Saturnino Braga e os 50 anos do golpe militar

Nos 50 anos do golpe militar de 1964, uma das figuras referenciais da resistência democrática foi o ex-deputado federal, ex-senador e ex-prefeito do Rio de Janeiro Roberto Saturnino Braga.

Filho e neto de parlamentares do PSD de Campos (RJ), Saturnino disputou o primeiro concurso para funcionário do então BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico). Passou, ao lado de figuras centrais da história do banco – como Juvenal Osório e Ignácio Rangel.

No entanto, em pleno governo JK, os três foram vetados devido à ficha política levantada pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Estudante, Saturnino integrou por algum tempo a juventude comunista e compareceu a congressos em Varsóvia (Polônia) e Moscou.

Em Moscou, aliás, chegou ao auge e ao fim uma promissora carreira de cantor lírico, com diversas apresentações no Rio de Janeiro. No histórico Teatro Bolshoi, apresentou-se interpretando cantigas folclóricas brasileiras, de Villa-Lobos ao “Viola Quebrada”, de Mário de Andrade.

O grande Roberto Campos, superintendente, mas dirigente de fato do BNDE, foi até o DOPS e levantou o veto aos três funcionários.

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No BNDE Saturnino conviveu com a turma de Campos (entre os quais o presidente Lucas Lopes), com a turma de Rômulo de Almeida. Cleantho de Paiva Leite e Jesus Soares Pereira (egressos da assessoria econômica de Vargas), com Celso Furtado e Jesus Soares Pereira. E com a independência estimulante de Ignácio Rangel.

Foi um período inesquecível, em que todos os grupos, dos conservadores aos esquerdistas, trabalhavam tendo como alvo a construção de uma economia moderna.

De lá, partiu para uma candidatura de deputado federal pelo então PSB (Partido Socialista Brasileiro), de João Mangabeira. Acabou entrando na esteira dos votos de Tenório Cavalcanti, de um partido menor coligado do PSB.

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Como deputado federal, acompanhou a saga de João Goulart, espremido entre o golpismo da direita e a irresponsabilidade da esquerda. Saturnino Braga tem a nítida convicção de que a radicalização – de lado a lado – foi reflexo da enorme luta política entre Estados Unidos e URSS, após o caso dos mísseis russos em território cubano.

O Partido Comunista propunha a tomada do poder pela força, cego à sua própria fraqueza e falta de alcance político. E essa radicalização – inédita para um partido historicamente cauteloso – era aproveitado pela direita para estimular o golpismo.

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Espremido entre o radicalismo da esquerda, o golpismo da direita e o voluntarismo do PTB – de Leonel Brizola e Darcy Ribeiro – Jango não conseguiu se equilibrar. Acabou fugindo do Rio, deixando a fama de indeciso, que Saturnino não aceita.

Depois do grande salto industrial – e concentrador de renda – de JK, Jango tinha a percepção nítida da importância de começar a atender às demandas sociais. Mas, na radicalização do momento, nenhum governante, conseguiria manter o barco à tona. Ainda mais um político não radical e conciliador como Jango.

Saturnino tem certeza que, ao deixar a presidência, Jango evitou uma guerra interna que teria sido sangrenta. E até o fim foi leal aos seus. Poderia ter aceito os acenos da direita da época, demitido os chamados “comunistas” do governo e se composto com o empresariado. Foi leal até o fim, diz Saturnino,

Como deputado iniciante, e cauteloso em relação à radicalização inconsequente das esquerdas, Saturnino Braga teve atuação apagada na primeira legislatura. Esse fato o impediu de ser cassado pós-64. Dos cinco deputados da bancada do PSB, foi o único a ser poupado. Mas, quando tentou se candidatar à reeleição, recebeu veto direto do SNI (Serviço Nacional de Informações).

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Fora da política, voltou para o BNDE onde desempenhou papel chave na gestão do maior presidente da história do banco – o capixaba Marcos  Vianna, falecido no ano passado.

Em 1974 a política o chamou de novo. Foi para o sacrifício candidatando-se a uma vaga no Senado pelo estado do Rio faltando apenas dois meses para as eleições, devido ao AVC do candidato do partido. Enfrentou o até então tido como imbatível Paulo Torres. Foi eleito, beneficiado pelos programas gratuitos de televisão e pelos ventos oposicionistas que descarregaram na campanha do Senado a reação contra o regime militar: foram 16 senadores eleitos pelo MDB em 22 estados.

Sem eleição para governadores e prefeitos de capitais, as únicas eleições majoritárias foram para o Senado.

No Senado, tornou-se autor dos principais documentos econômicos do MDB, de críticas ao regime.

Ao lado de Paulo Brossard e Marcos Freire foi integrante ativo da bancada de senadores do então MDB que, com suas batalhas  verbais no Senado, alimentavam a chama da oposição. Com Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Franco Montoro e Thales Ramalho integrou a cúpula do MDB que organizou a oposição partidária brasileira rumo à redemocratização.

O grande nome da oposição era Brossard. Cada vez que se anunciava um discurso seu, o plenário enchia de admiradores. Havia uma enorme diferença entre a dimensão de Brossard e do líder do governo Petrônio Portella. Preparado, mas tímido, e sem convicção na defesa da ditadura, Portella sucumbia ante a avalanche retórica de Brossard.

Na outra ponta, havia os embates entre Marcos Freire e o coronel Jarbas Passarinho, mas aí com ampla desvantagem para Freire – que, apesar da facilidade de oratória, não tinha história nem informação suficiente para enfrentar Passarinho

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Saturnino perdeu-se politicamente quando deixou o MDB carioca – sob controle do cacique Chagas Freitas -, ingressou no PDT de Leonel Brizola e tornou-se prefeito eleito do Rio de Janeiro, no auge da maior crise financeira da cidade.

Pouco antes, Chagas Freitas e Tancredo abandonaram o MDB para fundar o Partido Popular (PP) – que seria a oposição consentida pelo governo militar. A aventura teve vida breve, de apenas 6 meses. Chagas voltou para o MDB e, como maior liderança do Estado, assumiu o controle do partido.

Saturnino não se viu em condições de continuar sob a mesma sigla de um governador que compactuou com o atentado do Riocentro – Chagas tirou o policiamento da Policia Militar para facilitar a ação dos terrosistas.

Saturnino aderiu a Brizola quando ele não tinha mais que 4% do eleitorado do Rio. Apesar do caso Proconsult, Brizola logrou eleger-se. Pouco tempo depois, Saturnino saiu candidato a prefeito do Rio pelo PDT.

Sem os recursos do ICMS estadual, a cidade vivia do ISS e do IPTU. Uma decisão intempestiva do então Ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega e do presidente do Banco Central Elmo Camões, proibiu a cidade de continuar rolando seu endividamento. A decisão implicou na quebra do município e na desilusão política de Saturnino.

Durante a Constituinte, ele e outros prefeitos de capitais atuaram para reverter o engessamento financeiro. Conseguiram, mas beneficiando apenas seus sucessores. Os novos prefeitos assumiram com a arrecadação dobrando de valor, graças à recuperação da participação no ICMS estadual.

Fora da prefeitura, ainda experimentou mais um mandato de senador e, depois, mergulhou na escrita de livros, rememorando seu tempo político. É o caso do recém-lançado “Tempo do Ser”, meio ficção, meio realidade.

Luis Nassif

15 Comentários

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  1. Mailson da Nobrega

    Imperdivel é a forma com que Saturnimo Braga descreve a ação de Mailson na quebra da Prefeitura do Rio

    Se for verdade este economista não poderia estar ai falando e comentando sobre o que fazer na economia

  2. Tempos de democracia

    Início dos anos 80 tínhamos grandes objetivos pacíficos: esperávamos pela tão sonhada democracia. Leonel Brizola deu o passe inicial no seu Tijolaço de domingo no JB, calma!, JB naquela época era Jornal do Brasil! E todos os personagens chegaram, com Saturnino, Marcelo, Darcy, Brandão, Prestes, Niemayer e Brizola é claro;Brizola era o político! E continua sendo! Hoje vejo uma Dilma brizolista, mas precisa pegar no micofone e detonar essa mídia golpista.

  3. Meu primeiro voto

    Meu primeiro voto aos dezoito anos ajudou a eleger o Saturnino senador pelo antigo Estado do Rio. Foi uma campanha e depois uma atuação parlamentar memoráveis. Infelizmente mostrou-se incompetente ao assumir um cargo executivo, mesmo levando em conta as dificuldades que teve a frente da prefeitura do Rio.

    Terminou sua carreira política de forma lamentável com o acordo de dividir seu último mandato de senador (o que não cumpriu) com o nefasto Carlos Lupi.

  4. Sair do MDB/RJ foi a melhor

    Sair do MDB/RJ foi a melhor coisa que o Saturnino fez….

    Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Picciani, alguns milicianos e até o Miro Teixeira são herdeiros de Chagas Freitas (Guanabara era o único estado em que o governo militar permitia o MDB governar no lugar da Arena).

    O maior defeito do Brizola era seu personalismo, o PDT perdeu bons quadros para PT, PSB (como Saturnino, Jamil Haddad), enquanto ex-chaguistas fisiológicos ingressaram no partido e hoje é uma legenda sem rumo. 

  5. Tá faltando um

    Nessas grandes batalhas verbais de tribunos no Congresso, no final dos anos 70, Nassif, você esqueceu o papel de Teotônio Vilela. A partir de 1977, ele se tornou uma das vozes mais troantes do Senado em defesa da redemocratização. E era da Arena! Quando se anunciava um discurso de Teotônio, a bancada arenista toda saía do plenário. Só ficava um: Luiz Cavalcante, também de Alagoas, ex-governador. Teotônio só mudaria de partido em 1979 ou 80, quando foi criado o PMDB. 

  6. Bob Fields

    Nassif

    O Bob podia ter QI. Mas isso não o qualifica para a adjetivação usada. Arrepia-me vê-lo pinçado do ostracismo a que foi submerso em razão da marcha-ré que essa turma impôs à História brasileira.

  7. últimos acontecimentos …

    Que grande tragédia essa notícia da morte do Eduardo Campos !  Uma baita reviralvolta no cenário político e eleições brasileiras . No mesmo dia do avô, uau. Essas reviravoltas sâo recorrentes no Brasil. Por Que?   

     

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