A verdade sobre a Ilha do Marajó além da desinformação da extrema-direita

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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Ilha de Marajó virou um dos assuntos mais comentados na internet, graças a conteúdos virais que escondem interesses do grupo de Damares

Damares Alves, Michelle Bolsonaro e Jair Bolsonaro (Foto: Carolina Antunes/PR)

A miséria e exploração sexual infantil na Ilha do Marajó, no Pará, voltaram a repercutir nas redes sociais nesta semana, numa ação aparentemente coordenada e que envolve contas ligadas à extrema-direita nas redes sociais, que se mobilizaram após a música “Evangelho de Fariseus”, da cantora gospel Aymeê, que cita o drama na região, se tornar um hit na internet.

A partir disso, rostos carimbados da extrema-direita, como a ex-ministra dos direitos humanos Damares Alves e outros políticos e influenciadores bolsonaristas, usaram a pauta para disseminar desinformação e acabaram alcançando lugar de destaque em perfis de celebridades ou páginas de fofoca.

Os supostos casos de exploração sexual infantil na ilha do Marajó, entrelaçados com imagens e vídeos que defendem o trabalho de Damares na região, viraram conteúdo viral na internet. Sem analisar o que está por trás de todo o material, muitos começaram a compartilhar o trabalho de assistencialismo do Instituto Akachi, entidade evangélica que faz “missões” no Marajó, mas que tem relações estreitas com a extrema-direita do país.

Conforme apontado pelo ativista Ale Santos, a cantora que viralizou aparece em foto com o pastor Lucas Hayashi, líder da igreja Zion Church, encabeçada por Junia e Teófilo Hayashi – dois pastores que transformaram suas igrejas em franquias milionárias e são próximos a membros do ex-governo de Jair Bolsonaro, como Damares.

A música da cantora reascendeu uma mobilização que favorece bastante essa igreja há anos. Qual será o interesse econômico dessas missões no Marajó?“, questionou.

A cantora gospel Aymée com o pastor Lucas Hayashi, líder da igreja Zion Church, que entre as principais ações busca doações para “missões” de evangelização. | Foto: Reprodução/Instagram

Missões evangélicas

Um dos eventos de grande destaque da franquia evangélica é o The Send Brasil, “que mistura nacionalismo com cristianismo importado dos EUA” e conta com apoio do Jovens com Uma Missão (JOCUM), que mira “evangelizar” a juventude e já chegou a ser expulso da região amazônica pelo Ministério Público (MP). Uma das edições da programação em 2020, que aconteceu em Brasília, contou inclusive com a presença de Bolsonaro e Damares.

À época, o canal do The Intercept Brasil no Youtube publicou denúncia que acusava o evento de doutrinar jovens evangélicos politicamente. Em defesa da franquia, Henrique Krigner, um dos representantes do evento no Brasil e parte da liderança do Dunamis – um movimento brasileiro paraeclesiástico originado da JOCUM – publicou vídeo de resposta.

Henrique Krigner, que já foi candidato a vereador em São Paulo pelo PP, é o presidente do Instituto Akachi, que está no centro do caso de Marajó. Segundo eles, o trabalho de assistencialismo no arquipélago “resgata as pessoas vulneráveis para Cristo“, mas para isso é preciso de doações.

Conforme apuração do GGN, até a tarde de ontem (23), a página da entidade no Instagram contava com 318 mil seguidores e potenciais doadores. Após a ação coordenada com os influenciadores, o número saltou para 554 mil em menos de 24 horas.

O que me chamou atenção foi a coordenação de grandes influenciadores que provavelmente receberam um briefing, uma pasta com imagens prontas e uma história sobre tráfico sexual no Marajó. Eles não questionaram, afinal, quem vai questionar a exploração sexual de crianças é um monstro. É exatamente assim que as ongs evangélicas usam o pânico pra ganhar poder político usando temas sensíveis, inquestionáveis de modo que desarma o senso crítico e não faz você pensar de onde vem a informação e quem está ganhando espaço com ela“, afirmou Ale Santos.

Damares no centro

Não à toa, Damares usou o assunto para se promover. “O Marajó pede socorro e não é de hoje“, escreveu a política em seu perfil no X, afirmando que tentou resolver o problema no governo de Jair Bolsonaro, com o programa “Abrace Marajó”, alvo de críticas e protestos de agentes que trabalham na região.

Em setembro passado, o Ministério Público Federal (MPF) inclusive ajuizou uma ação civil pública contra a ex-ministra, por declarações falsas dadas durante um culto evangélico em Goiânia, em outubro de 2022. Na ocasião, Damares afirmou que as crianças do Marajó eram traficadas para exploração sexual, tinham dentes arrancados para não morderem durante a prática do sexo oral e comeriam comida pastosa para o intestino ficar livre para o sexo anal.

Segundo o MPF, as informações divulgadas pela senadora eram “falsas e sensacionalistas”. A procuradoria pediu o pagamento de multa de R$ 5 milhões por Damares. A Justiça ainda não deu uma sentença definitiva sobre o caso.

Além disso, um outro vídeo que viralizou por mostrar dezenas de crianças sendo transportadas em um carro não foi gravado na região da Ilha de Marajó e nem retrata um caso de tráfico humano. A cena foi registrada no Uzbequistão em setembro de 2023, quando uma professora foi parada pela polícia por excesso de passageiros.

A verdade

Organizações não-governamentais (ONGs) como o Observatório do Marajó e a Cooperação da Juventude Amazônica para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem) publicaram uma nota pública contra as publicações que “visam desarticular trabalho social que já existe na região”.

A propaganda que associa o Marajó à exploração e o abuso sexual não é verdadeira: a população marajoara não normaliza violências contra crianças e adolescentes. Insiste nessa narrativa quem quer propagá-la e desonrar o povo marajoara“, diz trecho da nota.

Redes criminosas de exploração sexual de crianças e adolescentes impulsionam mobilizações que chamam atenção para regiões com precariedades institucionais, como um apito para chamar criminosos para esses espaços“, afirma outro trecho.

Não espalhe mentiras sobre o Marajó nas redes e nem caia em desinformação e pânico moral!“, completa o trecho.

Nota Pública sobre a situação na ilha do Marajó. | Imagem: Divulgação

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Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

3 Comentários

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  1. Essa mulher é doente. E milhares (milhões?) de igualmente doentes dão ouvidos e, claro, a imprensa ajudando. Sem contar aproveitadores de plantão (ela também vc é vima, mas doente).

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