Outubro Rosa: faça o autoexame e tome uma atitude caso desconfie de algo, por Matê da Luz

por Matê da Luz

Outubro Rosa é uma das épocas coloridas mais conhecidas neste hemisfério – já sabemos que é tempo de ouvir sobre o autoexame das mamas, campanha forte em cima da prevenção do câncer em tudo quanto é canto. Aplaudo a iniciativa, é claro, e compartilho a informação como posso – fortalecendo o “faça alguma coisa se encontrar algo diferente”. 

Isso porque em Maio do ano passado encontrei um caroço no meu peito. Durante o banho, ops, o que é isso aqui?, nossa!, caraca, hum, não deve ser nada demais, nódulo de período fértil talvez… Não sei de onde eu tirei essa de “nódulo de período fértil”, que pode até existir mas sobre o qual nunca ouvi falar e foi ali que começou minha saga de encontro a um dos períodos mais esquisitos da minha vida toda. Me conformei com o tal “nódulo de período fértil” até que a menstruação desceu e, hum, veja bem, o tal nódulo deveria ter sumido, enfim, já que fazia parte da classificação “período”, momentâneo, não é mesmo? Não sumiu. 

E eu ignorei o fato. Simplesmente segui a vida caminhando e cantando como se não houvesse um caroço do tamanho de uma azeitona no meu peito esquerdo. Isso durante o tempo que passava acompanhada, né, porque quando me via sozinha, aiaiai, a paranóia começava em “ok, vou ficar bonita careca” e só parava quando conseguia adormecer ou, enfim, encontrava alguém com quem me distrair.

Por que eu não procurei um médico? 

Medo. Medo de qualquer certeza – preferia achar, achar e achar: e isso me levou a um lugar péssimo.

Fiquei assim por uns 14 dias e, então, o caroço não só começou a doer mas também a região avermelhou, rolou uma febre. Você acha que fui ao médico, certo? Não, nada disso – eu fiz uma compressa! E, claro, procurei no meu livro de doenças psicossomáticas o que aquilo queria dizer. “Mágoas relacionadas à figura feminina; mãe; maternidade”. Fazia sentido e, então, comecei meu processo de perdões mil e, sem dúvida alguma, aquele caroço ia sumir dali na mesma velocidade com que eu conseguisse me libertar de histórias tão profundas como aquela que dá conta que a mãe não gostou quando eu nasci porque ficou com ciúme do pai e o casamento deles acabou ali – uma coisinha leve, quiçá moderada, pra quem é tão intensa carregar, né, bobagem. Obviamente não passou e, àquela altura, sentia que as pessoas me olhavam com cara de “tem alguma coisa estranha”. 

Por que eu não procurei um médico? 

Medo. Medo de qualquer certeza e, agora, vergonha por não ter procurado antes.

Numa noite, na hora de dormir, percebi que não conseguia me mexer direito e que aquele caroço estava muito esquisito – mais esquisito e maior do que uma azeitona. Doía e não era pouco e “como câncer não dói”, acabei juntando coragem pra ir ao médico, finalmente. Ao pronto-socorro, quer dizer.

Cheguei lá e a enfermeira que me atendeu foi um tanto quanto iluminada: olha, eu não sei o que é isso, mas sei que aqui não tem gineco de plantão e, então, dependendo do que for, eles podem simplesmente acabar com seu peito num procedimento de emergência, como uma biópsia e tal, se der na telha de um deles – sugiro que você vá ao seu ginecologista amanhã cedo ou, se não estiver aguentando de dor, procure um PS que atenda gineco/obstetra. 

Minha saga começou bem. Dilacerar meu peito era a última coisa que eu queria, seja pela questão das próteses, seja pela questão do não quero de forma alguma meu peito dilacerado. Aquela enfermeira me deu a chave para o sucesso e lá fui eu, muito mais calma, pra um outro pronto-socorro. “Se fosse câncer ela teria me segurado lá”. 

Medo. Ainda muito medo de qualquer certeza. 

Chego no novo pronto-socorro, ultrassom no peito e a constatação de que aquilo é um cisto enorme “meu deus por que você não procurou um médico antes, isso aí tá colado na sua prótese, um perigo enorme, menina, que coisa feia, tá muito longe pra estourar sem colocar a prótese em risco, não tá com ponta na superfície, se você tivesse vindo antes era só tomar um anti-inflamatório, sete dias tava resolvido”. 

Comecei a chorar muito nesse “sete dias tava resolvido” e pensei em como o medo de qualquer certeza tirou de mim a capacidade de tomar uma decisão racional e imediata em prol da minha cura. Aceitei que, então, dali pra frente, eu faria o que fosse preciso pra lidar com esse medo do que eu não sei o que é e, portanto, merecia a cura da melhor forma possível. Os céus, atendendo meus pedidos, receitaram antibiótico e anti-inflamatório, “vá pra casa descansar, isso tem que melhorar em três dias”. 

Contei a saga em casa de forma resumida pra não dar mau exemplo pra filha, fui dormir mais tranquila, pelo menos eu já sabia o que era. Ledo engano. Meu corpo deve ter ficado puto com meu medo e o tal do caroço só fez aumentar – dali três dias, a coisa estava bem feia e voltei ao PS. Já fui com uma malinha, sabendo que não sairia de lá sem algum tipo de procedimento mais complexo do que o que a gente faz nas salinhas debaixo. Inernação, eu sabia, vamos ter que retirar a prótese.

Choro, muito choro, porque essa prótese não é só uma questão estética pra mim, ela tem muito da minha auto-estima e não vou querer te convencer sobre a minha não-futilidade neste aspecto. Fato é que eu tinha combinado comigo não ter mais medo e, enfim, estava prestes a tomar uma anestesia geral – odeio – e a ficar sem meus peitos. “Vamos lá, combiando é combinado”.

De novo, os céus decidem me ajudar e, então, o médico resolve vir até meu quarto pra analisar a coisa toda antes da cirurgia – nisso eu já estava na cadeira de rodas em direção ao pré-operatório. “Não vamos mexer não, vamos tentar diminuir isso na medicação intravenosa”. Alívio, Muito alívio, pelo menos por um momento. Já contei que sou alérgica? Pois bem, resumo curto de uma longa história, tive alergia de 4 medicações enquanto estava no hospital e, então, chegou o dia da cirurgia. 

Triste e cansada, lá fui eu pro banho de despedida dos meus peitos. Ok, eu tentei, nós tentamos, mas poxa vida, como é que vai ser daqui pra frente? Sem medo, lembra, vamos lá… Já contei que os céus me adoram Pois bem. Saindo do banho, algo que até o médico considerou uma intervenção de sorte (o que pra mim quer dizer “milagre”) aconteceu. Por um orifício que não estava ali há poucos minutos, a ferida começou a sangrar, indicando que o acesso ao abcesso se fazia possível sem cirurgia. 

Nunca dei tanta risada na vida em um processo tão dolorido. Me liberei da cirurgia, me libertei do medo, lavei minha alma naquele enredo de 23 dias de conversas comigo mesma e com o invisível que me cerca. Foi um dos períodos mais incertos e onde a confiança de que o que há de melhor aconteceria teve mais presença pra mim. Afinal, era a única coisa que me restava e, quando é assim, acho eu, a gente acaba aprendendo a lidar com o que faz acalmar. 

Toda essa história, porém, tem uma mensagem que é muito, muito importante: faça o autoexame e, se encontrar algo diferente no seu corpo, vá ao médico. Rápido, correndo, com ou sem medo – vá ao médico. Não procure no Google, não confie nos seus santos (não porque eles não vão te ajudar, eles vão desde que você faça algo em prol de si mesma), não ache que aquilo não é nada. O meu “não é nada” poderia ter demorado 7 dias de bem-estar pra ser resolvido e não 23 com uma internação. Procure um médico. E faça o autoexame. (não só em Outubro, é claro e evidente, né?). Tenha coragem pra tomar a decisão certa, no sentido certo, que é a de resolver o mais rapidamente possível com o maior número de informações possível. 

Câncer é uma doença assustadora, eu sei. Mas desinformação e ignorância são ainda piores, vai por mim. 

 

 

 

 

Mariana A. Nassif

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