O bolsonarismo cada vez mais explícito de Pablo Ortellado, por Luis Nassif

Não se sabe se esse tipo de análise reflete o caráter de Ortellado ou se é primarismo analítico mesmo

Foto: IEA/USP

Um experiente jornalista explicou, certa vez, as duas maneiras de defender uma tese ou pessoa: se a tese ou pessoa for defensável, defenda-as; se não for defensáveis, ataque seus adversários. O resultado é o mesmo.

É o estratagema a que recorre Pablo Ortellado, professor da USP, que conseguiu espaço na grande mídia depois de aceitar um contrato da revista Veja – no auge do jornalismo de esgoto – para criminalizar jornalistas que faziam o contraponto a ela. 

Ele montou um trabalho, então, com duas desonestidades intelectuais.

Primeiro, comparou os movimentos de rede entre blogs de direita, claramente geradores de fake news, com blogs jornalísticos críticos da mídia. O trabalho foi apresentado pela Veja em um seminário com o mercado publicitário e resultou na inclusão dos blogs progressistas no index das agências de publicidade.

Depois, mediu a idade média dos seguidores de grandes portais, tipo UOL, G1, com dos blogs dito progressistas. E concluiu que havia um público muito mais jovem nos grandes portais. Desconsiderou que um portal – assim como um jornal – é composto por vários tipos de público, o de esportes, cultura, geral, internacional, política e economia. E o público adulto – e mais bem informado – concentra-se em política e economia. Era esse público que precisaria ser comparado ao dos blogs políticos.

De lá para cá, tornou-se seguidor da máxima: todo problema da direita tem como causa uma falha da esquerda. Se algum bolsonarista agredir um petista, de alguma forma a culpa é do petista que não entendeu os problemas psicológicos do bolsonarista.

E toma por esquerda apenas a militância de rede, que é agressiva em si, independentemente da cor política. Se Ciro Gomes é agressivo com Lula, a culpa é da agressividade da militância da esquerda que o atacou nas redes. Se o bolsonarista expele ódio por todas as ventas é porque, antes, houve algum esquerdista que o esnobou. Se há rejeição a Lula, a culpa é dos petistas que brigam nas redes. E por aí vai.

Sua última obra é um artigo de hoje em O Globo, em que justifica as excrescências do bolsonarismo com os seguintes argumentos

  • Os bolsonaristas defendem as famílias e a família é importante. Como se os críticos da Bolsonaro fossem críticos da instituição família.
  • Os bolsonaristas são contra as drogas e o divórcio por serem a favor da família e da segurança das crianças Como se os críticos do bolsonarismo fossem a favor das drogas e da dissolução das famílias. Liberação das drogas é uma política que nada tem a ver com o estímulo ao uso de drogas. Um bolsonarista defendendo essa tese, é ignorância; um acadêmico da USP alimentando essa confusão, é desonestidade.
  • Os bolsonaristas são esnobados pelas elites culturais e excluídos das universidades, dos museus e das ONGs, como se a responsabilidade por essa exclusão fosse dos acadêmicos e dos artistas e não de um movimento – o bolsonarismo – contrário a cotas sociais e raciais.

A partir daí, atribui a teorias conspiratórias a menção a redes internacionais de ultra-direita. Seu argumento para minimizar a influência das redes internacionais, é que também existem redes internacionais socialistas e ambientalistas. É. E existem também redes internacionais de pedófilos e terroristas. O que elas têm em comum, apenas, é serem internacionais. 

Essa história de algoritmos, dos efeitos de fake news sobre o juízo do eleitor bolsonarista, tudo não passa de teoria da conspiração.

O primarismo analítico

Não se sabe se esse tipo de análise reflete o caráter de Ortellado ou se é primarismo analítico mesmo. Nas manifestações de 2013 ele foi o principal defensor dos black blocs, o movimento anarquista violento que foi fundamental para tirar o movimento das mãos da esquerda e jogá-lo nas mãos da direita – somado à miopia dos partidos de esquerda de não entender o momento da rapaziada.

Movimentos dessa ordem, e em caráter mundial, não nascem de geração espontânea. Há sentimentos difusos no ar, acentuados pela crise das democracias ocidentais. A atuação do Departamento de Estado, dos desenvolvedores de algoritmos, dos financiadores da ultra-direita não se dá no espaço vazio, mas analisando situações e estados de espírito das populações dos países.

Por insuficiência teórica – ou excesso de esperteza política –  Ortellado ignora a complexidade desse modelo, os pontos de semelhança entre o golpe da Ucrânia de 2015 e o impeachment de Dilma, as primaveras árabes e a campanha do Brexit. 

Lava Jato, manifestações pró-impeachment, discurso de ódio da mídia, algoritmos? Bobagem! O que carreou votos para o bolsonarismo foram os shows de Caetano Veloso, de Daniela Mercury, e a expansão das universidades pelo país.

Trata-se do pensamento bolsonarista esperto. O próximo espaço será buscar algum psicanalista que desculpe os excessos de Bolsonaro identificando algum abuso que sofreu na infância. Afinal, sempre há uma explicação benevolente para justificar  650 mil mortos.

E se a esquerda não tivesse criticado tanto ele, talvez o número de mortos poderia ser de apenas 640 mil.

Democracia é coisa frágil. Defendê-la requer um jornalismo corajoso e contundente. Junte-se a nós: www.catarse.me/jornalggn

Luis Nassif

6 Comentários

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  1. Assim como os nazistas fizeram Alemanha o Bozo trabalha com os símbolos, pátria, família, bandeira, religião e Deus e ai cria um inimigo a ser subjugado, na Alemanha no inicio eram os judeus os socialistas, os comunistas etc. No Brasil é o PT, o povo pobre, as minorias mas o primeiro que precisa ser derrotado é o PT. Na Alemanha eles ganharam num primeiro momento com os trágicos resultados conhecidos e foram ate 1945 quando pela guerra as forças mundiais os calaram por quase 80 anos.

  2. Convenhamos, ELE NÃO TEM CULPA DE NADA. A linha editorial de O Globo é dos irmãos Marinho. O sr. Ortellado é só um contratado para fazer o serviço… Como dizia um colega de rádio: desligue o brinquedo e ele não brincará mais. Simples. A menoSS que…

  3. QUANDO OS NOSSOS FILHOS MORREREM POR UM TIRO,DAREMOS FELIZ DIA DAS CRIANÇAS A ELES NO CAIXÃO, FAREMOS ARMINHA E DAREMOS GLÓRIA A DEUS !!!VIVA O BRASIL !!!

  4. Se não fosse este post eu sequer saberia dizer quem é esse sujeito,o que pensa e onde trabalha.
    Não se deve dar importância a essa gente. Eles são apenas empregados pagos para dizer o que seus patrões mandam. São,assim,substituíveis por outros,assim como sucederam a alguns já esgotados.

  5. Pablo Ortellado parece até um clone tardio de Francisco de Orellana com um twist. Enquanto o espanhol perambulou pela região amazonica e morreu procurando a mítica cidade feita de ouro, Ortelllado aproveitou a ressurgência do esgoto autoriátio na política para inventar uma maneira de transformar merda em ouro. Ninguém ficará surpreso se ele acabar morrendo por causa de um flexa perdida.

  6. Obrigada, Nassif, por me informar da existência de Pablo Ortellado. Gostei muito do artigo dele. Independentemente do suposto passado dele, ele traz argumentos extremamente pertinentes para a esquerda refletir o bolsonarismo, e você os rebate de forma ingênua e superficial (como em “como se os críticos da Bolsonaro fossem críticos da instituição família”… ora, é óbvio ululante que muitos são críticos da “família tradicional” tal como defendida pelo pensamento conservador). No mais, continue alimentando a “esquerda avestruz” com munição direcionada ao campo democrático, tal como você fez com a Vera Magalhães no exato momento em que ela foi vítima do bolsonarismo. A atual composição do Senado Federal comprova a ineficiência dessa sua postura. Isso mesmo, pregue apenas aos convertidos nesse momento histórico delicado. Mais uma vez, obrigada.

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