A morte de Octavio Tostes e a manipulação do debate de Collor e Lula.

Jornalista foi responsável pela edição do debate entre Lula e Fernando Collor, em 1989; Tostes não resistiu a uma parada cardíaca

O jornalista Octavio Tostes. Foto: Reprodução/Redes Sociais

Jornal GGN – O jornalista Octavio Hermanny Tostes faleceu aos 62 anos neste sábado (31/10), vítima de parada cardíaca no Rio de Janeiro, onde passava férias.

Formado em jornalismo pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Tostes passou pelo jornal O Globo, TV Globo, CNN, CBS Telenotícias do Brasil, TV Gazeta e AOL Brasil, entre outras empresas. Desde 2011, Tostes trabalhava como coordenador e editor de jornais da Record TV.

Tostes foi o responsável por duas edições do último debate entre os candidatos à presidência Fernando Collor de Mello e Luiz Inácio Lula da Silva, em 1989. A primeira edição foi acompanhada por Francisco Vianey Pinheiro, o Pinheirinho (responsável pela edição de política na TV Globo em São Paulo), mas a segunda edição, supervisionada por Ronald de Carvalho, então editor de política e chefe direto de Tostes, e Alberico de Souza Cruz, então diretor de telejornais de rede, culminou em um dos episódios mais vergonhosos do jornalismo brasileiro.

Em gravação realizada ao projeto Memória Globo, Tostes explica o que houve na segunda edição do vídeo, usada no Jornal Nacional. “É para fazer uma edição com o melhor do Collor e o pior do Lula. Bota aquele negócio da sub-raça, que era um deslize do Lula durante o debate em que o Lula, querendo dizer como a miséria criava pessoas que eram uma sub-raça no Nordeste, ele falou de uma maneira – ele estava nervoso – e isso ficou parecendo como se ele tivesse um preconceito contra essa sub-raça, o que era absolutamente impensável porque ele era um representante dessa sub-raça na condição de nordestino pobre. Mas isso passou a impressão, no debate, de que ele estava falando… O Ronald me pediu para colocar isso. Me pediu também para botar uma outra coisa, da qual não me consigo me lembrar, pelo trauma profissional e pessoal que representou para mim fazer essa edição”

Tostes explica que recebeu, somadas as orientações de Ronald e de Alberico, a instrução de pegar a edição usada no Jornal Hoje, e ao contrário do que foi pedido por Pinheirinho de fazer a troca das artes e repetir o que foi veiculado anteriormente, foram incluídas imagens que desequilibravam a edição favoravelmente a Collor.

“O Pinheiro, quando me perguntou como é que estava a edição e se eu estava repetindo a do Hoje, comentou na hora que tinha falado com o Armando (Armando Nogueira, diretor de jornalismo da Globo), e que o Armando (segundo o Pinheiro) tinha consultado o comitê, que era como eram referidos os acionistas na época, e que a orientação era repetir”.

“Diante disso do que o Pinheiro, eu disse ‘olha, não foi essa a orientação que eu recebi do Ronald e do Alberico. O Pinheiro disse ‘então é com você'”, disse Tostes. “Depois, eu estava terminando a edição na ilha 07, já na frente do corredor, e Alberico chegou, viu o VT, autorizou a subida – me lembro que o VT subiu 15 para as oito, acho que já estava fora do deadline ou ainda no limite máximo do deadline, e quando a matéria foi ao ar, não sei se expressando uma emoção minha ou reagindo a algum clima da redação, eu disse textualmente ‘isto não é jornalismo, este é o serviço mais sórdido que eu já fiz na minha vida'”.

A íntegra do depoimento de Tostes pode ser vista clicando aqui.

Redação

7 Comentários

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  1. Tadinho…morrendo de pena dele…
    É muito engraçado como certas pessoas são tão canalhas mas tão canalhas que sempre se colocam como vítimas de falsos dilemas, buscando justificar o injustificável.
    Uai, bastava dizer não e colocar a boca no trombone, e quem sabe ter feito parte da história, ao invés de ter chafurdado no seu lixo.
    Que se f*da no inferno.

  2. Eu era jovem na época e assisti a essa edição do Jornal Nacional, como a maioria do país. Era evidente a manipulação, mas não foi o principal noticiário da Globo que definiu a eleição de 89, criou-se muita lenda em torno disso. O perigo é a lenda se tornar a história.
    Votei em Mario Covas no primeiro turno e no Lula no segundo, mas sabia que ele estava derrotado.
    Fernando Collor era um demagogo vulgar, mas trazia um discurso de modernização do Estado, de acabar com os privilégios dos funcionários públicos, de eliminar a tragédia da burocracia, que atormenta a vida dos pobres – era essa a ideia por trás da pose de “caçador de marajás”.
    E foi exatamente por esse discurso que ele saiu de 2% nas pesquisas em abril e chegou a 37% em novembro. Fora de Alagoas, ninguém sabia quem ela era.

    1. Caro.
      A questão não é analisar se Collor ganhou ou não por seu discurso ou pela edição.
      Na verdade, a conjuntura não é linear nem monocromática.
      Podemos dizer que vários fatores contribuíram, dentre eles a famosa edição.
      Agora o candidato escolher uma narrativa(como ele fez) e uma concessão pública de TV usar esta outorga pública para agir comi partido é muitoooooo diferente
      E já que é para especular, cabe perguntar: e se o público soubesse o que houve antes de votar?
      Se finado canalha, como Nogueira, outro canalha finado se rebelassem?
      Mas de tudo fica a lição: jornalista bom é o que já morreu.

  3. “e quando a matéria foi ao ar, não sei se expressando uma emoção minha ou reagindo a algum clima da redação, eu disse textualmente ‘isto não é jornalismo, este é o serviço mais sórdido que eu já fiz na minha vida’”.”

    E no entanto ele prestou o serviço, mesmo tendo clareza de que não era jornalismo e mesmo sabendo que não havia consenso na direção sobre a edição, o que lhe dava margem para recusar o serviço sujo.

    O que mais sórdido do que o serviço prestado é ter consciencia da sua sordidez e ainda assim continuar a fazer, não um mal involuntário, inconsciente, é pior, é muito pior, é uma banalidade racional.

    Que a terra lhe seja pesada.

  4. O DIABO NÃO ACEITA DEVOLUÇÃO ! ! !
    Em tempos de hiper conectividade nas redes proporcionada pela internet , as notícias fluem, independente da vontade de seus protagonistas.
    A morte do jornalista citado na reportagem abaixo, profissional cujo nome é desconhecido da imensa maioria dos leitores brasileiros, entra no noticiário e na história pelo seu pior, saindo da vida pela porta dos fundos. Nossos passos são indelevelmente marcados pelas atitudes que tomamos conscientemente e nos acompanharão na vida e na morte.
    A ética não está no contrato com o chifrudo do tridente e o acordo é vitalício, é direito adquirido de satanás, é ato juridicamente perfeito e a eternidade na podridão do inferno é coisa julgada. Desse carimbo, ninguém que age em vida como ser desprezível, se livra.
    O demônio só faz contrato leonino e quem se dispõe a assiná-lo, o faz para o resto da vida e da morte.
    No estatuto do inferno não há o código de defesa do consumidor. O rabudo não aceita devolução ! ! !

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