Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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O golpe e a derrota da esquerda, por Aldo Fornazieri

O golpe e a derrota da esquerda

por Aldo Fornazieri

Apesar da forma atabalhoada, da hipocrisia, do cinismo e do condomínio de corruptos de como se compôs e de como iniciou o governo Temer, o fato é que ele tende a se tornar definitivo se uma ampla e unitária resistência dos movimentos sociais e progressistas não se armar contra ele. O golpe, enquanto afastamento de Dilma está praticamente consolidado, pois é improvável que ela volte ao exercício do cargo de presidente. O que não está consolidado é o governo Temer, pois sobraram escaramuças, lutas e batalhas que não terminarão tão cedo. Mas sem uma resistência nacionalmente articulada, com calendário de lutas, com grandes manifestações, os movimentos dispersos tendem a perder força.

O governo Temer promoveu um ataque frontal à cultura, à educação, aos direitos trabalhistas, aos programas sociais, ao SUS, ao Minha Casa Minha Vida, aos direitos civis e de liberdade, estimulando o aumento da repressão. Mesmo assim, não se vê uma contraofensiva organizada e forte das forças progressistas e de esquerda. Existem dezenas de protestos diários contra o governo, mas são dispersos, sem comando, sem direção e sem um sentido único capaz de construir uma ampla unidade que agregue força suficiente para barrar o golpe e de mandar Temer para casa. Se este quadro não for revertido, a esquerda e, particularmente o PT, está diante da possibilidade de uma derrota histórica. Derrota que, em parte, já está consumada com a ascensão do governo conservador.

O fato é que o golpe veio e não houve resistência significativa. Foi algo similar a 1964. Jango resolveu enfrentar o Congresso e os adversários das reformas sob o argumento de que seus inimigos estavam em fuga. Os líderes sindicais diziam que o movimento trabalhista estava forte o suficiente para garantir o governo no poder. Os conselheiros militares diziam que a oposição nos quartéis era constituída por uma minoria. No próprio desfecho do golpe, argumentavam que existia um esquema militar de sustentação do governo. O golpe veio e não houve nenhuma resistência significativa – nem civil e nem militar.

No dia 17 de abril deste ano, dia do golpe, quem estava no Vale do Anhangabaú viu aquela gente se retirar derrotada e cabisbaixa, por mais grotesco que tenha sido o processo de votação da admissibilidade do impeachment. Não havia ânimo para luta. Naquele dia Lula e Dilma avaliavam que tinham garantidos entre 180 a 200 votos na Câmara dos Deputados. Confiaram em Kassab, em Maluf, em Tiririca em Picciani, entre outros. Depois de 13 anos no governo aquela derrota beirou o ridículo pela falta de noção de como é o jogo do poder por parte dos petistas.

O PT dizia que era golpe. Os advogados de Dilma diziam que era golpe. Mas, estranhamente, o PT e seus aliados, participaram das Comissões de admissibilidade do impeachment, tanto na Câmara quanto no Senado, convalidando todo o processo de farsa que foi a votação dos encaminhamentos nas duas Casas. Se era golpe, por que participar? Por que não denunciar o golpe deslegitimando-o pela recusa da participação de um jogo de cartas marcadas nos trâmites congressuais? Qualquer estagiário de análise de conjuntura política minimamente informando saberia que, desde o momento em que o processo foi posto em movimento por Eduardo Cunha. em dezembro de 2015, o desfecho do afastamento de Dilma seria consumado. Mas o PT, seus deputados, seus senadores, seus ministros, Dilma e Lula não sabiam. Não sabiam, tanto que seu alheamento do jogo real do poder permitiu que fossem grampeados por Sérgio Moro. Enfim, o golpe veio e não se viu o “exército do Stédile”, não se viu as forças da CUT lutando nas trincheiras, não se viu os parlamentares petistas enfrentando o golpe com coragem no Congresso. Quem se mostrou combativo foi Luiza Erundina, Chico Alencar, Molon, Jean Wyllys, Ivan Valente, o MTST, Fábio Konder Comparato, movimentos feministas e jovens sem partido.

Por uma tática de confrontação direta

No dia 17 de maio, após o afastamento de Dilma, o Diretório Nacional do PT se reúne para adotar uma resolução para dizer “erramos aqui, acolá e lá”. O documento define como centro tático “Não ao golpe, fora Temer”. Mas não define nenhum conjunto de ações, não chama a nenhuma mobilização, não aponta para nenhuma possibilidade de greve geral, não há a indicação de nenhuma forma concreta de resistência e para nenhum calendário. Já, no dia 22 de maio, a Frente Povo sem Medo convoca uma manifestação no Largo da Batata e se dirige até a casa de Temer no Alto de Pinheiros, montando um acampamento nas redondezas, adotando uma tática de confrontação direta com o golpismo, sofrendo, inclusive, a repressão do Batalhão de Choque.

O documento do PT, por mais incrível que possa parecer, afirma que os petistas foram descuidados com a necessidade de, entre outras coisas, “modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromissos democráticos e nacionalistas…”. O que poderia significar isto? Que os militares poderiam salvar Dilma do golpe? Acreditaria o PT mais nos militares, como acreditou em Kassab, do que no povo? Ora, a maior competência que se pode requerer dos militares, e os currículos e academias precisam atentar para isto, é que eles sejam altamente preparados para a guerra. O compromisso que se deve exigir deles é o compromisso com a Constituição. Ou será que o PT quer recuperar a politização das Forças Armadas, que é a tragédia desviante da função militar que vem se prolongando desde a proclamação da República, abrindo as portas para intervenção das baionetas? O PT precisa acordar do seu torpor e perceber que a conciliação fracassou.

Neste momento, a esquerda e os progressistas precisam entender que de pouco adianta se reunir em anfiteatros para discutir “os caminhos da esquerda diante do golpe”. É preciso adotar uma tática de confrontação, de tensão de forças, como fizeram os secundaristas, como faz a Frente Povo Sem Medo. É preciso politizar a sociedade mostrando o que esse governo significa, o desmonte de direitos sociais e trabalhistas que ele já encaminha, o ataque à Constituição de 1988 que ele promove naquilo que a Constituição tem de mais avançado em termos de criação de um sistema de seguridade social básico.

As esquerdas e as forças progressistas e democráticas precisam se unir se quiserem evitar o agravamento de sua derrota. Se unir, a partir de uma nova pedagogia política, por meio da qual a unidade não dilui a diversidade, o político não instrumentaliza o social e o cultural e o social e cultural saibam que o processo de universalização de direitos e de igualdade é um processo político. Essa união deve se expressar também na adoção de uma tática de tensionamento de forças com o conservadorismo de direita e com os limites legais de uma democracia capturada pelo capital financeiro e pelos interesses do capital global que transforaram o Estado em agência de seus negócios.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

14 Comentários

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  1. Sugestões para uma pauta unificada da esquerda

    Bom, não temos alguns meios que os midiotas têm:

    1 – A imprensa: toda manifestação midiótica tinha o aval e a cobertura da imprensa. Isso ajuda na compactação e união dos protestos. As manifestações da esquerda são marginalizadas e tratadas como organização criminosa;

    2 – Os movimentos fascistas possuíam grosso financiamento externo.

    Em vista disso, eu sugeriria aos movimentos sociais e às lideranças de esquerda o mesmo tipo de organização que os midiotas. Sim, manifestações esparsas e durante a semana não surtem efeito. Do contrário: fornece armas para que os movimentos sejam sempre criminalizados;

    – Organizar com data marcada e com antecipação as manifestações para os Domingos. Apesar da imprensa obviamente não dar a mesma cobertura, isso a obrigaria cobrir o evento;

    – Constância: organizar manifestações periodicamente. A cada mês, a cada 2 meses. E usando novamente o mesmo mecanismo de marcar com antecedência;

    – Unidade: as lideranças devem se unir e pactuar em torno de um plano de ação que concentre as pautas e as coloque em ordem, elegendo uma pauta definida. Cada manifestação deve ter claramente um objetivo e uma coesão central. Deve ter um assunto linear e indubitável;

    – Propaganda: usar as redes sociais e a imprensa alternativa como veículo das manifestações. Angariar o maior número de adeptos possível;

    – Constância: não permitir que se arrefeça o espírito motivador. Manter a fervura.

  2. Domínio da informação

    A maior dificuldade para as mobilizações contra o golpe está justamente no monopólio das comunicações, como já observado pelo comentarista Cintra Beutler. O povão ainda se informa pelo que ouve e vê nos grandes meios, escandalosamente desinformadores.

    A grande arma para furar o bloqueio é a internet e é preciso saber como utilizá-la. 

  3. Vou comentar antes de ler. Depois leio e revejo.

    O título deste artigo já revela que teremos ‘mais do mesmo’, a mesma ‘ladainha’ que tem produzido Aldo Fornazieri nos últimos anos e que eu e outros leitores temos lido e criticado de forma incisiva.Comentário mesmo, farei depois.

    O mais provável é que o autor do artigo o tenha escrito antes da manhã deste dia 23 de maio de 2016, quando redijo estas linhas.

    Passados os dias 21 e 22 de maio de 2016 e os protestos que vêm ocorrendo no País, contra o golpe de Estado, especialmente os que ocorreram em São Paulo e no Rio de Janeiro nestes últimos dois dias, eis que um veículo do PIG, tardiamente publica uma reportagem demolidora. Não mudo uma vírgula nas críticas ácidas que tenho feito aos veículos de mídia nos últimos seis anos. Ao invés de contradizer, a publicação da reportagem de Rubens Valente, na edição de hoje da FSP, confirma exatamente o banditismo do PIG. A reportagem já estava pronta há tempos; a PF já tinha fornecido essas informações ao PIG há tempos; há tempos, também, eu e muitos outros denunciamos a participação da PF, da PGR e do STF no golpe de Estado. Segueo link da reportagem. 

    http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/05/1774018-em-dialogos-gravados-juca-fala-em-pacto-para-deter-avanco-da-lava-jato.shtml

     

    1. A pior coisa para um analista é ser totalmente previsível.
      No comentário que postei hoje pela manhã, eu admiti que escrevi sem ter lido o artigo. Acabo de lê-lo e mantenho o que anteriormente escrevi. Isso quer dizer que Aldo Fornazieri tem sido repetitivo e cansativo, sem trazer nenhuma novidade ou abordagem criativa nas análises que tem escrito.

      Para não dizer que tenho somente críticas a fazer, reconheço que apenas por meio de manifestações organizadas, que apresentem propostas e pontos de vista claros, a Esquerda poderá se fazer respeitar. Manifestações anárquicas, sem liderança, sem comando, sem pauta clara, etc. satisfazem apenas o ego de filósofos, cientistas políticos, sociólogos e outros acadêmicos.

      Uma esquerda desorganizada e que não atue por meio de partido político jamais pode chegar ao poder pela via democrática e implementar um programa de governo que atenda aos anseios das classes populares e trabalhadoras.

      O leitor/analista/estudioso Ricardo Salathiel-Schiel (?) acredita nas manifestações multicelulares de uma Esquerda desorganizada, um tanto anárquica, sem liderança ou comando, sem pauta definida. Segundo ele a Esquerda tradicional, organizada em partido político, de que o maior exemplo foi/é o PT, apodreceu e não sobreviverá.

      Discordo das duas análises extremadas, tanto da defendida por Aldo como dessa pela qual Ricardo demonstra ter simpatia.

  4. A sorte do PT é que a direita que assumiu o governo é muito vuln

    A sorte do PT é que a direita que assumiu o governo é muito vulnerável. A batalha não está perdida. Muito pelo contrário, se bem conduzida à reação ao golpe, o PT e a esquerda sairão fortalecidos. O Michel Temer não pode pisar na rua do país sem ser escorraçado. A conjuntura está favorável ao campo progressista, agora é só uma questão de saber aproveitar a vantagem. Ainda é muito cedo para saber qual será a reação dos brasileiros, muita coisa ainda pode acontecer.

    A sensação que fica é de que o povo já está perdendo a paciência com os políticos. Os golpistas já recuaram com a reação das ocupações feitas pelos artistas, numa clara demonstração de fraqueza do Michel Temer. Foram menos de duas semanas e já há focos de resistências se multiplicando e uma agenda nacional de resistência aos poucos vai se formando. Dificilmente esse governo ilegítimo conseguirá se manter viável por muito tempo.  

    1. Caro Wilton

      1. Jamais menospreze o inimigo (isso é coisa para petistas).

      2. O PT já não tem mais como “se fortalecer”. Foi todo o projeto petista de sociedade que sofreu um xeque-mate. A resistência que surge ao golpe é exatamente aquela que se deu conta disso. Se você quer, de fato, partir para a resistência, esqueça o PT, porque esse, pasme!, ainda sonha com o PMDB para as próximas eleições.

        1. Menos cenografia e um pouquinho só de matemática

          Claro que tem bandeirinha vermelha em toda boa cenografia, Wilton. Se dependesse de cenografia, o PCdoB seria a maior força política do Brasil.

          Mas você sabe o que essas bandeirinhas significam em termos de reconhecimento político? Não mais que 10% da população. Ou o PT acredita ingenuamente que detem a hegemonia dos protestos contra o impeachment?…

          A aritmética é simples: o país está dividido ao meio (vamos tomar de modo conservador os 66% da população que tem certeza de que a remoção da Dilma de modo algum foi feito pelo interesse do país), 10% são os que aprovam o governo Dilma, logo pelo menos 40% (ou seja, 4 vezes mais do que os que “fecham” com o PT)  são “os outros” que NÃO ESTÃO COM O PT.

          Preciso desenhar? fazer infográfico?

          1. Quanto a ter 10% de apoio dos brasileiros, eu sinceramente não l

            Quanto a ter 10% de apoio dos brasileiros, eu sinceramente não levo muito a sério esses números. Pelo menos 1/3 do eleitorado brasileiro é de esquerda.

            Independente de ser o PT ou outra agremiação, a esquerda estará sempre representada. O PT hoje é o partido que possui o maior número de diretórios no país e possui militância capaz de mobilizações e forte apoio de movimentos sociais organizados, o que não é nada desprezível.

            A importância do PT, ou mesmo do PCdoB, é ter militância e capacidade de mobilização. Foi um feito histórico conseguirem reunir 100 mil pessoas na Paulista no momento mais crítico da crise, quando a Dilma tinha menos de 10% de aprovação. Isso diz muito sobre a importância do partido e de sua militância.

            Com relação ao povo de amarelo que clamava pelo golpe, que representavam, em tese, 90% dos insatisfeitos, nesse exato momento estão todos desmobilizados e dispersos. Essas pessoas não tem comprometimento com nenhum ente político. E da mesma maneira como se reuniram eles se dispersaram.

            Quanto aos apoiadores do PT, são sindicatos e movimentos sociais que possuem sentimento de pertencimento e comprometimento e podem parar o país. A CUT, por exemplo, controla o sindicato dos Bancários de São Paulo, que se resolverem entrar em greve o país entra em colapso. Além disso, movimentos sociais como MST e MTST podem parar o fluxo de capital e causar danos significativos no país.

            Quanto aos movimentos de classe média que apoiaram o golpe, não possuem a coerência e a disposição para abalar qualquer estrutura de poder. A única coisa que eles servem é de massa de manobra para encorajar setores golpistas a avançarem sobre as instituições democráticas do país.

            O PT, o PCdoB, o PSOL, a CUT, o MST, MTST ou qualquer partido de esquerda e movimentos sociais numa análise de conjuntura da política nacional possuem uma lógica bem mais refinada do que meros dados estatísticos fornecidos pela mídia corporativa. 

          2. 1/3 do eleitorado é muito

            1/3 do eleitorado é muito otimismo. Votar na esquerda não significa ser de esquerda. Simpatizar com causas sociais não torna o eleitor um socialista. O discurso das esquerdas, com sua luta pelos mais pobres realmente engana muitos que acabam votando nos partidos socialistas. Mas os revolucionários, militantes, aqueles que não tem perfil conservador, que participam de coletivos, sindicatos, ongs e movimentos sociais não devem chegar a 10% da população. Os outros 23,33% (do 1/3 citado) se apresentados profundamente aos objetivos do socialismo setir-se-iam ameaçados e tenderiam ao conservadorismo.  Eu mesmo que sempre atuei no meio esquerdista, que atuei em planejamento de campanhas para vereadores, deputados e prefeitos em Goiás, que sempre estive presente em importantes manifestações políticas, sociais e culturais da cidade, quando entendi de modo objetivo o que é socialismo, aflorei todo o conservadorismo latente que me norteava minha vida. E a vida real, aquela que me permite ter contato diário com o povo, trabalhador, batalhador e sofrido me mostram que a rejeição ao PT e as esquerdas é muito alta entre os muito pobres e que os valores tradicionais é que constroem a perspectiva de futuro dessa parcela da população. E convenhamos, se 10% impõe um sistema político e econômico aos outros 90% o nome disso é ditadura e não democracia. 

    1. que pessimismo…

      Que a centro esquerda era incompetente e acabaria por si só, mas acusando os outros, eu já sabia há 2 décadas. É só ler os livros de história do 2.o grau, não precisa ser um gênio. O Brasil é o cachorro atrás do rabo. A cada 30 anos o alcança e…decepção? Que o que vem a seguir é atraso e mais do mesmo também já sabia. Mas os últimos “santos” despencaram do céu. Os intelectualóides de esquerda ficaram sem discurso, e o povo não tem mais um salvador para chamar de seu. Graças a Deus (para quem acredita Nele). Voltaremos a bater cabeça?  Voltaremos com o mesmo discurso do século passado? Aceitaremos eleições obrigatórias, vergonhosamente caras e controladas em país que crucificava um ídolo por suposta afirmação que o povo não sabia votar? Ou exigiremos do Estado que cumpra minimamente suas tarefas? Já seria a glória!!! Acabaremos com marajás da Casa Grande, senhores da senzala, bancados até a 5.a geração com salários, verbas e pensões nababescas.O Estado brasileiro não é Capitania Hereditária, não é mesmo filho do Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes. A avó é do Tribunal de Contas de PE e o rapaz com 20 anos ganhou um cargo de secretário do estado, se não me engano? Era este o pensamento de centro esquerda que mudaria o Brasil definitivamente? Quanta hipocrisia!!!

  5. O Fornazieri insiste!

    O Fornazieri insiste em falar de “derrota da esquerda”. Bom, derrota exatamente do quê?

    O que saiu derrotado foi o projeto petista de política. Esse afundou de uma vez por todas, não se aguenta mais nas pernas e não tem mais capacidade convocatória.

    O “centralismo” que o PT exercia no campo das esquerdas foi por água abaixo. Aliás, isso já tinha se mostrado em junho de 2013, mas é óbvio que o PT jamais sonhou em admiti-lo, como ainda não sonha em encarar a realidade.

    Se “a esquerda” tivesse sido “derrotada”, toda ela padeceria desse estado catatônico em que o PT se encontra, sem ser capaz de enxergar coisa alguma exatamente porque o chão lhe sumiu debaixo dos pés.

    Mas é o próprio Fornazieri que reconhece:

    “Quem se mostrou combativo foi Luiza Erundina, Chico Alencar, Molon, Jean Wyllys, Ivan Valente, o MTST, Fábio Konder Comparato, movimentos feministas e jovens sem partido.”

    Isso que a tosca mentalidade leninista do Fornazieri vê como “sem comando” é, na verdade, a esquerda viva, a que não foi derrotada. E é bom que não tenha comando nenhum agora, porque seria muito mais fácil, no atual estado de ânimos da repressão, decapitar qualquer comando. Melhor deixar a direita acreditando que Lula ainda é o “comando”, enquanto a esquerda viva se capilariza em uma infinidade de caras, na linha de um largo horizonte social.

    Não há porque esperar alguma articulação agora, porque realmente não há mais projeto unificador. O “projeto” do PT era, antes, um engodo; politicamente, uma miragem, como já escrevi em outro lugar.

    O projeto do PT era e é o suicídio da esquerda, como está sendo devidamente comprovado agora. Ele era inviável, senão como reciclagem perfumada do eterno projeto da direita de sustentar a vigência da lógica do privilégio como padrão regulatório profundo.

    O projeto do PT tanto era um engodo que caiu de podre, sem resistência. Se fosse um projeto consistente, seriam preciso as forças armadas do Pinochet para derrotá-lo.

    A resistência virá da sociedade e não de um punhado de coronéis dos gabinetes; virá do consócio de esforços e não da obediência a um diretório burocrático; virá do que insiste em permanecer vivo e que, de forma alguma, foi derrotado. A derrota do PT apenas nos fortalece.

    Exatamente no momento em que se comemoram os cinco anos do 15M espanhol, o Movimento dos Indignados, é que podemos vislumbrar no horizonte do Brasil o despertar de uma cidadania que havia sido calada pela politicagem de um progressismo covarde, excluída da política pela antipolítica do consumo.

    Não querer ver onde está a vida pulsante da sociedade, em nome de formalismos eleitorais, é renunciar à sociologia em nome de uma bricolagem de personalidades, é abandonar a ágora pública, mesmo que informe e indomável, para se refugiar nas páginas da revista Caras.

    Ainda está longe de que a esquerda seja derrotada apenas porque assim o declarou um apressado qualquer, cego para as possibilidades que escapam aos seus preceitos, não mais que ébrio com a sua melancolia burguesa.

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