O comércio de armas na África

Do Envolverde

01/02/2011 – 09h02

Mercado permeável à indústria de armas

Por Hilaire Avril, da IPS

Paris, França, 1/2/2011 – Os países africanos são especialmente vulneráveis ao comércio de armas que prospera no mundo, meio século após o presidente norte-americano Dwight Eisenhower (1953-1961) denunciar a crescente influência da indústria bélica em assuntos políticos. É difícil conhecer cifras exatas do armamento comercializado, mas a organização humanitária Oxfam estima que os governos da África subsaariana gastem US$ 18 bilhões em defesa e em armas por ano, quase a mesma quantia que recebem em assistência internacional ao desenvolvimento.

A maioria dos governos tem uma necessidade legítima de dotar-se de equipamentos de defesa. Contudo, “muitos exportadores não contam com um contexto legal e carecem de todo tipo de controle para regular a transferência de armas para países que não contam com suas próprias normativas”, disse Nicolas Vercken, encarregado da campanha para um tratado sobre o comércio de armas, do capítulo francês da Oxfam. “Nosso problema é com as armas usadas para violar os direitos humanos”, acrescentou.

Apenas Grã-Bretanha e Holanda solicitam assessoria às suas agências de desenvolvimento antes de decidirem exportar armas para países em desenvolvimento “É necessário um tratado para marcar o terreno aos vendedores e tapar os buracos”, afirmou Nicolas. “Seu principal objetivo seria proibir a venda quando é claro que existe um risco de servirem para violar os direitos humanos ou criar obstáculos ao desenvolvimento”, destacou.

A campanha para negociar um tratado contra as armas está há algum tempo sobre a mesa na Organização das Nações Unidas (ONU). Em 2009, uma resolução da ONU preparou o caminho para o início das conversações, que começaram em julho do ano passado. Seus promotores esperam ter um pacto até 2012. No entanto, nem todos os observadores compartilham deste otimismo.

“Um tratado será uma forma razoável de controlar um novo acordo de armas”, disse Lauren Gelfand, editor africano da Jane’s Defence Weekly. “Porém, será necessário um nível de transparência que alguns fabricantes estão reticentes em aceitar”, acrescentou. “Infelizmente, não creio que um pacto internacional possa fazer muito para conter o fluxo de armas pequenas devido à quantidade que já está em uso e que é comercializada”, destacou Lauren. As pequenas armas, que podem ser portadas por uma pessoa, como o rifle de assalto AK-47, inundam muitos países africanos.

O Sudão, que não votou a resolução da ONU de 2009 e está prestes a dividir-se em dois após décadas de guerra civil, é um exemplo da pouca regulação das transferências de armas bem como das falhas na supervisão. “O fácil acesso a armas na região, somado aos problemas crônicos de governança do Sudão, fazem com que seja relativamente fácil haver levantes em áreas distantes”, disse Claire McEvoy, que analisa a segurança nesse país para o projeto de pesquisa independente Small Arms Survey, do Instituto de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento, com sede em Genebra. “Quanto mais armas adquirirem os governos de Cartum e Juba (Sudão do Sul), mais armas vazarão das forças armadas para outros setores não estatais mediante roubo, perda, corrupção e venda”, explicou.

Inclusive as armas legitimamente adquiridas pelos governos podem acabar em mãos erradas. “As armas pequenas são especialmente difíceis de rastrear por serem muito fáceis de esconder”, disse Pieter Wezeman, pesquisador do independente Instituto Internacional de Pesquisas para a Paz de Estocolmo (Sipri). “Muitos países africanos têm uma forte cultura de segredo sobre temas de segurança e defesa e seus exércitos costumam ser reticentes em discutir tratados de armas”, acrescentou. Estimativas do Sipri confirmam que o gasto militar na África subsaariana em 2009 girou em torno dos US$ 18 bilhões, uma quantidade ínfima se comparada aos US$ 1,531 trilhão do comércio mundial de armas.

“É importante ter consciência dos efeitos cumulativos da importação de armas”, disse Corey Pein, editor do Waribusiness.com. “O continente acumulou tanta quantidade que os contrabandistas não precisam afastar-se para fazer negócios”, explicou. A África pode não ser o maior mercado para os fabricantes de armas, mas é um dos mais vulneráveis. Um tratado internacional que regule a compra de armas poderá beneficiar as nações menos desenvolvidas, o que explica o motivo de um único país da África subsaariana, o Zimbábue, ter votado contra a resolução.

“A negociação de um tratado é um processo importante, se permitir que haja mais acordos nacionais e regionais sobre o comércio de armas, mas é mais duvidosa a possibilidade de conseguir um convênio que detenha as exportações”, disse Corey. “Naturalmente, nem todos os Estados estão a favor de um convênio”, disse, por sua vez, Nicolas, “Mas se houver um padrão universal, até os que não fizerem parte dele serão politicamente julgados em função desses princípios”, explicou. “Um pacto aumentará a pressão sobre exportadores renitentes, o mesmo que ocorreu com o tratado de Ottawa que proibiu as minas terrestres. Os Estados Unidos não o assinaram, mas acabaram aplicando seus princípios”, acrescentou Nicolas. Envolverde/IPS

FOTO
Crédito:
 © Trevor Snapp / Small Arms Survey
Legenda: Um armeiro do projeto Small Arms Survey salva armas apreendidas em Juba, no Sudão, em junho 2010, durante um processo de desarmamento do governo.

(IPS/Envolverde)

http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=86232&edt=1

Luis Nassif

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