Patriota e senador boliviano em giro pelos jornais paulistas

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – A fuga do senador boliviano foi o cenário de fundo. A saída de Patriota foi o grande brilho nas manchetes dos jornais Folha e Estadão. O foco é Patriota, apesar do espaço concedido ao senador boliviano. Entra em cena a relação ‘desgastada’ entre Dilma e o ministro das Relações Exteriores, bem como o perfil do novo chanceler, Luiz Alberto Figueiredo Machado, que teve forte atuação em temas relacionados às mudanças climáticas.

O Estadão, em editorial, alfineta Dilma, afirmando que o diplomata fez a diferença entre teoria e prática na cartilha humanitária apregoada pelo Brasil ao mundo, em que exorta a priorização dos direitos humanos. E critica a relação dos governos petistas, Lula e Dilma, com Evo Morales, nunca o pressionando (e cita o episódio da nacionalização do setor de petróleo e gás com invasão militar da refinaria da Petrobras) e apresentando certo temor ‘reverencial’ diante do presidente bolivariano. A amarração do editorial é da defesa inconteste da ação do diplomata, exortando o Itamaraty a aprender com ele ‘a ser mais coerente com o que apregoa’.

A demissão de Patriota é tratada como o episódio final de uma relação já desgastada com somatória em cima de afirmação de que a presidente nunca foi muito afeita à diplomacia, mas que gostou, de início, da postura discreta do embaixador. O Estadão aponta como maior desentendimento a entrada da Venezuela no Mercosul, uma ação de Dilma à revelia do Itamaraty, feita com parecer da AGU (Advocacia-Geral da União). Outro ponto levantado pelo jornal foi a negativa de Dilma em discursar no Rio+20, o que levou a uma ‘discussão’ entre os dois, até a capitulação da presidente, que fez a abertura no evento. E, por fim, aponta para a questão da Síria, em que Dilma vetou o apoio brasileiro a uma resolução mais dura da ONU e que tinha sido articulada pelo Itamaraty. A resistência de Patriota à entrada da Venezuela no Mercosul, substituindo o Paraguai, também é apontada pela Folha como um espinho no caminho do relacionamento entre ele e a presidente.

A razão do descompasso entre Planalto e Itamaraty, para a Folha, segundo sua articulista Eliane Cantanhêde, acompanha o outro jornal paulista em seu editorial. A articulista afirma que Patriota não tinha como fugir da demissão, já que, ao alegar que Eduardo Saboia agiu à revelia, admitia a falta de comando sobre a diplomacia. Além disso, Cantanhêde trata esta insubordinação de Saboia como a ‘gota d’água’ pois Patriota nunca foi ‘assimilado e respeitado por Dilma como chanceler’. Segundo ela, Patriota era excessivamente cauteloso para o estilo da presidente. Assim como no editorial do Estadão, Cantanhêde considera o ato de Saboia como um grande gesto de coragem que ‘expôs toda a covardia da política externa’. E coloca suas expectativas de mais ação e menos mesmice para a política externa nas mãos do novo ministro, Luiz Figueiredo.

A matéria na Folha é tratada nos mesmos moldes do Estadão, com os caminhos do descompasso entre Dilma e Patriota, na condução de temas controversos. A Folha evidencia a quebra de hierarquia como um grande entrave, bem como a morna reação de Patriota ao episódio de David Miranda, companheiro de Glenn Greenwald, no Reino Unido. Segundo o jornal, Patriota foi criticado por não ter sido ‘enfático o suficiente’. Ainda na Folha, uma análise assinada por Dawisson Belém Lopes, da UFMG, fala do esvaziamento por que passa o Itamaraty no atual governo, pois que tem déficit de liderança. O analista enfatiza os equívocos da gestão Patriota, concluindo que, no caso do senador boliviano, a inabilidade na condução do problema aliado à carência de pulso, ‘a ocasião fez a insubordinação’.

Estadão e Folha trazem entrevista com Eduardo Saboia e a tônica é a declaração dele de que estava vivendo situação de desrespeito aos direitos humanos, além de ter avisado ao Itamaraty, em diversas ocasiões, sobre o estado do senador Molina nas dependências da Embaixada.

Diferente do Estadão, a Folha, em seu editorial, discorre sobre o cenário para as eleições de 2014. Primeiro analisa Marina Silva e sua Rede, numa condição que beira o ‘surreal’ por não conseguir cumprir o rito de registro do partido, mesmo com tanta aceitação em pesquisas. Depois alfineta o PSDB, quando afirma que Aécio e Serra fazem seu jogo de cena defendendo prévias, mas que esse mecanismo deverá fazer bem ao partido, já que consultar as bases nunca foi o forte do tucanato. A resolução dos problemas destes dois partidos, entende o jornal, no próximo mês, dará à presidente Dilma o cenário para as eleições de 2014, quando terá certeza de quem serão seus adversários.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. Desde que o Muro de Berlim

    Desde que o Muro de Berlim caiu as noções de esquerda e direita ficaram um pouco vagas, especialmente na imprensa brasileira, que por ser de direita adora confundir estes dois polos ou negar a existência de um deles. A coisa se complicou ainda mais depois que as Bolsas de Valores explodiram em 2008 dando início a maior, mais profunda e demorada crise financeira da história do capitalismo, privando uma parte da direita de seu dinheiro (prejuízos causados àqueles que ‘trabalhavam’ com bancos e corretoras que faliam ou aplicaram em títulos que viraram lixo tóxico) e a outra sem argumentos (a morte evidente do neoliberalismo recolocou a necessidade de um Estado forte na ordem do dia revitalizando as propostas e o discurso da esquerda). 

    No Brasil a disputa entre esquerda e direita começou a ficar mais evidente e polarizada durante a última eleição presidencial. A imprensa escolheu ficar com José Serra (direita neoliberal tardia), o povo ficou com Dilma Rousseff (esquerda comprometida com a valorização do Estado e das políticas públicas inclusivas) causando uma dissociação entre aqueles que acreditam tem o sagrado direito de produzir e divulgar o discurso político e aqueles que exercem o poder político nas urnas. 

    No presente momento, vemos a esquerda defender a vinda dos médicos estrangeiros (para atender a população nos locais onde os médicos brasileiros não querem ir) e a direita defendendo a vinda do Senador boliviano Roger Pinto, acusado em seu país de corrupção e envolvimento com o narcotráfico. Não se enganem, nem sejam enganados: cada um destes polos (esquerda e direita) tem uma visão diferente do país e das necessidades do povo. 

    A esquerda vê o país como um espaço em que todos são cidadãos e tem direitos a exercer, cabendo ao Estado cumprir sua missão de prover serviços públicos (de saúde, educação, etc) em todos os municípios, especialmente naqueles em que os profissionais não se sentem incentivados a ir trabalhar. A direita vê o país como um refúgio seguro para qualquer tipo de bandido de direita que queira aqui se instalar. 

    Estas duas formas de encarar o país (espaço público de cidadãos x refúgio para malácas endinheirados) não são complementares. Na verdade, elas são completamente antagônicas. Cada qual será convocado a escolher uma delas. Eu prefiro o Brasil como espaço público de cidadãos e não vou contemporizar com quem acredita que o Brasil deve ser um refúgio de malácas endinheirados. 

     

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