Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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Eleições, paixões, interesses e o conservadorismo, por Aldo Fornazieri

Analistas acadêmicos, representantes de consultorias políticas e econômicas. colunistas e comentaristas de mídias, tomados pela fúria conservadora que varre determinados setores da sociedade, querem instituir-se como juízes únicos do que é válido ou do que não é válido dizer e fazer na presente campanha eleitoral. Presumem que são portadores da verdade em nome da ciência, mas ninguém sabe qual é essa “ciência”, até porque quem se ocupa da verdade não é a ciência, mas a filosofia. A ciência busca explicar o como os fenômenos e acontecimentos ocorrem e não a sua essência última e fundamental.

O conservadorismo se expressa em várias exigências. Mas sua investida principal abrange dois eixos: 1) analistas, consultores e comentaristas se atribuem o direito de fazer previsões sobre eleições, política e economia, mas ninguém pode atacar suas análises, principalmente gente do governo e do PT, pois isso seria autoritarismo; 2) eles tem direito de atacar o suposto baixo nível das campanhas na internet e as pessoas que não têm capacidade analítica não deveriam se manifestar com críticas, xingamentos, denúncias, acusações etc. Por esses critérios, a reação de Dilma, na condição de candidata, ao posicionamento do Santander junto aos seus clientes, é “autoritária” e “bolivariana”. Mas as tentativas de Aécio de censurar manifestações de pessoas na internet que fazem postagens acerca da conduta do candidato são válidas, pois seriam contra a “baixaria”. Note-se que Dilma se expressou com palavras contra a análise do Santander, o que é um claro direito de defesa política. Já, Aécio, tentou interditar determinados conteúdos e postagens pela via judicial.

A ditadura do conservadorismo quer afirmar a tese de que o pessimismo domina a economia e quer negar à Dilma e ao PT o direito de combater o pessimismo e de afirmar que ele é construído por determinados setores da oposição, do mercado e da mídia. O caso recente da Copa do Mundo, em relação à qual se difundiu a ideia do caos e do apocalipse, é um exemplo claro que ilustra as tentativas de manipulação da opinião. Afirmar, neste momento, que com a vitória de Dilma a economia crescerá menos, tem o mesmo valor “científico” que afirmar que com a vitória de Aécio ou de Campos a economia não crescerá nada. Não há modelo matemático ou econométrico que garanta a verdade futura de qualquer afirmação a respeito desse tema ou da política em geral. O que os especialistas e consultorias emitem são opinião, projeções, construção de cenários, hipóteses, tendências que podem ser baseados em dados reais ou desejos, mas que não necessariamente acontecerão. Convém lembrar que a política, por ser uma ação humana, se situa na esfera da contingência e que eventos não previstos podem mudar o curso dos acontecimentos. Desta forma, se qualquer previsão é legítima, a sua contestação também o é.

Política Como Conflito

A racionalidade clean que os analistas acadêmicos, os consultores e os comentaristas da imprensa cobram da atividade política em geral e das campanhas eleitorais é uma ficção. De modo geral, a própria manifestação desses especialistas vem carregada de opinião, de vontade e de interesse político. A análise política ou econômica (por ser a economia política), também é uma atividade política e, portanto, uma atividade interessada. A tese da neutralidade da análise é falsa e por não ser neutra, ela precisa ser submetida aos escrutino do debate público como qualquer outra ideia política. O analista que quer que sua análise seja isenta de críticas por conta de sua suposta especialidade ou “cientificidade” também é um autoritário, pois além de presumir-se portador de uma verdade qualquer, quer impor a ditadura da sua opinião.

A internet é expressão daquilo que a opinião pública é e de como essa opinião se expressa e concebe a política. Que se exija racionalidade dos especialistas, dos partidos e dos políticos, de acordo. Mas nem tudo se reduz à racionalidade neutra. Os próprios programas partidários são expressões de interesses. Toda monumental construção da Filosofia Política mostra que os interesses são expressões dos desejos e das paixões humanas. Basta ler “Paixões e Interesses”, de Albert Hirschman e ter-se-á uma bela síntese dessa construção e de como as paixões contribuem e contribuem para a instituição do Estado racional. Nem mesmo Hegel, que elevou à razão à condição de Estado, deixou de pagar tributo ao mundo sensível e à opinião, pois ali também existem elementos constitutivos da história e da racionalização da história. Desta forma, não se pode conceber a democracia sem a paixão, sem a opinião, sem o sensível, sem o xingamento, sem “o baixo nível”, sem a denúncia, sem a acusação, sem o embate, muitas vezes feroz. Aqueles que querem negar essas dimensões da política são inimigos da democracia.

Desde a democracia ateniense, passado pela república romana e chegando até nossos dias, a política é polemos (guerra), conflito, confronto. Se é verdade que a guerra é a continuidade da política por outros meios, como afirmou Clausewitz, também é verdade que a política é a continuidade da guerra por outros meios. A relação amigo e inimigo persiste na política interna aos Estados e mesmo nos confrontos eleitorais. Querer reduzir o embate político (e mesmo econômico) a uma relação de competidores, como quer o liberalismo, significa extirpar a natureza mesma da política e assumir um discurso antipolítico. Da mesma forma que o cidadão não pode ser reduzido a um consumidor, a política não pode ser esvaziada de sua dimensão de que a força decide em última instância. Maquiavel, Schmitt e Weber, entre outros, ao menos defendiam esta concepção de política. Basta olhar o que fazem os Estados Unidos ou Israel, que se compreenderá o realismo duro dessa visão.

A origem e o pressuposto da política, inclusive da política democrática, é o conflito e não o consenso, como quer o liberalismo. O pacto deve ser concebido como resultado do conflito e não como o pressuposto da política. Aceitar o pacto como pressuposto da política significa aceitar a submissão a uma neutralidade do Estado que não existe. A racionalidade burocrática e administrativa também não é neutra, pois, sua última instância radica em escolhas e decisões informadas por conflitos. Os direitos universais são filhos do combate dos que não tinham e dos que não têm direitos. O pacto que vige hoje, que quer sufocar a dimensão conflitiva da política, é o pacto do capital financeiro e do grande capital que usurpou a democracia para impor desigualdades crescentes e que quer reduzir os cidadãos à passiva função de consumidores ávidos por aquilo que o capitalismo predatório tem para oferecer-lhe.

Aldo Fornazieri – Cientista Político e Professor da Escola de Sociologia e Política. 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

16 Comentários

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  1. Excelente.

    Um curto tratado do conservadorismo imobilizante, maquiavelicamente traçado pelo liberalismo.

    Diz Aldo Fornazieri: “A origem e o pressuposto da política, inclusive da política democrática, é o conflito e não o consenso, como quer o liberalismo.”

    É o liberalismo criando o pensamento único, como repetiu Fukuyama: ” Fim da História”.

    A marginalização da utopia entendida como tudo o que ainda não foi tentado, engessando a importância de mover segmentos da população que estão insatisfeitos e não comprometidos com a ordem existente, essencial na democracia. A utopia é uma condição “sine qua non” do homem como ser, que deseja, que busca a superação, a transcendência, os sonhos, como disse Mannheim: “A desaparição da utopia ocasiona um estado de coisas estático em que o próprio homem se transforma em coisa. Iríamos, então, nos defrontar com o maior paradoxo imaginável, ou seja o do homem que, tendo alcançado o mais alto grau de domínio racional da existência, se vê deixado sem nenhum ideal, tornando-se um mero produto de impulsos. (…) o homem perderia, com o abandono das utopias, a vontade de plasmar a história e, com ela, a capacidade de compreendê-la” 

    O filósofo político Sheldon Wolin prefere usar o termo “totalitarismo invertido”, como diz  Chris Hedges:

    Neste totalitarismo invertido, as sofisticadas tecnologias de controle corporativo, intimidação e manipulação de massas, que superam em muito as empregadas por estados totalitários prévios, são eficazmente mascaradas pelo brilho, barulho e abundância da sociedade de consumo. Participação política e liberdades civis são gradualmente solapadas. O estado corporativo, escondido sob a fumaça da indústria de relações públicas, da indústria do entretenimento e do materialismo da sociedade de consumo, nos devora de dentro para fora. Não deve nada a nós ou à Nação. Faz a festa em nossa carcaça.

    O estado corporativo não encontra a sua expressão em um líder demagogo ou carismático. É definido pelo anonimato e pela ausência de rosto de uma corporação. As corporações, que contratam porta-vozes atraentes como Barack Obama, controlam o uso da ciência, da tecnologia, da educação e dos meios de comunicação de massa. Elas controlam as mensagens do cinema e da televisão.  Elas usam as ferramentas da comunicação para aumentar a tirania. Nosso sistema de comunicação de massas, como Wolin escreveu, “bloqueia, elimina o que quer que proponha qualificação, ambiguidade ou diálogo, qualquer coisa que enfraqueça ou complique a  sua criação, a sua completa capacidade de influenciar”.

    O resultado é um sistema monocromático de informação. Cortejadores das celebridades, mascarados de jornalistas, experts e especialistas, identificam nossos problemas e pacientemente explicam seus parâmetros. Todos os que argumentam fora dos parâmetros são desprezados como chatos irrelevantes, extremistas ou membros da extrema esquerda.

    Críticos sociais prescientes, como Ralph Nader e Noam Chomsky, são banidos. Opiniões aceitáveis cabem, mas apenas de A a B. A cultura, sob a tutela dos cortesãos corporativos, se torna, como Huxley notou, um mundo de conformismo festivo, de otimismo sem fim e fatal.

    Leia mais:

    http://assisprocura.blogspot.com.br/p/orwell-estava-certo-huxley-tambem.html

    http://assisprocura.blogspot.com.br/p/utopia-e-pragmatismo.html

  2. Muito bem expostos nesse

    Muito bem expostos nesse artigo  as incoerências das oposições(política e midiática) ao quererem depreciar as reações da presidenta e de seu comitê de campanha contra essa disseminação por ânimo ideológico do pessimismo exagerado e muitas vezes sem base factual.

    Quanto a questão de ser o confronto ou o consenso a essência da Política, acho que vai depender da dimensão a ser enquadrada. A Política como prática, ou praxis, no dizer dos eruditos, realmente tem no confronto, no embate, o seu modus operandi.Não há como transformar, ou mesmo conservar, o mundo sem o confronto. 

    Entretanto, esses embates devem tender em algum momento para um consenso.Mesmo porque é ele que vai preceder a consolidação de Valores e, no plano, material, das Instituições. 

     

  3. A esquerda está fazendo um

    A esquerda está fazendo um uso equivocado do termo conservadorismo. Eu voto em Dilma Rousseff porque quero conservar as virtudes deste governo. Também pretendo conservar o estado de bem estar social prescrito na CF/88 que é odiado pela direita. Aqueles que Aldo Fornazieri acusou de defenderem o conservadorismo são os que desejam rasgar a CF/88 e que querem destrir o estado de bem estar social instituído pela mesma em favor da soberania do mercado. Portanto, eles não são conservadores e sim destruidores e precisam ser chamados pelo nome correto. Caso contrário o equívoco prejudicará muito a reeleição de Dilma Rousseff. 

    1. “A esquerda está fazendo um

      “A esquerda está fazendo um uso equivocado do termo conservadorismo. Eu voto em Dilma Rousseff porque quero conservar as virtudes deste governo. Também pretendo conservar o estado de bem estar social prescrito na CF/88 que é odiado pela direita”:

      Se “as virtudes deste governo” sao presentes e nao passadas, voce quer o continuum inteiro.  Nao eh exatamente “conservar” mas nao estou conseguindo a palavra correta.  O que os “conservadores” querem conservar eh o passado, nao o presente -e eles nao tem virtudes presentes, so passadas.  O que eles tem presentissimo sao privilegios legais e ilegais, alem da eterna ajuda do judiciario.

  4. Um exemplo é a Globonews que

    Um exemplo é a Globonews que treinou seu pessoal para botar a economia para baixo, pisotiar o ânimo do telespectador, tudo isso com um sorriso sarcástico e a peçonha escorrendo pelos cantos da boca.

  5. Bom dia Brasil

    O jornalista Chico Pinheiro, âncora do jornal da TV Globo “Bom dia Brasil”, está de férias? Desapareceu poucos dias depois de comentar ao vivo sobre o terrorismo noticioso que foi feito contra a copa do mundo, não citou a mídia em si, mas estava implícito, e mesmo depois de a jornalista Leitão gaguejando pateticamente falar mal da copa, ele terminou o assunto com a frase, – É, mas a Copa trouxe lucro ao Brasil, ou, foi muito bom para o Brasil – algo assim.

    O fato é que não apresenta mais o noticioso. Mas deve ser por estar de férias, quero acreditar…

  6. Excelente e fundamental

    Excelente e fundamental texto. Está havendo um confronto que é intrínseco à política, como explica o autor, nesse exato momento. Os interesses do capital financeiro versus o da maioria da sociedade. É preciso desnudar essas “analises” pseudamente científicas dos pesudo-neutros “analistas” de bancos e consultorias. E escancarar o que são, proselitismo.

    Os donos do Santander sabem que aquele tal texto para “orientação” de clientes vips é pura propaganda eleitoral contra a presidenta. Tanto é que retiraram o texto e pediram desculpa. E não foi por medo de retaliação do governo. Eles sabem que passaram do ponto.

    E se o FHC defende o texto como se fosse “científicamente neutro”, põe-se claramente ao lado dos interesses do rentismo. Se ainda restasse alguma dúvida, claro

  7. Bem, até hoje ele escreveu algo interessante…

    é, como diria Lutero, não espere demais das pessoas e festeje quando elas lhe fazem surpresas agradáveis.

  8. muito bom o artigo, que na

    muito bom o artigo, que na minha opinião (!) põe por terr a ieia de que um possível fla-flu sempre é maléfico. é do jogo. e o jogo é jogado, como dizia o filõsofo do bar do cardoso.

    mesmo porque não dominamos todos os conhecimentos e por isso mesmo temos que ter opiniões baseadass no nosso sentimento do mundo e das nossas experiencias de vida, que nos mostram, por exemplo,que é melhor uma sociedade civilizada e com menores possibilidades de conflitos extremos com melhor distribuição de renda e melhorias para todaa população como ocorreu nestes últimos doze anos do que uma sociedade em que somente um  por cento tem hegemonia sobre os outros 99 por cento, que supostamente receberiam isso como se fosse um destino divino.

    aliás, isso nos remete a questão das formações os povos.

    a filosofia europeía baseou-se no espírito iluminista – voltaire xingava os padres de forma cruel.

    essa filosofia criou instituições que agora são atuais mas a nossa formação não é essa, porque a questão dos interesses são diferentes. ganhar dinheiro é para eles muito natural.

    para nossa visão católica do mundo, não é bem assim.

    gostei m,ais do finaldo artigom em quefica claraa usurpação da política pelo mercado financeiro, istro é, a financeirização da economia, da sociedade leva à alienação política. ewstados europeus estão dominados não pela política mas pela fimaceirização comandada pelos abutres de sempre.

    então a discussão essencial e atualhoje em dia é essa.

    a escolha entre dois modelos notoriamente conflitantes.

    um dos trunfos que nãopode ser reduzido por nós mesmos a uma questão de baixaria ou não é o da linguagem. é o que temos para comunicar nossas ideias e opções.

    só pela linguagem percebemos as maracutaias linguísticas e imagéticas impostas pelo tal do partido da imprensa golpista, suas simulações e simulacros de realidade que acabariam se comfirmando caso não houvessse uma mínima resistencia dos nossos interesses, isto é, da maioria da população brasileira.

  9. Em 2010 a economia crescia a

    Em 2010 a economia crescia a 7,5%, tudo era atribuído aos acertos do  Lula e da equipe na gestão pública, sendo assim, o país “crescendo a menos de 1%” , significa que a Dilma fracassou nas suas escolhas. Dessa forma, não é pessismo, é realismo!!!

    1. Como é bom não ter memória !

      Como é bom não ter memória ! e ainda por cima desconhecer a complexidade do pós quebra do Banco Americano, levando junto a Europa e EUA.Tudo fica tão simples assim. não é ? É que a Dilma não tem criatividade, assim como o governo de muitos países. Pobres de nós. Bem que os nossos bancos e indústrias tentam fazer o impossível, a imprensa contribui demais. mas a presidente quer pq quer manter baixo o nosso PIB. Esses são alguns dos nossos grandes “comentadores”. Ainda bem !

  10. olha quem quer, …ver, é preciso de algo mais…

    prezado

     

    o articulista parece dominar as letras.

    Esquece que economia é   uma ciencia social.ou seja, não pode ser decodificada isoladamente  e  cada  evento sofre as variaveis especificas. Há quem ache que a matemática  explica  tudo.

    .um das principais   variaveis que permeiam o conceito de investimento  são as expectativas.

    Se não acredito  que  as  variaveis  não serão  mudadas, minha expectativa é coerente com isso.

    Há de se perguntar porque o mau-humor  do mercado.

    Não  é  pelo nivel das variaveis  estritamente  economicas. É pelo que esta subjacente.

    É o intervencionismo economico que o PT demontra. É a manifestação de  querer  dominar por meios escusos.

    È a magica contabil para apresentar resultados . É o uso maciço de publicidade  suficabte.

    É o menosprezo pelas praticas democraticas ao desqualificar o poder legislativo.

    Enfim, não é o momento economico  mas  o que  esta  encoberto.

  11. Outro dia li algo em que a

    Outro dia li algo em que a turma do Aécio queria comprar por uma bolada. Não se comprou mesmo, pois se não o petismo e´quem parece que terá que pagar uma bolada por cara ficar de boca calada e não dando boladas nas costas da Dilma

     

    Consultor do PT chama candidato tucano de “Satanécio” e afirma que pessoas que se opõem a Dilma latem

    http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/consultor-do-pt-chama-candidato-tucano-de-satanecio-e-afirma-que-pessoas-que-se-opoem-a-dilma-latem/

     

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