo federal estima um montante de mais de R$ 1 trilhão aplicado nesses fundos, que praticamente não sofrem tributação, pois os rendimentos são mantidos por anos no exterior e só pagam imposto quando entram no Brasil. O projeto de lei encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional estabelece uma alíquota de 15% do IRPF para renda entre R$ 6 mil e R$ 50 mil por ano, e 22,5% para renda superior a R$ 50 mil, a mesma alíquota máxima aplicada em aplicações financeiras de curso prazo no Brasil.

João Camargo sustenta que num mundo globalizado, a experiência mundial mostra que o rico consegue alocar seu dinheiro em lugares mais atrativos de forma quase instantânea, o que acaba resultando em queda da arrecadação e piora nos indicadores sociais, uma vez que desestimula o investimento que gera riqueza, inovação e emprego. Do ponto de vista moral não se deve penalizar o “protagonista de uma jornada de sucesso”.

O Brasil, como se sabe, é um dos países mais desiguais no mundo. Segundo relatório da PNUD/ONU de 2019, somos o sétimo país mais desigual do mundo – atrás apenas da África do Sul, Namíbia, Zâmbia, República Centro-Africana, Lesoto e Moçambique.

Um dos fatores que contribui para isso é a alta regressividade da estrutura tributária brasileira, uma vez que os super-ricos são aqueles que pagam relativamente menos impostos, em função de várias isenções fiscais. De fato, a maior parte da renda dos muito ricos não está sujeita ao IRPF, beneficiados pela isenção sobre lucros e dividendos distribuídos e alíquotas mais baixas de tributação exclusiva sobre rendimentos financeiros.

Portanto, nossa primeira observação ao referido artigo é que o Brasil, na comparação internacional, é um ponto fora da curva em termos da regressividade de sua estrutura tributária. Nada mais natural que o governo acabe com um privilégio injustificável, criando um “come-cotas’ sobre os fundos exclusivos tal como todos os demais fundos de investimentos no país.

Do ponto de vista moral, é imperativo que os super-ricos passem a pagar mais impostos como proporção de sua renda em relação aqueles pagos pela classe média, dando assim sua justa contribuição para o bem-estar da sociedade brasileira, tal como fazem na maioria dos países. Ser rico não é pecado, mas tem que pagar imposto!

A segunda observação é relativa à argumentação supostamente técnica do autor de que a experiência internacional mostra a ineficácia da taxação de fortunas. Aqui claramente há uma confusão em relação ao imposto sobre rendimentos dos fundos off-shore (uma variável de fluxo)  com a proposta de criação de imposto sobre grandes fortunas (uma variável de estoque). Como se diz popularmente, troca-se alhos por bugalhos!

Por fim, gostaríamos de fazer algumas considerações sobre desigualdade de renda e crescimento econômico. É conhecida a frase atribuída ao Ministro Delfim Netto (ele nega a autoria) de que “é preciso fazer o bolo crescer para depois distribuir”. Dessa forma, o efeito colateral de um maior dinamismo econômico seria precisamente uma maior desigualdade na distribuição de renda.

Numa amostra de 87 países para o período 1970-2008, Jayme Ros, em seu livro publicado pela Oxford University Press, “Rethinking Economic Development, Growth and Institutions”, encontrou uma relação inversa entre crescimento do PIB per-capita e o índice de Gini de concentração de renda, controlando para uma série de variáveis institucionais e geográficas. Ou seja, países com maior desigualdade na distribuição de renda são precisamente os países que crescem menos.

Dessa forma, podemos concluir que a justiça social não é apenas um imperativo moral e ético, mas também uma política sensata para estimular o crescimento econômico.


José Luís Oreiro – Professor de Economia da FACE/UnB e Coordenador do Structuralist Development Macroeconomics Group (SDMG).

Luiz Fernando de Paula – Professor de Economia do IE/UFRJ, Coordenador do GEEP/IESP-UERJ e Vice-Coordenador do SDMG.

Redação

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