Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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Uma gota no oceano, por Jorge Alexandre Neves

A continuidade de uma abordagem de política econômica apenas focada no lado da oferta é um desastre pro Brasil. O neoliberalismo está destruindo qualquer perspectiva de futuro do Brasil e de seu povo

A reforma da previdência que está sendo discutida no Senado, quando aprovada, será uma gota no oceano, em termos do seu possível impacto fiscal positivo. Absolutamente desprezível diante da enorme bomba relógio de longuíssimo prazo que as políticas neoliberais estão montando para nós brasileiros.

Estou fazendo referência à dinâmica do mercado de trabalho, a partir da discretíssima saída da recessão desde 2017. E essa dinâmica não se deve apenas ao fato de que nosso PIB tem crescido praticamente nada em termos per capita (1). Adicionalmente – e ainda mais grave no longo prazo – as políticas neoliberais introduzidas após o golpe de 2016, como as várias mudanças na legislação trabalhista levadas a cabo tanto por Temer quanto por Bolsonaro, estão gerando um cenário social apocalítico para daqui a algumas décadas.

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Como bem mostra o trabalho de Emanuelle Vasconcelos e Ivan Targino (2), durante os governos petistas, houve uma reversão do processo de informalização da força de trabalho levada a cabo pelos governos de FHC. O mesmo se observou no que diz respeito à participação da remuneração do trabalho sobre a Renda Nacional. Tudo que foi alcançado naquele período está sendo destruído numa velocidade ainda maior do que no período FHC.

O enorme crescimento da informalidade mostrado pelo IBGE terá um terrível impacto de longo prazo. Perceba-se que a informalidade está avançando sobre as ocupações de renda média e até média-alta. É a famosa “pejotização”. Indivíduos que, tipicamente, trabalhavam como empregados com carteira assinada estão se transformando em pessoas jurídicas e vendendo seus serviços, muitas vezes apenas para seus antigos empregadores. O problema é que uma grande proporção desses “novos autônomos” não contribui para a previdência. Vem muito daí a aceleração do crescimento da informalidade, no Brasil. São pessoas que costumavam contribuir para o sistema previdenciário e hoje não o fazem mais. Estão deixando de colocar sua contribuição no cesto do qual, no futuro, precisarão tirar algo para não viverem na miséria durante a velhice. Como a fecundidade da mulher brasileira despencou nas últimas décadas, essas pessoas não terão filhos para ajudá-los na velhice (3). A não ser que estejamos confortáveis com a ideia de termos, daqui a três ou quatro décadas, uma sociedade com milhões de indigentes, ficaremos com a conclusão óbvia de que o custo fiscal para o atendimento dessas pessoas na velhice será infinitamente maior do que a elevação da arrecadação com a reforma da previdência ora em tramitação no Senado.

Adicionalmente, temos outros dois fenômenos que irão contribuir para nosso futuro apocalíptico. O primeiro é o rápido crescimento do que o IBGE tem chamado de “Taxa Composta de Subutilização da Força de Trabalho”, que está em 24,6%. Essa taxa nos dá a dimensão do número (28,1 milhões) de pessoas que não conseguem trabalhar tanto quanto gostariam, bem como nos ajuda a entender porque muitos dos “novos autônomos” deixaram de contribuir para o sistema previdenciário, simplesmente porque não conseguem trabalho suficiente para lhes proporcionar uma remuneração que lhes permita fazer a contribuição.

O segundo fenômeno se deve ao fato de que a consolidação do desemprego estrutural, de longo prazo, tem consequências econômicas adicionais que serão terríveis para o Brasil. A chamada histerese parece uma hipótese mais do que plausível para a economia brasileira. Em outras palavras, é muito provável que o desemprego de longo prazo leve a uma forte depreciação do capital humano daqueles que são suas vítimas. Assim, quando retornarem ao mercado de trabalho, essas pessoas terão seus rendimentos reduzidos em relação ao que tinham anteriormente. Adicionalmente, em termos agregados, isso representará um novo obstáculo para a elevação da produtividade de uma economia com já baixíssimo crescimento da produtividade.

A continuidade de uma abordagem de política econômica apenas focada no lado da oferta é um desastre pro Brasil. O neoliberalismo está destruindo qualquer perspectiva de futuro do Brasil e de seu povo.

 

  • Nossa taxa de crescimento populacional é hoje de 0,7% ao ano. Em 2017, o PIB cresceu 1%. Em 2018, 1,1%. Este ano, tudo indica que ficará no mesmo padrão ou será até inferior a 1%. Portanto, o crescimento per capita do nosso PIB tem sido absolutamente desprezível. Se olharmos não o crescimento populacional como um todo, mas o crescimento da População Economicamente Ativa (PEA), veremos que este se iguala ao crescimento do PIB (como mostra um estudo do IPEA, em função da inércia demográfica, a taxa de crescimento da PEA é cerca de 55% maior do que a taxa de crescimento da população como um todo). Portanto, a nossa dinâmica econômica atual é absolutamente insuficiente para alavancar as oportunidades ocupacionais da população.
  • Vasconcelos, E. e Targino, I. “A Informalidade no Mercado de Trabalho Brasileiro: 1993-2013”. Revista da ABET, vol. 14, n. 1, pp. 140-161, 2015.
  • Ou terão apenas um ou dois, o que é insuficiente para funcionar como uma “previdência familiar”.

 

P.S.: Queiroz foi encontrado, mas e daí? Continuamos esperando.

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997. Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

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