Com prisão de Brennand, novas luzes para o crime de Serrambi, por Luís Nassif

Teria Brennand ligações com um crime de 20 anos, contra duas jovens assassinadas brutalmente após resistirem à tentativas de estupro?

Peça 1 – o assassinato de duas jovens

No feriadão do Dia do Trabalho de 2003, duas jovens de Recife, Maria Eduarda Dourado e Tarsila Gusmão, aceitaram o convite de um amigo, Tiago Alencar Carneiro da Silva, para se hospedar em sua casa, na praia de Serrambi. A 200 metros dali havia a casa da família de Thiago Antônio Fernandes Vieira, companheiro de turma e filho do dono dos dois maiores hospitais de Recife. Era um grupo de jovens filhos das famílias mais ricas de Pernambuco.

Uma parte dos amigos decidiu ir de lancha até o Pontal de Maracaípe. As meninas foram. De lá resolveram caminhar a pé até o porto de Galinhas. Quando voltaram, a lancha já havia ido embora. Telefonaram então para o dono da casa, Tiago Carneiro.

Desapareceram. Os corpos foram encontrados pelo próprio pai de uma delas que, com seus colegas de motocross, decidiu pesquisar a região.

Logo em seguida, foram presos dois irmãos kombeiros (termo para os donos de kombi que fazem transporte informal na região). A acusação do Ministério Público de Pernambuco se baseou no depoimento da testemunha-chave, Regivania Maria da Silva, que atestou ter visto as jovens entrando em uma kombi com para-choque verde. Regivania teria reconhecido Valfrido como o carona do veículo.

Peça 2 –  o questionamento do Ministério Público

A investigação chamou a atenção do promotor Miguel Salles, de Ipojuca. Antes mesmo dos corpos serem encontrados, a Secretaria de Polícia Civil já havia aberto um inquérito para investigar um duplo homicídio. Primeira dúvida: como sabia que estavam mortas se os corpos sequer tinham sido encontrados?

A testemunha Regivania afirmou que os irmãos mataram as moças e foram a uma festa em Altinho, no agreste pernambucano. Os irmãos sustentaram que a festa mencionada havia acontecido uma semana antes do crime, em 26 de abril.

Peritos constataram a riqueza de detalhes do depoimento de Regivania, com informações disponíveis apenas no inquérito. Já peritos que investigaram o caso atestam ter sido impossível à testemunha apresentar os detalhes que apresentou. O local narrado estava escuro e a testemunha estava a pelo menos 30 metros do local mencionado. Ou testemunhou ou foi orientada pela polícia.

O promotor Salles suspeitava que ela tivesse recebido dinheiro para depor contra os irmãos. Chegou a ir atrás de Regivania. Apresentou fotos dos dois irmãos, disse-lhes que estavam sendo presas por culpa exclusiva dela e indagou o quanto o GOE (Grupo de Operações Especiais) havia lhe pago.

Quando o crime completou trës anos, o Ministério Público Estadual pediu novas investigações, a reação do Chefe da Polícia Anibal Moura foi grosseira: “ Eu considero o pedido de novas investigações uma palhaçada, patrocinada pelo promotor de Ipojuca, Miguel Sales, e pelo procurador-geral, Francisco Sales”. O promotor solicitou 12 diligências complementares.

Indagado sobre qual seria sua reação ao receber a notificação judicial, ironizou: “Sem querer ser cômico, porque o caso é trágico: ainda não fui comunicado oficialmente e quando for, vou ter que enviar ofício para a Nasa, a CIA e o FBI”. Os dois procuradores não quiseram entrar na baixaria. Alegaram que seria desviar o assunto do tema principal.

A Polícia Federal foi convocada para conduzir as investigações e também apontou os dois irmãos como suspeitos. Ocorreu novo julgamento em 3 de setembro de 2010 com outro promotor, Salomão Abdo Aziz, que não poupou críticas a seu colega Salles. Foi um julgamento tumultuado, nos quais apoiadores dos irmãos taxaram o pai de uma das vítimas de “assassino”. A acusação levantou vários pontos contra os irmãos.

Os kombeiros foram absolvidos por 4 votos a 3. E aconteceu na própria Ipojuca, cidade no agreste pernambucano, com quase 100 mil habitantes.

Segundo o Jornal do Comércio, o advogado de defesa Jorge Wellington conseguiu convencer os acusados que o depoimento de Regivania era frágil e que as diversas perícias realizadas foram unânimes em afirmar que as evidências não levaram ao indiciamento dos kombeiros. E homenageou o já promotor aposentado Miguel Sales, que acabou virando réu no julgamento: “Dedico essa vitória aos kombeiros e ao dileto professor Miguel Salles”.

Nos 20 anos do crime, o SBT preparou um especial, onde um dos irmãos deu sua versão. A polícia foi até sua casa, levou os dois irmãos até o local do crime e teriam colocado na kombi  um pedaço de nylon, uma embalagem de bombom e um barbeador e tiraram fotos.

Era uma manipulação grosseira, porque as primeiras fotos tiradas pela polícia não se viam tais objetos.

Espalharam-se as suspeitas sobre pessoas influentes envolvidas no crime 

O nome de Thiago Carneiro, o dono da casa, aparece na reportagem Linha Direta, de Domingos Meirelles.

Procurado pela reportagem, recusou-se a gravar entrevista. Assim como o delegado Aníbal Moura. Tiago admitiu que por volta das 10 da noite foi ao Porto de Galinhas atrás das duas moças. Alegou não ter encontrado ninguém voltado para a praia. Só 6 meses após o crime a casa de Tiago Carneiro foi periciada.

No dia 27 de junho de 2005, o promotor de Ipojuca, Miguel Salles, tentou trazer Tiago Carneiro para o processo. Não podia ir contra o relatório da Polícia Civil. Mas sustentou que, como a festa havia sido em sua casa, ela poderia ser acusado de fornecer bebida alcoólica a menor de idade. 

“Tiago era considerado o guardião das meninas. Ele não deveria ter sido omisso quando pediram ajuda para voltar para a casa dele”, declarou ele.

Peça 4 – os interesses envolvidos

Muitas peças ficaram faltando no xadrez da cobertura do crime. Ricardo Antunes, que tem um blog bem conceituado em Recife, aprofundou investigações sobre o caso, mas ainda não conseguiu chegar a uma conclusão.

A principal delas é que o delegado Aníbal Moura, que chegou a Secretário de Segurança do estado, tinha uma firma de segurança particular. E um de seus principais clientes era José Aécio Fernandes Vieira, pai de Thiago (o vizinho), proprietário de dois dos maiores hospitais do Recife, o Santa Joana e o Memorial São José.

Por outro lado, o ex-promotor Miguel Salles tinha pretensões políticas. Foi candidato a prefeito da cidade e, depois, a deputado estadual. Mas o carinho da população de Ipojuca em relação aos irmãos era um indicativo eloquente de sua boa reputação. 

Desde o início rumores começaram a apontar para Thiago Vieira (o vizinho do dono da casa), desde a adolescência conhecido pelos instintos selvagens. Thiago chegou a ser ouvido no inquérito, mas não se confirmou se participava ou não da festa.

Nos anos seguintes, seus instintos criminosos se desdobraram em vários episódios violentos. 15 anos atrás, a família resolveu desmembrar a fortuna, entregar a parte que cabia a Thiago e pedir medidas protetivas, proibindo qualquer contato dele com familiares. Ou seja, a própria família considerou Thiago uma ameaça real. Em e-mails enviados à mãe, chama-a de “figura abjeta”, “figura imunda”, “figura nojenta”.

Nenhum dos 35 primos têm qualquer contato com ele. Recentemente, sua irmã disse, em uma reportagem no Fantástico, que há 20 anos os irmãos cortaram qualquer contato com ele. 20 anos atrás houve o crime de Serrambi.

Em 2019, José Aécio Fernandes Vieira, 82, o pai, atualizou seu testamento e registrou, em cartório, o risco de ser morto por causas não naturais. Menciona diversos e-mails com ameaças, de autoria de seu filho Thiago.

Peça 5 – uma espoleta explode a bomba

Assim como a falsificação de certidões de vacina pode levar aos assassinos de Marielle Franco, foi um episódio quase banal que colocou foco em Thiago Vieira: a agressão a uma modelo, em uma academia para classe alta em São Paulo.

Aí fica-se sabendo que, em algum lugar do passado, Thiago desaparece. Troca de nome, segundo furo do jornalista Ricardo Antunes. Passa a utilizar o nome Thiago Brennand, valendo-se do sobrenome de sua mãe. E Thiago agride a modelo.

A partir daí, divulga-se o perfil de um criminoso.

Depois da denúncia da modelo, 15 mulheres se apresentam como vítimas de agressões sexuais, cárcere privado, maus tratos e lesão corporal.

Mais que isso: foi acusado de agredir o filho com máquinas de dar choque, um menor de idade. Atualmente é réu em oito processos e condenado à prisão em cinco. Nas investigações recentes, a polícia apreendeu 70 armas dele, em um clube de tiro em Atibaia.

Seu perfil casa-se, em muito, com os levantamentos da perícia, que constataram que as meninas reagiram contra o estupro e uma delas recebeu um tiro no hímen, demonstrando um ódio visceral de uma mente criminosa. Obviamente não basta se basear nas chamadas provas indiciárias (de indícios) para provar a culpa de alguém. Mas abre-se um caminho para aprofundar as investigações.

Em 2014, o ex-chefe da Polícia Civil de Pernambuco, Anibal Moura, foi expulso da corporação e teve sua aposentadoria cassada. Segundo processo aberto em 2010, Aníbal foi investigado pelo Ministério Público Federal por “valer-se do cargo para lograr proveito pessoal em detrimento da dignidade da função policial, bem como praticar ato que importe em escândalo ou que concorra para comprometer a dignidade da função policial, e participar de gerência ou administração de empresas, qualquer que seja a sua natureza”.

Sua empresa de segurança, Korpus Segurança Privada, quebrou e passou a sonegar impostos a partir de 2000. O que mostra que, na época do crime, a empresa enfrentava dificuldades financeiras.

O dono da casa, Tiago Alencar Carneiro da Silva, é o atual presidente da Associação Comercial de Recife.

O ex-promotor Miguel Salles faleceu em 2014. Em seu Twitter, aberto em 2010 e que tem mensagens até o ano da sua morte, há a defesa de inúmeras causas civilizatórias, como o meio ambiente, a Mata Atlântica, contra os abusos trabalhistas no porto de Suape. Antes, requereu aposentadoria do MPE, com uma carta à opinião pública, detalhando os empecilhos para que a apuração fosse isenta,

Em-texto-a-imprensa-promotor-Miguel-Sales-analisaCaso-Serrambi-e-diz-que-pode-se-aposentar

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Luis Nassif

2 Comentários

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  1. A história sempre se repete: passa-se a mão na cabeça de criminosos “ilustres”, porque são ilustres. E ele continuará se achando deus, dono da vida e da morte dos outros.

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