A atualidade de Lênin, por Roberto Bitencourt da Silva

O conservadorismo e o liberalismo que grassam no Brasil, pretendem, mas não conseguirão, embotar a luz das ideias leninistas

A atualidade de Lênin

Por Roberto Bitencourt da Silva

Poucos dias atrás, saudações feitas à memória de Lênin, entre setores da esquerda brasileira, foram razão para polêmicas, debates e não poucas e desonestas críticas desferidas ao líder da Revolução Russa, nas redes sociais. Fato lastimável, sobretudo ao envolver setores progressistas e antifascistas no escoamento gratuito de águas para o moinho reacionário.

Há um bom par de tempo, na já longínqua época entre a graduação e o mestrado, três grandes pensadores me chamavam muito a atenção, me faziam a cabeça, servindo como instrumentos de reflexão ativa sobre a realidade política, social e econômica do Brasil e do mundo: Francisco José de Oliveira Vianna, Octávio Ianni e Lênin.

O primeiro, nas primeiras décadas do século 20, sublinhava o colonialismo mental e a alienação das elites brasileiras, além da força destrutiva dos potentados rurais e das oligarquias estaduais. A tendência à dispersão do poder e à eventual desintegração territorial faziam parte do raio de ações daquelas oligarquias, frisava o sociólogo Oliveira Vianna.

O também sociólogo Octávio Ianni, entre os anos 1960 e 1990, oferecia importantes estudos sobre o imperialismo estadunidense e o papel desempenhado pelas multinacionais na delimitação dos regimes políticos autoritários e do subdesenvolvimento na América Latina.

Quanto a Lênin, no seio da tradição marxista, foi autor decisivo para ampliar o escopo da análise sobre o capitalismo, então incorporando a periferia, os países coloniais e semicoloniais na análise do sistema. Ultrapassava os limites do eurocentrismo e atribuía papel relevante aos países do que veio depois a ser chamado de 3o mundo.

A desconstrução do capitalismo, ensinava Lênin, pouco deveria contar com os países economicamente mais desenvolvidos, em função de alguns motivos, como a capacidade de acomodação maior das tensões sociais. O “social-imperialismo” – equivalendo, em parte, à social-democracia europeia – ganhava relevo e incorporava, comprometia os trabalhadores ao universo dos interesses das burguesias internas às potências imperialistas.

Assim, a obra de construção da nova civilização, superior e substituta ao capitalismo, residiria, conforme a pena do estupendo intelectual e líder político socialista russo, especialmente nos povos da periferia, nos “elos frágeis” do sistema capitalista, desapossados de qualquer alternativa acomodatícia no sistema, que não fosse a opressão social e a indignidade colonial.

Além de salientar a relação desigual, hierarquizante e complementar do capitalismo nas relações interestatais, algo inovador para os esquemas de entendimento do início do século 20 – e bastante esquecido em nosso tempo –, Lênin ofereceu ainda outros aportes interpretativos decisivos. Cito mais alguns poucos.

A mobilização de aspectos da teoria política participativa do filósofo Jean-Jacques Rousseau, mesclada com a experiência da Comuna de Paris, marcou o seu clássico livro “O estado e a revolução”, em que defende a intensa participação política popular nos processos decisórios e o mandato imperativo, como meio de controle sobre o poder político e os representantes.

A identificação do imperialismo como fenômeno caracterizado, entre outros aspectos, pela exportação e circulação de capital em escala mundial, um subproduto da concentração de capitais nos países centrais do capitalismo (que dirigia suas pretensões de acumulação rumo às periferias e às colônias), corresponde a outra grande contribuição teórica leninista.

A ênfase conferida ao campo da política, enquanto seara dotada de particularidades, notadamente o elemento vontade, a dimensão da capacidade política e da ação, foi traço precisamente revolucionário no marxismo, superando qualquer determinismo econômico. Guardava coerência com a sua análise teórica: o que esperar dos países mais desenvolvidos?

O gênio de Lênin já havia dado a resposta. Por mais desenvolvido que fosse, não havia revolução incipiente no centro do capitalismo a aguardar. Melhor era agir nas outras praias para resolver os problemas do subdesenvolvimento e da espoliação colonial/imperialista. Os trabalhadores dos países do centro seriam estimulados à ruptura com o capitalismo, ressaltaria Lênin, basicamente, com a perda dos polos nacionais colonizados e subalternos geradores de excedentes adicionais às potências do sistema.

Lênin foi um gênio. John Reed, grande jornalista estadunidense que acompanhou o processo revolucionário de 1917, assinalou as suas virtudes ousadas e a enorme capacidade de iniciativa. Gênio político que aproveitou o desgaste da população russa com a 1ª Guerra, incendiou o país em torno de uma revolução que permitiu abrir condições menos desfavoráveis à conquista de liberdades e direitos em todo o mundo, durante o século 20, assim como viabilizou recursos mais favoráveis aos movimentos de descolonização no 3º mundo. Alguém que interferiu, positivamente, no curso da história!

Definitivamente, é uma pena tanta desinformação, tantas bobagens ditas nos últimos dias a respeito de Lênin. O conservadorismo e o liberalismo que grassam no Brasil, pretendem, mas não conseguirão, embotar a luz das ideias leninistas. Talvez, o personagem maior do século 20. Lênin é extremamente atual e precisa ser lido. Grandioso pensador. Incontornável.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

Redação

2 Comentários
  1. As críticas a Lenin servem para mostrar quem é a verdadeira esquerda, ou seja, que coaduna com críticas direitistas e sociais liberais não se pode denominar de esquerda, é qualquer coisa, mas nunca esquerda.

Comentários fechados.

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