Problemas na Previdência Social não se resumem ao fator previdenciário

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Jornal GGN – “O problema na Previdência Social não se reume ao fator previdenciário”, apontou Zélia Luiza Pierdoná [foto], procuradora e professora de Direito de Seguridade Social, em entrevista ao GGN. Segundo ela, “há muitos ajustes que devem ser feitos na legislação previdenciária brasileira se quisermos ter uma proteção previdenciária” com sustentabilidade.

Para isso, Zélia aponta que o Congresso e a presidente Dilma Rousseff precisam de coragem para deixar de lado as preocupações com popularidade e fazer as mudanças necessárias. Mesmo a MP 664 – que ganhou na Câmara uma emenda que legaliza a fórmula 85/95 como alternativa ao fator previdenciário – é um projeto muito tímido diante do desafio que o governo brasileiro terá de enfrentar.

Confira a entrevista abaixo:

Jornal GGN – Quais os fatores que estão envolvidos nesta discussão da mudança da previdência?

Zélia Pierdoná – Em síntese, pode-se afirmar que os fatores envolvidos nessa discussão são: a necessidade de ajustes na Previdência Social brasileira para garantir sua sustentabilidade versus o receio do Poder Legislativo e Executivo de desgaste político, em razão da adoção de medidas antipáticas. Isso porque as mudanças apresentadas inicialmente, por meio da MP 664/2014, tinham por objetivo fazer alguns dos ajustes necessários na legislação previdenciária brasileira, para garantir sua sustentabilidade. Menciona-se alguns, porque haveria muitos outros que deveriam ser feitos.

Os ajustes, em sua grande maioria, em um primeiro momento podem parecer perda ou restrição a direitos dos segurados e dependentes. Por isso, o Executivo foi tímido em sua proposta (MP 664/14). Pela mesma razão, o Legislativo abrandou aqueles inicialmente propostos pelo Executivo e, ainda, criou a possibilidade da não utilização do fator previdenciário, por meio da fórmula que ficou conhecida como 85/95. Ou seja, o Legislativo, além de não ter aprovado os ajustes na forma proposta pelo Executivo, que, repita-se, eram tímidos diante da necessidade do sistema, ainda aumentou os problemas de sustentabilidade da previdência, ao permitir a não incidência do fator previdenciário.

A presidente da República “vetou” a proposta do Legislativo, mas criou uma norma muito parecida (MP 676/15), apenas amenizando um pouco os problemas que serão causados pela não incidência do fator previdenciário.

Deve ser registrado que também o Poder Judiciário e o Ministério Público têm atuado de forma a gerar, além de incoerências no sistema previdenciário, riscos em relação à sua sustentabilidade, ao menos por parte de muitos de seus membros. Isso porque muitas decisões e pareceres, respectivamente, permitem a desaposentação para fins de obtenção de uma nova aposentadoria, acrescentando o tempo de trabalho, posterior à primeira, o que, na prática, torna letra morta a regra que estabelece o fator previdenciário.

O mencionado fator tem por objetivo desestimular aposentadorias precoces, mas as decisões judiciais que autorizam a desaposentação acabam por incentivá-las, já que o trabalhador não terá prejuízo com a aposentadoria precoce, pois com a decisão judicial, ele terá direito a um novo benefício, computando-se o tempo posterior à aposentadoria original. Assim, ele, após a primeira aposentadoria, receberá o benefício e a remuneração do trabalho e, no momento em que pararia definitivamente de trabalhar e que, a princípio, teria apenas a aposentadoria com valor reduzido (já que foi concedida precocemente e o fator previdenciário gerou uma redução na média de suas remunerações), não terá qualquer prejuízo, porque o juiz autoriza a desaposentação (não prevista em lei) e a concessão de uma nova aposentadoria, com a contagem do tempo posterior àquela inicialmente concedida. O único desestímulo em requerer a aposentadoria precocemente seria o valor reduzido do benefício, mas na prática não ocorre, em razão da permissão judicial acima referida.

A interpretação do ordenamento previdenciário, a partir de uma visão patrimonial/individualista, a qual, muitas vezes, tem preponderado nos pareceres do Ministério Público e nas decisões judiciais, agravam ainda mais o problema da sustentabilidade do sistema. Se o Judiciário não permitisse a desaposentação, o trabalhador certamente iria retardar sua aposentadoria para, quando efetivamente parasse de trabalhar, ter um benefício maior daquele que teria com a antecipação de sua aposentadoria.

Assim, pode-se concluir que a generosidade em matéria previdenciária, por parte do Legislativo, do Executivo e do Judiciário, só contribuem para que o Brasil aplique cada vez mais recursos na proteção previdenciária, em detrimento de outros direitos, que também merecem atenção da sociedade brasileira, como, por exemplo, a saúde, a qual divide com a previdência e a assistência social os recursos da seguridade social.

GGN – Podemos traçar um paralelo com outros países que tenham a previdência no mesmo modelo?

Pierdoná – Praticamente todos os países não possuem aposentadoria só por tempo de contribuição. Todos aliam tempo de contribuição com uma idade mínima. No Brasil a aposentadoria só com tempo de contribuição existe apenas no Regime Geral de Previdência Social – administrado pelo INSS (exige 35 anos de contribuição para o homem e 30 para a mulher, reduzido em 5 anos para professores). No Regime Previdenciário dos Servidores Públicos, desde 1998, exige-se, além do tempo de contribuição exigido no Regime Geral (35 para o homem e 30 para a mulher, reduzido em 5 anos para o professor), a idade mínima de 55 para as mulheres e 60 para os homens, reduzida em 5 anos, no caso de professor.

Como no Regime Geral de Previdência Social não tem idade mínima, a legislação infraconstitucional criou o fator previdenciário, o qual tem por objetivo desestimular aposentadorias precoces. Deve-se registrar que o citado fator apenas desestimula a aposentadoria por tempo, quando o trabalhador tem pouca idade, uma vez que reduz o valor do benefício. Assim, o trabalhador pode se aposentar, independentemente de idade mínima, a mulher com 30 anos de contribuição; e, o homem, com 35; a professora com 25 e o professor com 30. Mas, nesse caso, o fator previdenciário pode reduzir o valor do benefício. A formula 85/95, prevista na MP 676/2015, é uma opção para a não incidência do citado fator.

Portanto, não se pode traçar um paralelo com outros países, no que tange à possibilidade de se aposentar só por tempo de contribuição.

Mas, em relação ao fator, pode-se citar o caso da Espanha, que recentemente criou o que eles chamam de “fator de sustentabilidade”, o qual tem por objetivo estimular a permanência no trabalho. Registre-se que na Espanha há uma idade mínima para a aposentadoria, sendo que, o fator lá criado, busca retardar o pedido de aposentadoria para garantir a sustentabilidade do sistema.
  
GGN – É real a informação de que 30% do total de aposentados recebe 70% dos pagamentos dos INSS e os demais aposentados ficam com apenas a menor fatia?

Pierdoná – A grande maioria dos benefícios previdenciário no Brasil (em torno de 70%), pagos atualmente pelo Regime Geral de Previdência Social (administrado pelo INSS) equivalem a um salário-mínimo. Isso significa que apenas 30% deles têm valores superiores. Mas, deve-se registrar que os valores mais elevados não correspondem apenas à aposentadoria por tempo de contribuição.

Os benefícios por incapacidade (aposentadoria por invalidez e auxílio-doença), muitas vezes, têm valores superiores, não só às aposentadorias por tempo de contribuição, como também a própria remuneração do trabalho, em razão da legislação previdenciária. Assim, pode-se afirmar que a legislação tem estimulado a busca por esses benefícios, inclusive, em algumas situações, por meio de fraudes. Isso porque, se o trabalhador ganha mais de benefício previdenciário, do que de remuneração do trabalho, ele, pode-se dizer, é estimulado pela legislação a buscar o benefício.

Mas, infelizmente, qualquer tentativa de mudança da legislação é vista como perda de direitos. Portanto, o problema na Previdência Social não se resume ao fator previdenciário: há muitos ajustes que devem ser feitos na legislação previdenciária brasileira se quisermos ter uma proteção previdenciária, tanto para os atuais beneficiários, quanto para os futuros.

 

Zélia Luiza Pierdoná é professora de Direito de Seguridade Social na Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie e Procuradora Regional da República.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

10 Comentários

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  1. E jogam muito dinheiro fora…

    Por exemplo, houve época em que a previdência comprava (ou recebia do governo) imóveis, para servir como “garantia” dos pagamentos futuros.

    Mas ninguém tomava conta daquilo, e hoje há muitos  imóveis de propriedade do INSS abandonados, no Brasil inteiro. Há, dentre eles, imóveis caros, em localizações muito valorizadas.

    Mas, quem se importa?

     

  2. Sem sensibilidade e adequação

    Nesse debate sobre a aposentadoria no Brasil, só se menciona a sustentabilidade do sistema. Jamais a preocupação com uma conduta justa, adequada as profissões dos que se aposentam. Tudo bem que haja preocupação com a sustentabilidade, mas a mídia e os especialistas nem mencionam a maldade caudada pelo fato previdenciário que o tucano e sociologo FHC criou com a leniência do Congresso e de todos os partidos. Inclujsive o PT que nada fez para acabar com ele. Os especialistas também não mencionam os eventuais prejuizos causados ao sistema previdenciário do Brasil com as aposentadorias especiais e cheias que eistem (Judiciário, Leigislativo, universidades públicas, etc). Não é justo um lavrador ou um PM  ou uma atendente de saúde pública que começou a trabalhar aos 20 anos, ao se aposentar aos 55 anos sofrer redução do seu poder aquisitivo por conta de penduricalhos mal explicados e pelo maldito fator previdenciário. O desgaste físico desses e de outros profissionais é bem maior do que o de um jornalista ou advogado ou deputado. Fico irado de ver que, tanto nesse texto como em outros, a condição adequada do aposentado em um país onde é necessário pagar um plano de saúde, continua sendo vista sob teorias contábeis, sem sem sensibilidade e adequação com a realidade brasileira. 

  3. Na política é permitido mentir e enganar

     

    Adiar benefícios previdenciários suportada por projeção de estouro em 2060 etc paribus é puro descaramento de gente mal intencionada.  Mediocridade dos ministros de Dilma não conseguem fazer fluxo de caixa de 6 meses ou projeção de inflação de 2 meses, ou sequer avaliar se PIB terá crescimento de 2% ou retração 1%. Mas essa gente tem a proteção do PiG para destruir a obra do PT.

    É DESPOTISMO  limitar previdência privada a valores que mais parecem renda mata velho e ao mesmo tempo conceder a si mesmos os exorbitantes benefícios, aposentadorias e remunerações de Marajás.

    Fator previdenciário é herança maldita do ex-presidente FHC, sem sequer cancelar a sua propria imoral aposentadoria agraciada aos 37 anos de idade sem querer querendo.  Recentemente ele afirmou que aquela dele aposentadoria de professor  R$ 22,1 mil é um valor compatível com suas necessidades básicas e o restante da população é que ganha pouco.

    Para quem tal como de economia, de trabalhar e valor do trabalho conhece um pouco pela rica literatura disponível, sim soa seguramente razoável  mais ainda se comparado com R$ 35,2 mil para indicado a ministro do STF, ou bolsas barão de ajuda de moradia de R$ 4,7 mil ou de educação R$ 7,0 mil. Essas despesas não requerem previa provisão orçamentária. 

    Dilma parece compartilhar com FHC que pobre aposentado é vagabundo.  Deveria morrer trabalhando ( fator 90/100 em 2022)

    Fator Previdenciário  foi feito para aumentar recursos para pagar juros de taxas abusivas continuadamente praticados para manter a boa vida sem trabalhar da aristocracia brasileira e ajudar os europeus quebrados desde 2008.

    https://jornalggn.com.br/blog/jose-renato-o-sampaio-lima/fator-previdenciario-dilma-diz-que-nao-mudou-de-lado

  4. Todos dizem a mesma coisa e

    Todos dizem a mesma coisa e no final quem sofre nas costas é o pobre trabalhador. Deveria ser feito um pente fino na previdencia. O sujeito iria se aposentar de acordo com aquilo que ele pagou. Auxílio para deficientes, auxílio para idosos em área rural, auxilio carcere não são rubricas a serem pagas pela previdencia. Este vazamento deveria ser corrigido na origem. Sem falar nas aposentadorias de militares, deputados e outras mais… A moça aí acertou que a reforma é tímida. Mas seu enfoque foi apenas nos 70%. Porque não uma solução para os outros 30% que sangram os cofres da previdencia?

    1. Ela está certa. Essa regra

      Ela está certa. Essa regra que você mencionou é a da aposentadoria proporcional. Para a aposentadoria integral não há limite de idade mesmo, é só ter 35/30 anos de contribuição.

      Para a proporcional são cinco anos a menos (30/25) mais os limites de idade citados por você. De toda a forma a proporcional não vigora mais, só para quem entrou no sistema antes de 1998. E poucos pedem pois é muito desvantajosa, é de apenas 70% do salário de benefício, incidindo sobre ele ainda o fator previdenciário. 

  5. A espressão sustentabilidade

    A espressão sustentabilidade definitivamente se tornou o coringa de qualquer discurso de legitimação. Como o velho bombril da propaganda, o termo tem 1001 utilidades, talvez mais.

    Pois não é que agora, no rastro da onda verde, essa senhora descobriu novo nicho de mercado no vocabulário previdenciário. 

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