Livro mostra diferenças do estilo de Lula e Dilma

Do Valor

Lula expõe diferença com sucessora em livro sobre governos do PT

Por Cristian Klein | De São Paulo

Da festa na qual conheceu o seu vice José Alencar às metáforas que mostram a propensão a enxergar a realidade pela visão simples, do homem comum, a entrevista com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é o chamariz popular, e ao mesmo tempo revelador da prática política nacional, no livro os “10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma”.

O volume – que será lançado hoje no Centro Cultural São Paulo, às 19h, em debate com a presença do ex-presidente, do sociólogo Emir Sader, da filósofa Marilena Chauí e do economista Marcio Pochmann – traz uma coletânea de ensaios de 23 intelectuais que analisam os feitos, e alguns defeitos, da era petista na Presidência da República, iniciada em 2003.

O destaque, contudo, é mesmo a entrevista concedida por Lula a Pablo Gentili e Emir Sader, organizador do livro coeditado pela Boitempo e pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais no Brasil (Flacso Brasil).

Para os críticos do anti-intelectualismo do líder petista, nas respostas surge, surpreendentemente, um Lula mais analista do que o político retórico. Com o distanciamento de dois anos do poder, o ex-presidente, sem deixar de lado a linguagem direta, expõe as relações com o Congresso, os partidos, os sindicatos, os empresários, numa abordagem em que fica clara a diferença de estilo com a sucessora, Dilma Rousseff.

Se o dogmatismo, a centralização e a tecnocracia têm sido apontados como características de Dilma, Lula mostra como sua cartilha é baseada no relativismo, na divergência de opiniões, na valorização da política, no pragmatismo e na capacidade de esvaziar os problemas.

“Eu lembro que, quando eu cheguei para a apuração do primeiro turno, estava todo mundo nervoso: Duda Mendonça [marqueteiro] e Zé Dirceu [então presidente do PT] na televisão, com o computador… Não conseguimos ganhar no primeiro turno. Eu falei: “Gente, olha, a vitória foi apenas adiada por 40 dias. Vamos ganhar estas eleições””, lembra Lula sobre a campanha de 2002 que o levou à Presidência.

Foi a vitória conquistada depois de três tentativas frustradas e a partir da decisão de fazer algo diferente. Lula, afirma, era inicialmente contra a Carta ao Povo Brasileiro – na qual estabeleceu o compromisso de respeitar contratos – mas estava convicto de que deveria ampliar as alianças à direita. Só não sabia com quem.

Até que, a contragosto, chamado por Dirceu, foi à comemoração dos 50 anos de vida empresarial de um então senador do PMDB – o qual não conhecia – e descobriu em José Alencar o vice ideal: um capitalista, mas que veio de baixo, como ele. “Aí, discursou muita gente, e por último o Zé Alencar. Ele contou toda a história dele e, quando ele terminou de falar, eu falei: “Zé, acabei de encontrar o meu vice. É esse cara aqui””, relata Lula, sobre a festa ocorrida em Belo Horizonte em 11 de dezembro de 2000 (e não de 2001, como registrado no livro).

A coligação com o PL (hoje PR) – Alencar precisou sair do PMDB para fazer a coligação – marcava a inflexão para o aliancismo. Um pragmatismo com o qual o ex-presidente, talvez já tarde demais, demonstre preocupação ao distinguir a existência de dois PTs: um de base, dos militantes, e outro eleitoreiro. O assunto é aproveitado para, indiretamente, justificar o escândalo do mensalão, que abalou seu governo em 2005. “O PT cometeu os mesmos desvios que criticava como coisas totalmente equivocadas nos outros partidos políticos”, diz Lula, depois de afirmar que às vezes tem “a impressão que partido político é um negócio” e antes de defender a reforma política e o financiamento público de campanha. O ex-presidente é responsável pela única menção à palavra mensalão nas 384 páginas do livro.

Mais interessante do que o mea culpa é a demonstração do modus operandi de Lula e sua percepção das instituições políticas e sociais. Para quem acredita que o Congresso viveria de joelhos para o Executivo, o ex-presidente ressalta as dificuldades de se governar e obter apoio no Parlamento – e também fora dele. “Quem ganhar, quem quiser governar, vai ter que conversar com o Congresso, vai ter que conversar com a Câmara, vai ter que conversar com o Senado, vai ter que conversar com o movimento sindical, vai ter que conversar com os empresários. É assim que se governa”, diz.

A repetição é proposital. Lula fala de diálogo, de conflito, como algo natural ao exercício do papel do presidente – o que, na verdade, remonta à sua origem sindical, forjada em mesas de negociação. “É bom que a gente tenha problema para resolver, porque quanto mais problema você tem, mais você exerce a democracia. E quanto mais você resolve, mais forte você fica”, diz.

Lula dá como exemplo o dia em que o senador Antônio Carlos Magalhães (ACM) lhe pediu uma audiência. Na reunião, o cacique do então PFL (hoje DEM) teria lhe dito que mandava nos parlamentares e, se Lula o apoiasse à presidência do Senado, teria em troca qualquer projeto aprovado no Congresso. “O que muitos políticos desejam? Um governo fraco, um governo debilitado, porque aí a pressão aumenta, as exigências aumentam. Quando o governo está bem, fica muito mais fácil governar. Mas, mesmo assim, quando o governo está bem, não deve afrontar o Congresso Nacional. O governo tem que entender que o exercício da democracia é a convivência na diversidade. Eu dizia que a democracia não é um pacto de silêncio”, diz.

Num argumento quase tocqueviliano, Lula afirma que não gosta muito da palavra hegemonia e tem medo de “que se comece a aplicar a ditadura de um partido sobre os demais”. “Feliz da nação que tem como interlocutores instituições fortes, sejam elas partidos, sindicatos, igrejas e movimentos sociais. Quanto mais fortes as instituições e os movimentos sociais, mais tranquilidade de que a democracia estará garantida.”

Pode ser sincero; pode ser ardil. Mas Lula adverte: “Não nascemos para sermos bonitos, nem radicais. Nascemos para ganhar o poder.”

Luis Nassif

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