A injustiça que liquidou a maior vocação política paulista, por Luís Nassif

Os principais implicados na corrupção do Banespa se safaram. A política paulista perdeu um de seus políticos exemplares

Recebo comunicado de Nelson Nicolau, ex-prefeito de São João da Boa Vista, ex-deputado estadual, comunicando que abandonou definitivamente a vida pública.

Nelsinho – como é chamado – é uma das vítimas dos vícios da política paulista.

Conheci-o no infausto ano de 1968, ano do AI-5. Seu pai, Durval Nicolau, junto com o tio Miguel Nicolau, foram expulsos de São João por fazendeiros portando armas fornecidas pelo Exército. Eram tratados como subversivos, apesar de meu avô, Issa Sarraf, ufanista convicto e vereador em Poços de Caldas, não cansar de elogiar o trabalho de MIguel Nicolau, que era prefeito de São João, quando havia reuniões conjuntas das duas municipalidades.

Durval voltou em 1968 para concorrer ao cargo de prefeito pelo MDB, competindo com três candidatos abonados da Arena. Recém-chegado a São João, caí de corpo e alma na campanha, entusiasmado com a mobilização das vilas periféricas da cidade. Compus o hino de campanha dele.

A apuração terminou com vitória de Durval. Enquanto comemorávamos na praça, veio a notícia que a PM tinha fechado o Palmeiras – onde se dava a apuração – refeita a recontagem e dado a vitória a um dos candidatos da Arena.

Mantive meu título eleitoral em São João por anos.

Em 1974 foi o ano do nascimento do MDB. Orestes Quércia foi eleito Senador e o partido conquistou duas prefeituras, em Piracicaba e São João.

O prefeito de Piracicaba era João Herman, de bons princípios e um grande trapalhão. Lembro-me de uma reunião em Sao Paulo, convocada pelo Juca Kfouri, com a presença do grande João Saldanha, para o qual fui convidado para ajudar a salvar o mandato de Herman. 

Foi indagado sobre uma manchete no jornal piracicabano: “Na festa do réveillon, prefeito morde a omoplata da Secretária”. Quando confirmou que era verdade, desistimos. E ele lamentou:

  • Piracicaba merecia um prefeito do porte do Nelsinho,

Nelsinho fez uma gestão impecável, que repetiria algumas décadas depois. Aprovou um plano diretor, criou incentivos para a atração de indústrias, venceu vários prêmios de Melhor Prefeito, conferidos pelo Sebrae.

Depois, tornou-se deputado estadual. Foi o único a abrir mão da aposentadoria aprovada pela Assembleia Legislativa.

Nos anos 80 foi nomeado Secretário da Agricultura de São Paulo e, antes disso, Diretor da Carteira de Crédito Agrícola do Banespa.

Em pleno processo hiperinflacionário, criou um crédito cuja moeda eram as sacas do plantio financiado. Foi uma revolução. Mas lá começou sua desgraça.

No Banespa, digladiavam-se dois grupos barra-pesados, um liderado pelo governo Luiz Antonio Fleury Filho; outro por José Serra, que chegou a instalar um escritório no Banespa.

Eu conversava com os dois grupos. E o único ponto de concordância entre eles era a respeito da lisura de Nelsinho.

A Diretoria de Crédito ficou nas mãos de um aliado de Serra, que armou operações escandalosas. A diretoria de crédito analisava a operação, aprovava (ou nao). E cabia ao restante da diretoria apenas endossar a operação.

Mais à frente, quando os escândalos estouraram, todos os diretores foram denunciados. A influência de Serra fez com que os processos se arrastassem nos tribunais até sua prescrição.

A vocação pública de Nelsinho o tornou alvo único. Não resistiu a se candidatar novamente a prefeito de São João. Foi eleito, fez uma gestão magistral, que serviu de exemplo para toda a região. Mas, tornando-se prefeito, seu processo saltou para o Tribunal de Justiça. E, aí, etapas foram puladas e ele foi o único a não ser beneficiado pela prescrição.

Sem o apadrinhamento do PSDB de Serra, a Justiça foi implacável: condenou-o à prisão. Ao mesmo tempo, em São João, um promotor que assimilou o estilo arbitrário da Lava Jato, moveu uma enorme perseguição interna.

Nelsinho resistiu estoicamente. Conseguiu transformar a pena em prisão domiciliar e a orientar a boa política da cidade a partir da sua casa.

Agora, aos 75 anos, instigado por correligionários a se candidatar a prefeito, anuncia sua aposentadoria definitiva.

Os principais implicados na corrupção do Banespa se safaram. E a política paulista perdeu um de seus políticos exemplares, do tipo que engrandece a política.

Luis Nassif

8 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Concordo integralmente com o Nassif. Tive a alegria e o privilégio de conviver oito anos com Nelsinho, ambos deputados. Com um jeito sedutor e inteligente, comia o adversário. Não me lembro de vê-lo, uma única vez, levantando a voz ou dando de dedo na cara do contendor. Uma pena mesmo. Vou inventar um jeito de ir a São João da Boa Vista filar um café do Nelsinho. Um PS: mesmo depois do episódio do omoplata, continuei amigo do João, um cara, como Nelsinho, correto, nacionalista, democrata.

  2. Concordo integralmente com o Nassif. Tive a alegria e o privilégio de conviver oito anos com Nelsinho, ambos deputados. Com um jeito sedutor e inteligente, comia o adversário. Não me lembro de vê-lo, uma única vez, levantando a voz ou dando de dedo na cara do contendor. Uma pena mesmo. Vou inventar um jeito de ir a São João da Boa Vista filar um café do Nelsinho. Um PS: mesmo depois do episódio do omoplata, continuei amigo do João, um cara, como Nelsinho, correto, nacionalista, democrata.

  3. 1974, o primeiro voto – Tinha 18 anos, quase 19, e minha mãe, no melhor estilo República Velha, enfiou o voto para o Senado na minha mão: Quércia. Era o máximo de oposição consentida para a época. Não lembro dos votos para deputado, mas certamente foram no mesmo esquema (MDB).

  4. Sou testemunha da grandeza, honestidade e espírito público de NELSON NICOLAU. Fiz uma dobrada em 1982 com Nelsinho , ele candidato a deputado estadual e eu candidato a vereador. Ele se elegeu e fez um mandato muito atuante. Tenho saudades da gentileza e o bom trato de Nelson Nicolau. São Paulo perde um genuíno e grande político. Eu não me elegi, mas sigo militando por um Brasil mais justo e democrático e com mais distribuição de renda. Me filiei ao PT e sigo militando.

  5. Excelente lembrança, excelente matéria. Resido na região (aqui e ali entre Águas da Prata e Poços, com visitas constantes a S.João). Assisti às transformações da última década, sempre lamentando não ter comprado um dos terrenos que me haviam oferecido, há 13 anos, na estrada ainda por calçar que hoje é rua nobre a correr paralela à bela e supervalorizada Avenida Durval Nicolau… O mal de São João e região, e aliás da maior parte do país, inda que se livre dos Josés Serras e Moros habituais (e Bozzos acidentais), fica ainda caracterizado por aquele lado de sempre, o agronegócio predatório e seus coronéis de mentalidade medieval, no pior sentido.

  6. Nassif, mais, uma vez, sou gratíssima por suas palavras! Só quem conhece verdadeiramente o Nelsinho sabe o sofrimento imposto por tantas arbitrariedades. Tia Néia, tio Durval, filhos e principalmente o Nelson. Ninguém aguentou tanto… Triste, mas, nosso guerreiro, com o apoio da Soninha, do Gustavo, irmãos e irmã, além de outros familiares, superou todas as barbaridades a que foi acometido pelo bem da saúde dele. Um abraço!

  7. Fui banespiano em Pedregulho/SP, terra do Quercia, tivemos bons diretores e também grandes corruptos nas gestões. Covas e FHC deram o Banespa para o Santander. Hoje sei que a filha de Serra criou um banco virtual e ia dar lance na privataria. O banquinho foi comprado pelo Santander, o que significa propina.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador