Alexandre de Moraes, um militarista contra os aloprados do bolsonarismo, por Luis Nassif

Não é trivial a discussão sobre a prisão da  besta-fera, o deputado Daniel Silveira, por um ato monocrático do Ministro Alexandre de Moraes.

Apesar das inúmeras justificativas legítimas – não permitir o nascimento de um novo Jair Bolsonaro, defender a democracia -, não há como ignorar as contra-indicações. 

Vou colocar em negrito uma afirmação, porque sei que será utilizada para um sofisma: o deputado merece ser cassado, julgado e preso. Está claro? Repito: o deputado merece ser cassado, julgado e preso. Portanto, não estou advogando a impunidade da besta-fera. 

A questão é a forma, a arbitrariedade cometida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ao ordenar a prisão em flagrante de um parlamentar – ainda que parlamentar do nível do ex-PM.

Diz o parágrafo 8 do artigo 53 da Constituição:

§ 8º As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sítio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida”.

O episódio gerou comentários consistentes do jornalista Alexandre Garcia – que, em geral, recorre a enormes malabarismos mentais para defender o governo Bolsonaro.

“O deputado foi punido por defender o AI-5. Mas foi punido por um instrumento típico do AI-5”.

É importante entender os desdobramentos de atitudes desse tipo.

Quando Ministro da Justiça, Moraes recorreu a instrumentos de arbítrio – no caso, a Lei Antiterrorismo, inexplicavelmente sancionada pela presidente Dilma Rousseff – para uma ação totalmente arbitrária contra um grupo de aloprados simulando grandes conspirações através de redes sociais, a Operação Hashtag. 

Pessoas simplórias, muitas delas com idade em torno de 20 anos, foram apontadas como terroristas planejando um atentado nos Jogos Olímpicos.

Não havia compra de armamentos, reunião, planos concretos para sair do campo das libações internéticas, nada disso. Havia inclusive pessoas com problemas mentais, típicas, aliás, de desequilibrados sociais que despejam suas fantasias nas redes sociais

Os jovens foram condenados, mesmo alguns deles apresentando nítidos sintomas de problemas mentais. Houve toda sorte de abusos, incomunicabilidade, proibição da presença de advogados etc.

O carnaval articulado por Moraes chegou na mídia, no Jornal Nacional, e levou ao linchamento de um deles – que, depois, foi inocentado pelo Ministério Público Federal do Paraná.

Tempos depois, constatou-se que eram apenas radicais juvenis, socialmente desestruturados. Não havia uma prova sequer que tivessem passado das pirações internéticas para a prática.

Na época, em um artigo de uma defensora pública no site Justificando, os abusos ocorridos na Operação Hashtag, a abertura lembrava uma definição clássica: “Soberano é aquele que decide e declara a exceção”(Carl Schmitt).

Foi a primeira operação consolidando a militarização da segurança pública no país. Envolveu o Gabinete de Segurança Institucional (entregue ao general Sérgio Etchgoyen), a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), as Forças Armadas, a Polícia Federal e a cooperação internacional. Por aqueles dias, Moraes já tinha colocado militares à frente da Funai (Fundação Nacional do Índio) e da Secretaria Nacional de Política Sobre Drogas. Os Ministérios de direitos humanos voltaram a ser secretarias, colocadas debaixo do Ministério da Justiça – que passou a cortar seus recursos. E, finalmente, houve uma intervenção militar no Rio de Janeiro, atropelando a constituição – que define que operações de Garantia de Lei e Ordem (GLO) desse tipo deveriam ter comando civil.

O repórter verdadeiramente investigativo, Rafael Soares, acaba de soltar uma reportagem na Época mostrando a participação de militares na chacina de São Gonçalo, durante a .

Também foi o coroamento da militarização do serviço público, iniciado por Moraes na Secretaria de Segurança de São Paulo – coalhando a Secretaria com coronéis da Polícia Militar – e, depois, no governo Temer.

Com os partidos políticos esfrangalhados pela Lava Jato, e como um dos líderes do mais suspeito grupo político brasileiro – o centrão – Temer seguiu o caminho lógico de buscar amparo nas Forças Armadas.

A operação contra Daniel Silveira consolida o estilo Moraes de atropelar a Constituição. Quando assumiu a operação contra os hackers – sendo, ao mesmo tempo, investigador e juiz – recorreu a uma única exceção prevista: quando o Supremo for atacado, poderá se defender assumindo simultaneamente as duas funções. Depois, passou a colocar debaixo da operação várias outras investigações.

É importante anotar que a operação contra o aloprado deputado Daniel Silveira não significa necessariamente uma reação contra o arbítrio e contra os rumos do governo Bolsonaro, mesmo sendo o deputado um descerebrado manobrado pelos filhos de Bolsonaro. 

A prisão de Daniel Silveira é um capítulo a mais na disputa entre dois grupos que disputam o controle do governo Bolsonaro: os militares e os aloprados, ligados aos filhos. 

Desde os preparativos para a posse de Bolsonaro, já havia uma disputa surda entre os militares e os aloprados de Olavo de Carvalho. Os militares se valeram de seus serviços de inteligência para levantar dossiês contra várias pessoas indicadas para cargos por Olavo de Carvalho.

É possível que, com sua decisão, Moraes tenha a intenção de defender o Supremo. Mas ainda não está clara a maneira como o Supremo pretende encarar a militarização cada vez maior da administração pública. Desde que o então presidente Dias Toffoli colocou um general como principal assessor, paira no ar uma dúvida crucial sobre o papel do STF como guardião da democracia.

Aliás, na véspera do julgamento do HC de Lula, em que o STF era emparedado pelo general Villas Boas, pela Globo e pelas manifestações de rua, o movimento Vem Prá Rua fazia uma manifestação em frente o TRF4, propondo castigo para os Ministros. Nada aconteceu com eles.

Luis Nassif

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