Protestos contra sistema financeiro crescem em NY

Por Assis Ribeiro

Da Revista Forum

A rebeldia no coração do sistema

Manifestações contra ditadura das finanças crescem em Nova York, espalham-se pelos Estados Unidos e ensaiam sinergias políticas que talvez sejam úteis em todo o mundo.

Por Antonio Martins

É provocativo viver momentos que farão história, e tentar compreendê-los. Por suas inúmeras novidades, 2011 será lembrado durante muito tempo — e a partir de agora, há um motivo a mais. Occupy Wall Streetum movimento de contestação do sistema que nasceu com ousadia mas alcance limitado, em 17 de setembro, ganhou nos últimos dias novas dimensões. Inspirado pelas ideias da autonomia e contracultura — mas reforçado por jovens mais movidos pela defesa de seus interesses que pela ideologia anticapitalista –, espalhou-se, no fim-de-semana, por dezenas de cidades norte-americanas: do Texas ao Havaí; de Boston a Memphis. Na segunda-feira, recebeu a adesão de alguns dos maiores sindicatos norte-americanos. Ontem (5/10), já engrossado por este apoio, organizou umamarcha de 15 mil pessoas, em Manhattan.  Ao receber adesões e influências, está se convertendo, antopofagicamente, em algo muito distinto de todas as tendências que o compõem — anarquismo, hippíes, juventude desencantada, trabalhadores organizados. Talvez aí residam sua potência e sua capacidade de contribuir com a construção de uma nova cultura política — uma necessidade que também ficou mais clara que nunca este ano.

Um texto publicado hoje, em nossa revista virtual, ajuda a compreender as origens do movimento. Foi produzido para The Nation por Nathan Schneider, um ativista ligado à cultura de paz e à organização dos movimentos de base (grassroots, no jargão político norte-americano) [e traduzido pela rede Vila Vudu]. Revela que os preparativos para um acampamento próximo ao centro financeiro de Nova York e do mundo começaram em julho. Foram conduzidos por três pequenos coletivos: Adbusters (uma rede global anti-consumista, fundada no Canadá e presente em especial na América do Norte), Day of Rage(uma rede de grupos jovens cujos alvos parecem ser, como na Espanha, os banqueiros e políticos) e Anonymous (uma espécie de guerrilha digital em rede, que luta especialmente pela liberdade na internet).

Redigido na forma de perguntas e respostas, o breve texto de Nathan reconhece que o início foi difícil. Os organizadores esperavam reunir 20 mil pessoas em Wall Street, em 17 de setembro — um sábado. Mobilizaram um décimo disso. Os participantes enfrentaram a vida dura com coragem. Quase todos com menos de 25 anos, dormiram ao frio, em colchonetes finos, sobre o chão da Liberty Plaza (veja o mapa), próxima a pontos por onde trafegam trilhões de dólares todos os dias.

Mas tinham a seu favor dois fatores muito poderosos. Primeiro, o caráter simbólico do ato. Num país em que a direita domina o debate político, acua e coloca em xeque o próprio presidente e conquistou as ruas (por meio do Tea Party), o pequeno grupo de garotos e garotas foi capaz de fazer o que o establishment  progressista não conseguiu. Encarar a onda conservadora, produzir um fato político que revela audácia, convicção e atitude. Tocar simbolicamente, além disso, numa das grandes chagas da sociedade norte-americana: a imensa concentração de riquezas em favor do sistema financeiro, que está ameaçando inclusive os direitos básicos da maior parte da população.

O segundo fator que impulsionou o movimento está relacionado a isso, e é muito concreto. Ao questionar o mercado financeiro, os jovens acampados abriram diálogo com milhões de norte-americanos que estão angustiados com dívidas imobiliárias, junto aos cartões de crédito, ligadas ao financiamento de automóveis ao pagamento de mensalidades escolares e a um enorme feixe de contratos que se relacionam com a garantia da vida cotidiana. Estes milhões de endividados sofrem com a ausência de políticas que aliviem seus dramas, enquanto assistem, há pelo menos dois anos, aos anúncios de socorro público trilionário aos bancos e instituições que… provocaram a crise financeira. Como não se revoltar? “As coisas pioraram tanto que todo mundo quer participar”, contou a repórteres do Financial Times Ross Fuentes, uma garota acampada de 23 anos que integra o Partido do Socialismo Libertário — umas das organizações que se envolveram nos protestos desde a fase mais difícil.

A partir do final da semana passada, chegaram os sindicatos. Havia muitas razões para eles se envolverem, num cenário em que o desemprego ultrapassa 10%, os salários reais caem há anos, os trabalhadores estão muito endividados e não têm nenhuma certeza em relação a seu futuro? As necessidades comuns romperam barreiras. Há várias décadas, as relações entre sindicalismo e movimentos de contracultura são tensas — e conflituosas, na maior parte do tempo — nos Estados Unidos. 

Reportagem de Tina Susman, no Los Angeles Times revela: um sinal de que é possível superar velhos traumas surgiu ontem, na passeata em Nova York. Entre as milhares de pessoas, encontraram-se, lado a lado, jovens anticapitalistas e enfermeiras em defesa do sistema de saúde. A fusão e diálogo entre os públicos, notou Tina, apareceu na diversidade das mensagens exibidas pelos participantes: “Havia cartazes protestando contra o racismo, o presidente Obama, os republicanos, os democratas, a fome, as guerras no Iraque e Afeganistão. Em contrapartida, defendia-se os direitos dos trabalhadores, os dos prisioneiros em greve de fome, mais impostos para os milionários e a reestruturação do sistema financeiro”.

Num sinal de que o movimento pode se enraizar, estavam presentes ícones da cultura norte-americana. A presença de Michael Moore (veja seu inspirado discurso acima) era de se esperar — assim como o apoio expresso há dias, ao movimento, por intelectuais de esquerda como Noam Chomsky e Tarik Ali. A novidade foi a participação, na marcha, de atores como Tim Robbins e Penn Badgley.

Se mantiverem esta amplitude, e o foco no sistema financeiro, as manifestações do Occupy Wall Street podem acrescentar um ingrediente novo, a um cenário marcado pelo atrelamento das elites dos países mais ricos a dogmas e por sua irresponsabilidade diante de problemas de enorme gravidade. Também nos Estados Unidos, há sinais de que a opinião pública prefere buscar o novo. A reportagem em que o New York Times registrou a difusão das manifestações revela que em Chicago, como inúmeras outras cidades, a paisagem dos acampamentos é marcada por mesas onde se oferece comida grátis — talvez um símbolo de que relações não-mercantis podem se espalhar. A ideia, que pode ter feitoMilton Friedman revirar na tumba, está sendo bem aceita por seus concidadãos. Os gêneros são coletados junto à população. Na segunda-feira (3/2), os organizadores viram-se incapazes de consumir todo o alimento que lhes foi doado, e convidaram os sem-teto para compartilhar a refeição.

Luis Nassif

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