Um relato sobre o sistema de saúde pública na Inglaterra

Por Noemia Crespo

O tema deste meu post é medicina pública na Inglaterra.

Minha nora teve neném aqui em Newcastle Upon Tyne, onde ela e meu filho  (ambos brasileiros) estão morando. Quando engravidou, ficamos na maior dúvida: onde ela teria o filho, no Brasil ou na Inglaterra? Ela acabou optando por  fazer o parto aqui, o que se revelou uma decisão excelente.

O hospital público de Newcastle, the Royal Victoria Infirmary, é simplesmente fantástico. Limpíssimo, pintado em cores suaves, com uma equipe de conservação circulando permanentemente; o prédio não apresenta nem uma rachadura, uma porta rangendo, uma cadeira desnivelada… Tem grande movimento, mas jamais passa a impressão de estar superlotado. Médicos, enfermeiros, funcionários, TODOS excelentes, acolhedores, simpáticos, por todo o tempo – e de uma competência a toda a prova.

Enquanto estive lá, vi todo o tipo de clientela circulando pela ala da maternidade: mulheres vestidas à moda tradicional muçulmana, todas cobertas, só com os olhos de fora; mulheres indianas com lindos sáris; mulheres locais, algumas extremamente jovens, outras nem tanto; e até uma família de judeus tradicionalistas. Algumas pessoas, de diferentes grupos étnicos (ingleses nativos, inclusive), exalavam odor de quem não é muito afeito a banho todos os dias. A maioria das grávidas recebe visita de vasta gama de parentes e amigos. O mais incrível é que TODOS recebem O MESMO tratamento (EXCELENTE). Não vi o mínimo traço de discriminação.

Detalhe: o pessoal de enfermagem e administração é inglês, mas médicos e médicas têm, muitos deles, traços de… indianos. TODOS NOTA 10!

Minha nora vinha sendo preparada para ter parto normal. Meu filho ficou ao lado dela durante todo o “labour”. Uma complicação de última hora levou o staff médico a decidir por uma cesárea de urgência. Minutos depois, minha neta nascia, em perfeitas condições de saúde.

Mãe e filha foram conduzidas para uma enfermaria onde ficaram dois dias, a neném num bercinho ao lado da cama da minha nora. Não deram alta enquanto a mãe não conseguiu acertar com a amamentação da neném. De meia em meia hora passava alguma enfermeira para medir temperatura e pressão, verificar as fraldas da neném, ver se estava tudo ok, dar alguma medicação, aconselhar, apoiar… Sempre com um sorriso, uma palavra de incentivo… mesmo às três da madrugada!

Mas não acabou aí. No dia seguinte à chegada de mãe e filha ao lar, uma midwife vem visitá-las em casa com uma assistente. Ficam duas horas e meia cuidando dos mínimos detalhes: medicação preventiva contra trombose, aconselhamento detalhado, supervisão do aleitamento… Sem a menor pressa. Com serenidade, bom humor… INACREDITÁVEL.

Saíram prometendo voltar depois de amanhã. E vão manter acompanhamento permanente, como fazem COM TODAS AS MÃES.

Fiquei pensando como eu gostaria que minha neta pudesse ter os filhos dela no Brasil, contando com uma estrutura desse nível. Por que não temos nada assim em nosso país?

Antes que venham com a lenga-lenga de culpar “os políticos” e “a corrupção”, comecemos pelos números… O PIB per capita da Inglaterra é o triplo do brasileiro; o Estado de bem-estar social inglês tem raízes sólidas, e história bem mais longa. Mais: “Segundo a OMS, em 2000 o governo brasileiro destinava 4,1% de seu orçamento para a saúde. Dez anos depois, a taxa subiu para 5,9%. A média mundial é de 14,3% e a taxa brasileira chega a ser inferior à média africana. Do total que se gasta no País com a saúde, 56% vem do bolso dos cidadãos e não dos serviços do Estado. Apenas 30 de 193 países vivem essa situação. Em 2000, a taxa era ainda pior, com 59% dos custos da saúde vindo do bolso do cidadão. Desta forma, a taxa de 56% está distante da média mundial, de 40%. Nos países ricos, apenas um terço dos custos da saúde são arcados pelos cidadãos.”

http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,gastos-em-saude-crescem-mas-bra…

Em todo o caso, ver com meus próprios olhos o que pode ser um serviço de saúde pública de qualidade foi muito estimulante. Isto é, simplesmente, CIVILIZAÇÃO. Vamos lutar para, pelo menos, chegar mais perto deste objetivo, no Brasil? Não é sonho romântico. Não é utopia. Existe! É possível!

Luis Nassif

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