O Irã e a guerra na Síria

Por Marco Antonio L.

Do redecastorphoto

A proposta do Irã ao ocidente, sobre a Síria

MK Bhadrakumar*Rediff BlogsIndian Punchline
Iran’s overture to the West on Syria
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
 
O artigo publicado essa semana no Washington Post e assinado pelo ministro das Relações Exteriores do Irã Ali Akbar Salehi foi claramente dirigido às potências ocidentais. Os processos de pensamento são complexos, mas diretos – um mix de advertências e aberturas.

timing da coluna no WaPo merece atenção: a missão de Kofi Annan gorou e Lakhdar Brahimi está saindo das sombras. Brahimi é o especialista em conflitos que envolvam forças islamistas — logo vêm à cabeça o Líbano, o Afeganistão – preferido do ocidente. Tem currículo consistente na arte de criar a ilusão de que haja negociações em curso onde nenhuma negociação exista, e a real discussão prossiga, inalterada, no campo de batalha. Kofi é independente demais; Brahimi obedece, em tempo integral. No momento, o ocidente quer muitíssimo Brahimi.Em segundo lugar, a luta na Síria está trocando de marcha. A guerra civil começa a pleno vapor. O suprimento de mísseis Stinger, da Turquia para os rebeldes sírios, está pensado para mudar completamente o jogo. Contra esse pano de fundo, a visita que a Secretária de Estado Hillary Clinton dos EUA fez nesse fim de semana a Istambul também é altamente simbólica. Foi pensada para inflar a moral murcha da liderança turca. Isso dito, Teerã avalia que também pode ser inspirador avançar sobre o ocidente – Washington incluída – com vistas aos movimentos futuros. No momento, Teerã já se habituou à retórica de Clinton, nuvem para encobrir a angústia.

Em terceiro lugar, Rússia e China recolheram-se às coxias e estão cuidando, cada uma, da própria vida rotineira. Assim, a arena da paz ficou deserta. Todos os spots estão acesos, mas o palco está vazio. Então o Irã avança, com uma abertura letalmente atraente e super excitante.
 
É difícil dar simplesmente as costas à oferta iraniana, embora seja também oferta intrigante de aproximação a uma porta que, sabe-se lá, talvez abra diretamente para o jardim florido. Claro: é oferta que não serve aos EUA – e, provavelmente, Salehi também sabe disso. Mas ninguém perde nada por tentar.
 
Salehi alerta que o Irã não permitirá que EUA e Turquia marchem sobre a Síria como se marchassem sobre grama fofa. A guerra civil será sangrenta, dura e longa e é possível que faça os 15 anos de conflitos no Líbano parecerem piquenique. (Por falar nisso, dos cacos do Líbano brotou o Hezbollah.) Obviamente, a aposta é alta, para o Irã, porque vive na mesma região, e o Irã defenderá seus interesses essenciais absolutamente a qualquer custo. Mas o ocidente ou a Turquia suportarão uma guerra longa na Síria?
 
Salehi destaca que usar o islamismo como instrumento de política tampouco funcionará. Por quê? Porque o aliado natural dessas forças históricas é o Irã, não os EUA e a Turquia. É o mesmo que dizer que, no longo prazo, só o Irã pode vencer na Síria (ou no Egito), com ou sem mudança de regime. Além do mais, o Afeganistão também é prova de que a volta do chicote no lombo do chicoteador é inevitável, se o mundo cristão tenta manipular forças islâmicas.
 
Contudo, o Irã está interessado em cooperar com o ocidente, dado que seus interesses repousam, primariamente, na estabilidade regional e em campo de jogo limpo e aplainado. Assim sendo, o Irã deseja jogar o mesmo jogo que jogou quando auxiliou a invasão dos EUA ao Afeganistão para derrubar o regime dos Talibã e quando se mostrou tão extraordinariamente comedido no Iraque (onde o Irã, se quisesse, poderia ter tornado as coisas muito mais sanguinolentas para os EUA).
 
A grande questão é a natureza da “cooperação” que Teerã tem em mente. Salehi deixa bem claro que o Irã considera inaceitável que Bashar seja derrubado da noite para o dia. É indispensável que haja alguma transparência e clareza no processo, antes de Bashar deixar o governo. Bashar, afinal, também é parte da nação síria e tem também seus direitos.
 
Assim sendo, Salehi tenta o ocidente com uma proposta: a comunidade internacional deve conseguir que Bashar candidate-se e concorra a uma eleição à presidência da Síria, eleição livre e justa, sob supervisão internacional. Afinal, só a nação síria tem direito e competência para rejeitá-lo.

gora… A proposta de Salehi será aceita em Washington ou Ankara (Istambul), Riad ou Doha? A resposta é rotundo “não”. O espectro que assombra o ocidente é que, em eleições livres e justas, é perfeitamente possível que os sírios escolham Bashar como âncora de estabilidade para seu país. Sem dúvida, sim, o fator NHA (“Não Há Alternativa” a Bashar) tem seu peso, se se espera que a frágil sociedade multicultural síria não rache em pedaços.
 
Para piorar, eleição livre e justa na Síria (depois da que houve no Egito, com resultado diferente do previsto) sempre será anátema para os xeiques árabes do Golfo. É ideia perigosa, essa de o chefe de estado ser eleito. Se a perniciosa ideia funciona para a Síria, o povo saudita bem pode começar a pensar que também merece a mesma prerrogativa, afinal, já na segunda década do século 21. E muito obviamente, tampouco os EUA quererão libertar o gênio da garrafa democrática. Salehi jogou uma bela cartada. Abaixo, podem lê-lo, de viva voz, no artigo publicado no Washington Post.

Ali Akbar Salehi
8/8/2012, Ali Akbar Salehi, Washington Post
Taking the lead on Syria” (traduzido)
 
Os humanos frequentemente erramos quando não aprendemos com a história, mesmo a história recente. Guerra civil no Levante não é coisa do passado remoto. Com a Síria mergulhando em violência sempre crescente, os 15 anos de guerra civil no Líbano deveriam servir como assustadora lição sobre o que acontece quando se rompe a tessitura de uma sociedade. 
 
Quando o Despertar Islâmico – também chamado Primavera Árabe – começou em dezembro de 2010, todos vimos as multidões em levante, clamando por seus direitos. Todos testemunhamos a emergência de movimentos civis que exigiam liberdade, democracia, dignidade e autodeterminação. 
 
Em Teerã, acompanhamos deslumbrados e felizes aqueles desenvolvimentos. Afinal, um movimento de cidadãos a exigir as mesmas coisas que muitos árabes desejam hoje foi o que levou à emergência de nossa República Islâmica, em 1979. Ao longo das últimas três décadas, o Irã afirmou e reafirmou consistentemente que é dever de todos os governos respeitar os desejos e clamores do próprio povo. Mantivemos essa posição enquanto se desenrolava o Despertar Islâmico, sem mudanças enviesadas que variassem conforme a localização do movimento civil. Sempre estivemos a favor da mudança para atender aos clamores populares, fosse na Síria, no Egito, ou em qualquer outro ponto. 
 
Mas o que querem para a Síria outros membros da comunidade internacional? Infelizmente, tem havido respostas conflitantes aos movimentos civis que varrem o mundo árabe. Exemplos gritantes dessas contradições veem-se no Bahrain e no modo como alguns países responderam à brutalidade da repressão contra a população naquele país. 
 
A resposta europeia à crise na Síria tem sido particularmente contraditória. Pouco, praticamente nada, se diz sobre a presença de número sempre crescente de extremistas armados na Síria. Apesar de sempre preocupados com o crescimento do extremismo no Afeganistão, a milhares de quilômetros de distância, os líderes europeus não dão sinal de preocupação ante o fato de que, muito rapidamente, poderão ter um Afeganistão bem ali, à porta de casa. 
 
Tomando emprestadas palavras de meu respeitado amigo Kofi Annan, que há poucos dias renunciou ao posto de enviado especial da ONU para o conflito sírio [1], depois de ver seus esforços para construir a paz serem repetidamente boicotados, meus militares sozinhos não conseguirão por fim à crise, e qualquer agenda política que não seja nem inclusiva nem compreensiva também falhará. 
 
O Irã busca uma solução que interesse a todos. A sociedade síria é um belo mosaico de etnias, fés e culturas, e será reduzida a cacos, se o presidente Bashar al-Assad for deposto por meio violento. A ideia de que, depois da remoção violenta do presidente sírio, seja possível algum tipo de transição ordeira não passa de ilusão. 
 
Embora os esforços de Annan para por fim a crise estejam encerrados, seu plano de seis pontos para mudança política mantém-se vivo e forte. Por que continuar a semear a discórdia, quando a situação pode ser resolvida racionalmente, com sabedoria e prudência? Os que apoiam a violência na Síria não veem que jamais conseguirão o que querem, pelos meios que usam. 
 
Mudança política abrupta sem um mapa do caminho para uma transição política administrada só levará a situação cada dia mais precária que desestabilizará uma das regiões mais sensíveis do mundo. O Irã é parte da solução, não do problema. Como o mundo testemunhou durante a última década, atuamos como força de estabilização no Iraque e no Afeganistão, dois outros países muçulmanos jogados hoje em torvelinho. A estabilidade de nossa região é essencial para a paz e a tranquilidade mundiais. 
 
Algumas potências mundiais e certos estados na região têm de parar de usar a Síria como campo de batalha para definir disputas por influência. A única saída para o impasse é oferecer aos sírios uma chance de encontrarem, eles mesmos, a saída. 
 
Tomando em consideração o plano de seis pontos de Annan, o Irã espera conseguir reunir países que pensem da mesma forma para implementar três pontos essenciais: obter imediato cessar-fogo, para por fim à matança; enviar ajuda humanitária ao povo sírio; e preparar o terreno para um diálogo que resolva a crise. 
 
Anuncio aqui a disposição do Irã para receber, como anfitrião, uma reunião de países comprometidos a implementar imediatamente esses passos, com vistas a por fim à violência. Como parte de nosso compromisso com resolver a crise, reitero nossa disposição para facilitar conversações entre o governo sírio e a oposição e para realizar no Irã, esse diálogo. 
 
Além disso, alinhado com o plano de seis pontos de Annan, declaro mais uma vez o apoio do Irã a um processo de reforma política na Síria, que permita que o povo sírio decida sobre o próprio destino. Aí se inclui assegurar que os sírios têm pleno direito de votar em eleições livres e justas, a serem organizadas, sob supervisão internacional. 
 
Com o mês sagrado do Ramadan aproximando-se do fim, rezo para que os sírios possam quebrar seu jejum em paz e estabilidade, o mais rapidamente possível – em nome dos interesses dos sírios e de todo o mundo. 
 

Nota de rodapé: 
[1] 2/8/2012, Washington Post, em: Kofi Annan quitting as envoy to Syria, blasts nations’ inability to unite to stop violence

MK Bhadrakumarfoi diplomata de carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética, Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e Turquia. É especialista em questões do Afeganistão e Paquistão e escreve sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as quais The HinduAsia Online e Indian Punchline. É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista, tradutor e militante de Kerala.


Luis Nassif

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