O relato de um fotógrafo agredido nas manifestações do RJ

Por Carlos Affonso Mello

Prezado Nassif,

Sou jornalista e filósofo. Moro no Rio de Janeiro e acompanho seu blog desde as eleições de 2010. Segue um vídeo que gostaria que você assistisse. O jovem Pedro é amigo meu e da minha família, mas poderia ser qualquer outra pessoa, de qualquer outra família..
Se achar importante, pode divulgar e/ou repassar.

Desde já, agradeço sua atenção e possível ajuda. Abs,

Carlos MelloA Carta escrita:

Nota Pública – Pedro Guimarães Lins Machado

Meu nome é Pedro Guimarães Lins Machado, carioca, nascido 12/11/1986, em Botafogo, no Rio de Janeiro.Eu sou fotógrafo, sou apaixonado pelo o que faço; faz parte de como vejo e me relaciono com o mundo. Venho acompanhando algumas das manifestações que ocorreram, de forma mais intensa, a partir do mês de junho, inclusive a do dia 11 de julho de 2013. 

Neste dia 11, após a violenta dispersão da passeata que ocorria na Avenida Rio Branco, me encaminhei para o Palácio Guanabara com o intuito de continuar registrando os protestos, chegando lá em torno das 19:30h. A PMERJ fazia um cordão de isolamento em frente ao Palácio, e o clima não era tenso. Aos poucos, as pessoas chegavam do Centro e a atmosfera ganhava intensidade. Posicionei-me à direita do Palácio, visivelmente fora do foco de onde o conflito se iniciou instantes depois. Perto de mim estavam outros profissionais de imprensa, filmando e fotografando o ato. Durante as manifestações, sempre me portei como a imprensa, desde a maneira de me vestir até de me comportar. Em momento algum interagi com os manifestantes, nem gritei palavras de ordem, apesar de ser simpático a algumas pautas das manifestações. 
Assim que se iniciou a confusão, os manifestantes se dispersaram. Enquanto colocava a máscara de gás, busquei abrigo perto de uma árvore na mesma calçada do cordão policial. Com o início do confronto, o cordão dos policiais que protegia o Palácio foi reposicionado, fechando a rua às minhas costas. Nesse momento fui atingido por trás, no lado direito da cabeça; o tempo todo eu olhava para o foco da confusão, o que me faz acreditar que fui atingido pela polícia no momento em que ela atirava as bombas de gás e de efeito moral em direção ao ponto principal do conflito. Tudo isso ocorreu em segundos, os manifestantes ainda se afastavam da frente do Palácio e só havia outros profissionais de imprensa e policiais perto de mim. 

Atordoado, me afastei e logo fui conduzido por um desconhecido à Casa de Saúde Pinheiro Machado. Fui internado no CTI com traumatismo crânio-encefálico e permaneci internado por cinco dias. Ainda que com boa recuperação, estou impossibilitado de trabalhar por um mês, tomando remédio anti-convulsivo e vou passar o próximo ano sob observação neurológica com possibilidade de perda de memória, dores de cabeça constantes e dificuldade de concentração. 

Sob nenhuma condição agentes do Estado podem agir de forma desproporcional, sem resguardar os direitos fundamentais dos indivíduos. O que percebi ao longo desses eventos é que a Polícia é muito bem treinada e organizada, mas não para preservar esses direitos. Não se trata de um comportamento excepcional, mas sim de um modo de operação recorrente e violento. A ação da Polícia Militar não se dá de modo a garantir a dignidade das pessoas e a integridade do patrimônio público e privado; pelo contrário, ela instiga a violência e o conflito. O que presenciei nesses eventos é que com a ação da Polícia a violência e a barbárie se generalizam. O discurso policial calcado na ordem está funcionando de forma binária, transformando todo manifestante ali presente num inimigo do Estado, inclusive, de forma sádica, rindo da vulnerabilidade civil. A parte da cidade que hoje é vendida como Cidade Maravilhosa experimenta a tradicional política de repressão historicamente reservada às periferias e favelas; o que não é inédito é o modo cínico como grande parte da mídia e o poder público vêm tratando o verdadeiro Estado de Exceção que se instaurou de maneira generalizada a partir de junho desse ano. Trata-se de um serviço de desinformação, ou melhor, um desserviço público.

O que me deixa mais triste é perceber, nas conversas cotidianas, que a intervenção desmedida da Polícia Militar é sempre relevada em função de um suposto mau comportamento por parte dos manifestantes, o que não é a realidade prática das passeatas. Esse tipo de ação policial é condenável sob quaisquer condições.

Em qualquer país verdadeiramente democrático, os responsáveis pelas forças de segurança/repressão – o comandante da PMERJ, o Secretário de Segurança e o Governador do Estado do Rio de Janeiro – devem prestar contas e responder pública e judicialmente por essas recorrentes violações aos Direitos Humanos. 

Por sorte não desmaiei e graças a minha condição social eu pude ser prontamente atendido num hospital particular. Agradeço ao desconhecido que me conduziu ao hospital e a toda equipe da Casa de Saúde Pinheiro Machado.

Luis Nassif

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