Congresso do Peru veta abertura de terras indígenas a petrolíferas

Renato Santana
Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.
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PL poderia trazer riscos para indígenas isolados na Amazônia brasileira, explica a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja)

Malocas (casas) de povos indígenas isolados na Terra Indígena Isconahua, Peru, 2015. © Melissa Medina, IBC

Os Nanti são um dos povos indígenas em situação de isolamento voluntário e de recente contato, da sigla PIACI, cuja sobrevivência está ameaçada na Amazônia peruana. Na Terra Indígena Vale do Javari, no lado brasileiro, encontram-se outros povos na mesma situação dos Nanti.

Justamente por essa proximidade, o Projeto de Lei 3518/2022, em tramitação no Congresso peruano, vinha gerando reação contrária de organizações indígenas do Peru e também da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari  (Univaja), que responde na região pela defesa dos direitos dos povos isolados no Brasil. 

O PL foi criado por membros do Congresso ligados à indústria do petróleo e gás. Se aprovado, as terras dos povos indígenas isolados do Peru poderiam ser abertas para a exploração por parte dessa indústria. No entanto, a repercussão sinérgica no bioma amazônico afetaria não só os isolados do Peru. 

O chamado PL do Genocídio estava caminhando no Congresso, mas sua rejeição pela Comissão da Descentralização agora impede que ele siga para outras instâncias. Caso passasse pela comissão, seguiria para a Câmara e os indígenas acreditam que lá o PL seria aprovado.  

De acordo com a Survival International, o PL era “um roubo de terras pelas grandes empresas do petróleo, gás e seus aliados”. 

No Peru, o projeto era considerado inconstitucional com graves ameaças aos direitos humanos e ambientais.

Teresa Mayo, pesquisadora e ativista da Survival disse nesta segunda-feira (26) que a rejeição do projeto é “uma grande vitória para os povos indígenas do Peru, as organizações indígenas e as milhares de pessoas ao redor do mundo que pressionaram o governo peruano”.

Consequências do PL 

Conforme a Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Floresta Tropical Peruana (Aidesep), os 25 povos indígenas isolados e de recente contato no país, oficialmente reconhecidos poderiam, de uma só vez, perder esse reconhecimento e, com ele, todos os seus direitos enquanto povos indígenas.

A criação de novas terras indígenas poderia ser bloqueada e as atuais revistas em sua característica jurídica, revogando-se o usufruto dos povos em isolamento. Essas terras já estão sem proteção. Liberadas legalmente, desencadearia uma corrida de invasores atrás do que elas oferecem. 

Por outro lado, com a exploração de petróleo e gás, se intensifica a extração de madeira e a mineração. São atividades que se expandem e corroem a floresta de forma crescente, atraindo, cada vez mais, forasteiros. Seria uma cadeia de destruição afetando toda a Amazônia, mesmo no lado brasileiro. 

Interesse privado

“Sabemos que os irmãos isolados se deslocam pelos cantos mais remotos da floresta, porque fogem da presença externa. Sabemos que esta alteração é promovida por um grupo que tem negado a existência dos PIACI, apesar de ser o próprio Estado que os reconheceu”, disse Apu Miguel Manihuari Tamani.

Ele faz parte da Organização Regional dos Povos Indígenas do Oriente (Orpio), que também cerrou fileira contra o PL. Assim como a Univaja no Brasil, os indígenas que estão no meio da floresta, exercendo seu direito de isolamento, de nada sabem e são defendidos pela Orpio e Aidesep.

Para Roberto Tafur, também da Orpio, a decisão “destaca a participação de quem tem consciência para poder cuidar dos nossos irmãos PIACI. Porque a vida vem antes do dinheiro. Foi uma votação muito disputada para chegar até aqui”. O lobby das empresas de petróleo e gás se mostrou forte. 

Desde 2009, empresas como a Perenco vêm buscando maneiras de explorar jazidas na Amazônia. No lado brasileiro, O Polo Urucu está localizado na Bacia de Solimões, em Coari, no coração do Amazonas. Há 30 anos a Petrobras está presente no bioma e agora tenta obter licenças no Amapá. 

Conforme a Survival, a indústria do petróleo e gás já causou grande impacto na vida e terras desses povos no Peru. Nos anos 80, por exemplo, a exploração de petróleo pela empresa Shell introduziu doenças que mataram mais da metade da população do povo indígena isolado Nahua.

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Renato Santana

Renato Santana é jornalista e escreve para o Jornal GGN desde maio de 2023. Tem passagem pelos portais Infoamazônia, Observatório da Mineração, Le Monde Diplomatique, Brasil de Fato, A Tribuna, além do jornal Porantim, sobre a questão indígena, entre outros. Em 2010, ganhou prêmio Vladimir Herzog por série de reportagens que investigou a atuação de grupos de extermínio em 2006, após ataques do PCC a postos policiais em São Paulo.

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