Fake News: Nota técnica do Governo Lula não alterou aborto legal

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Ministério da Saúde corrigiu erro de Bolsonaro, que alterava a legislação nas hipóteses que permite o aborto no Brasil. Luciana Boiteux explicou ao GGN.

Foto: Ministério da Saúde/Julia Prado

O governo Lula não “liberou” ou “autorizou” o aborto e a nota técnica do Ministério da Saúde não modificou a lei já existente sobre aborto legal no Brasil. Mas as Fake News e desinformação, somadas à pressão de grupos fundamentalistas, fizeram a ministra Nísia Trindade reverter a regulamentação.

O aborto é permitido no Brasil quando a gravidez for resultado de estupro ou quando colocar em risco a vida da gestante, de acordo com lei do Código Penal desde 1940. Ainda, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o aborto é permitido em caso de anencefalia fetal.

O governo Bolsonaro que alterou a interpretação da legislação

A legislação não estabelece qualquer limite de tempo gestacional para fazer o aborto nestas condições. E uma orientação do governo federal não poderia restringir esses direitos.

Mas, em 2022, de forma irregular, o ex-presidente Jair Bolsonaro impôs uma recomendação que restringiu o aborto para até 21 semanas e 6 dias de gestação, sob o argumento de que, a partir daí, haveria “viabilidade do feto”.

A determinação de Bolsonaro não foi debatida no Congresso Nacional sob a forma de uma medida provisória ou projeto de lei, mas ao impôr uma restrição, alterou a legislação existente, o que juridicamente poderia ser questionado, apontou a professora de Direito Penal e Criminologia da UFRJ e vereadora do PSOL na Câmara do Rio de Janeiro, Luciana Boiteux, em entrevista ao GGN.

“Essa norma [do governo de Jair Bolsonaro] era muito restritiva, tinha erros, inclusive, que limitava o tempo de gestação para a realização do aborto legal, quando a gente sabe que tanto em casos de risco de vida ou mesmo da gravidez resultado de estupro é muito importante que se tenha o procedimento feito de acordo com o caso concreto”, afirmou.

“Houve um processo de propaganda de Fake News que foi muito grave, confundiu. A primeira desinformação é atribuir a uma nota técnica do Ministério da Saúde a criação de uma situação que a lei já não autorizasse. Essa nota técnica é importante para corrigir uma orientação anterior, ainda no governo Bolsonaro, que ao invés de regulamentar e criar mecanismos para concretização do que já está previsto em lei federal, as regras técnicas do governo Bolsonaro foram feitas para dificultar, para impedir esse acesso.”

Qual foi a medida do governo Lula sobre aborto?

O Ministério da Saúde do governo Lula emitiu a nota técnica em correção à essa medida de 2022 do governo Bolsonaro. Nela, a pasta corrige que “a viabilidade” do feto “é um conceito dinâmico/mutável” e que essa interpretação pode modificar de “de acordo com as características individuais e regionais”, o que impede a fixação de um prazo inicial ou final para se garantir o direito ao aborto.

Ao GGN, a vereadora também ressaltou que, para as vítimas de estupro e menores de 14 anos – que se caracterizam como estupro de vulnerável -, o quanto antes ser feito o procedimento, melhor. Mas que são justamente as dificuldades e empecilhos impostos à realização do aborto hoje no Brasil que levam a mulheres a chegarem a maior tempo de gestação, ainda que com direito de abortar (acesse aqui os dados sobre o aborto no Brasil).

“O que vemos hoje é um baixo acesso, dificíllismo acesso, pois na maioria dos casos se deixa essa menina levar a gravidez até o fim e acaba sendo uma decisão da família. Tem muitas famílias que, por ignorância, por falta de acesso à informação acabam não encaminhando as suas filhas a esse serviço. E temos nesse quadro uma situação que demanda nossa atenção que é como efetivar, garantir esse direito, informar as mulheres e meninas desse direito.”

Como começou a Fake News

A polêmica começou com a disseminação falsa de publicação do blog Brasil Sem Medo – auto-intitulado “jornal conservador” que abarcou em seu início publicações de Olavo de Carvalho e outros. Na nota, escrita por Paulo Briguet, a Fake News já no título: “CULTURA DA MORTE – Governo Lula libera aborto em qualquer tempo gestacional“.

Algumas horas depois, a Gazeta do Povo deu continuidade às Fake News e manchetou que o “Governo Lula autoriza aborto em caso de estupro até 9 meses de gestação“. A matéria, que desinforma as garantias já existentes em casos de abortos e o que a nota técnica do Ministério da Saúde significou, efetivamente, foi uma das mais lidas e buscadas no país, nesta quinta-feira (29).

Após a polêmica, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, recuou e suspendeu a nota técnica. A advogada e vereadora do PSOL defende que o caso seja revisto e que a regulamentação volte a ser publicada.

“É importante dizer que quando a gente fala de normas técnicas, não é da cabeça da ministra, não é do governo Lula estabelecer isso. São normas técnicas de um procedimento que já está autorizado em lei. E, em especial, a própria forma de realização dessa intervenção da interrupção da gravidez vai variar conforme o tempo de gestação, ou seja, quanto mais cedo, melhor para a mulher e menos perigoso. E é claro que não vai se chegar a 9 meses porque seria arriscadíssimo para a mulher. O que se quer é, justamente, que essas normas técnicas garantam que haja um período para garantir uma intervenção a curto prazo e que não haja essa recusa do serviço de saúde”, esclareceu Luciana Boiteux.

“Histeria coletiva”: Projeto no RJ garantia direitos do aborto legal

Coicidentemente nesta quinta-feira (29), a Câmara Municipal do Rio de Janeiro votou um projeto de lei, de autoria de Marielle Franco, que previa melhores condições a garantia de serviços e tratamento adequado às mulheres que têm o direito ao aborto legal.

Derrubado por 32 votos contra 8, o projeto não alterava a legislação brasileira, mas a vereadora Luciana Boiteux, que integrou a votação e foi acusada de “assassina” na tribuna, narrou que a bancada fundamentalista utilizou de desinformação também para este projeto, como se legalizasse outras condições de abortos.

“[O projeto] visava proteger as mulheres cariocas de violências que pudessem ocorrer quando elas buscassem o serviço de aborto legal, inclusive o direito à informação, o direito a não serem maltratadas nos serviços, a serem acolhidas. É uma pena que a gente tenha tido essa reação e o que aconteceu é que houve também o uso de desinformação. O que basicamente os fundamentalistas alegaram é que o projeto estaria legalizando o aborto, e foi muito difícil, porque não há diálogo, a gente tentava trazer as informações, mas havia uma histeria coletiva dos vereadores”, narrou ao GGN.

Assista à íntegra da entrevista a professora de Direito Penal e Criminologia da UFRJ e vereadora Luciana Boiteux à TVGGN:

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

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