O passado morreu, por Cláudio Lembo

Do Terra Magazine

O passado morreu

Por Cláudio Lembo

O funeral de Hugo Chávez, examinados os inúmeros vídeos e fotografias, reproduzidas pelos jornais e pela internet, aponta para um curioso registro. A maioria dos participantes das múltiplas cerimônias se encontrava de camisa esporte. Nada de gravata. Longe, muito longe, casacas ou fraques tão comuns no passado colonial.

É elemento de aparente pouca importância. No entanto, aponta para uma nova realidade sul-americana. Os velhos costumes importados pelos oligarcas foram superados.

Venceu a singeleza dos trajes dos povos submetidos por séculos às imposições externas. A estultice correspondente ao uso de fraque, no calor do Rio de Janeiro, durante todo o Império e Velha República, acabou.

Assumiu-se a realidade do entorno. Esta suplantou antigas regras de etiqueta, sempre ensinadas nos colégios destinados a isolar os descendentes das famílias ditas tradicionais.

Os novos trajes – utilizados inclusive em cerimônias fúnebres, apontam para novos costumes e novas realidades. Durante séculos, as oligarquias dominaram todo o panorama política deste Continente.

Os partidos eram clubes fechados e os seus membros escolhidos entre os detentores do poder econômico. Nada de povo. Este era mantido a distância e longe dos recintos exclusivos de alguns poucos.

Tudo passou. Romperam-se as castas sociais. Movimentaram-se os excluídos. As forças armadas já não são integradas pelos grandes estancieiros. Democratizaram-se.

A partir dos anos 70 esta onda de mudanças, em graus diferentes, de acordo com suas histórias, alcançou todos os países desta América. As mudanças foram muitas e notáveis.

Grandes contingentes humanos passaram a reivindicar. A exigir espaços de liberdade e ganhos sociais. As antigas elites não possuíam discurso para esta nova situação.

Surgiram personalidades originárias do mais profundo da sociedade. Estas, por terem pontos semelhantes com as grandes massas, tiveram avassaladoras vitórias eleitorais.

Aconteceram no Brasil, Uruguai, Equador, Venezuela, Peru e Bolívia. As novas lideranças, amalgamadas pela vontade popular, naturalmente, falam e se vestem de acordo com seus iguais.

A este fenônemo muitos dão o nome de populismo. Apontam este como intervenção emocional no cenário da política. É possível que esta afirmação seja verdadeira. Ocorre que as anteriores oligarquias – espalhadas por todo o Continente – mostraram-se durantes séculos absolutamente alheias à miséria endêmica de seus povos.

Hoje, há amalgama entre governantes populares e as sociedades representadas. É possível que muitos atos dos populistas possam levar a no futuro a situações econômicas heterodoxas.

Não é, porém, com fome generalizada e milhões vivendo em pobreza extrema que se pode atingir uma democracia funcional. É preciso dar primeiro o alimento básico e concomitantemente educação.

O aperfeiçoamento democrático virá inexoravelmente. Basta preservar os elementos mínimos para a sobrevivência digna das pessoas. Chamar estes surtos de prioridades de populismo é exagero semântico.

A América meridional avança, aos trancos e barrancos, em busca da concepção de princípios próprios à sua História e realidade. Ontem, como hoje, só os insensíveis não querem perceber esta novidade.

Ela, no entanto, veio para ficar. Antigas concepções foram atiradas à distância, tal como aconteceu com as gravatas ausentes nos funerais de Hugo Chávez.

Luis Nassif

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