Analisando as UPPs e o PAC 2

Comentário ao post “UPPs, novas considerações e um olhar atento

Cara Louren, 

há fenômenos que não podem ser misturados. Uma coisa é um projeto (PAC 2), outra coisa é a realidade, outra coisa é a hegemonia, outra ainda a consciência política, outra mais a sociologia dessas regiões:

a) O Projeto (PAC 2 e Upps): Naturalmente atingiram, em parte, seus objetivos. Foram implementadas políticas de segurança somadas a políticas públicas básicas que efetivamente mudam o scenário nas regiões favelizadas. No entanto, concorco com um comentário acima ao afirmar que há uma escolha estratégico-política das comunidas pacificadas e esta, ao meu ver e compreender, são as do entorno da Zona Sul, a região turística, ou a área em trânsito para o Aeroporto Internacional e Br-101. A questão está no que motiva esta escolha: interesses econômicos quase exclusivamente. E quanto à segurança de outras áreas, que sequer são favelas, mas sim regiões dominadas por milícias… a UPP e o PAC não atingirá? Ou deixará para segundo plano? Enfim, duas medidas para a mesma quantidade, diria um ditado da minha terra. O que questiono não é o projeto PAC 2 e a UPPS e sim, onde o PAC 2 e onde a UPPs e por quê?

b) A realidade das favelas melhorou, naturalmente. A violência está menor porque onde houve UPP e PAC 1 e PAC 2 há agora o presença do Estado. Antes – isto é, por 500 anos, nem isto existia. Aplausos para o programa neste aspecto. No entanto, políticas públicas e projetos, per si, não mudam realidades tão entranhadas numa nação de modo rápido. Estamos falando de um Estado violento, cujo aparato militar, oriundo das técnicas ainda da guerra-fria, nos anos de chumbo brasileiro, são violentos. Embora a violência seja outra agora, permanece a violência. Quando se questiona a eficácia das UPPS está se questionando, de modo embutido, este estado violento. Também eu tenho muitas pessoas que vivem em regiões neo-pacificadas e já pacificadas há alguns anos (como o Dna. Marta) e elas me dizem de uma continuada violência, agora não do tráfico mas do Estado. O caso Amarildo, encastelado naturalmente em interesses por trás dele de uma mídia e de um grupelho de manifestantes, na verdade revela o cotidiano das comunidades: mortes, desaparecimentos, extermínios, tudo isto dentro de um Estado de Direito e com pouca cidadãos e famílias que possuem pouca ou nenhuma voz para mudarem a situação. Na verdade Louren nestas regiões não se vive exatamente um Estado de Direito e sim um Estado de Exceção, com um exacerbado aparelhamento policial da vida comunitária. As UPPs não são acompanhadas por uma nova maneira de se pensar a relação Política versus Comunidade e no espaço territorial das pacificadas favelas repetem-se, diariamente, o abuso do poder policial conhecido do Brasil de tantos séculos. Isto é grave e a crítica a isto está embutida em críticas às UPPs, embora não sejam os mesmos temas, são temas que se tocam. A isto chama “A realidade”

c) Por Hegemonia refiro-me ao discurso único, sem atravessamentos diferentes de suas concepções. O fato de o PAC 2 e de as UPPs serem os melhores programas nos referidos objetivos existentes até hoje (concordo com sua análise), não significa que deveremos considerá-los em si mesmo, prontos, acabados, realizados ou que tenham alcançado objetivos da sociedade. Aqui cabe uma diferenciação. Uma coisa são objetivos de programas específicos (que podem alcançar até 100% de realização), outra coisa são objetivos para a sociedade, expressos no Estado de Direito de nossa Constituição. Neste específico aspecto, se juntamos PAC 2 e UPPs não chegaremos a alcançar objetivos sociais plenos e sim parciais. E por que parciais? Porque são programas afetados por críticas legítimas, justas, por atenderem a uma demanda mínima e não máxima de necessidades. Por que estes programas, como já expus, jamais alcançarão hegemonia enquanto eles não se aperfeiçoam internamente. Quanto ao PAC 2 eu reconheço que o programa é excelente em si… mas com o défcit nacional que temos por obras públicas o PAC precisará chegar a PAC 1000 para realizarmos as demandas brasileiras. Mas o PAC é um sucesso. Já as UPPs, conforme citei no ítem acima necessitam sim, efetivamente, autorevisão, porque um programa de pacificação com elementos endógenos tão violentos não cumpre o seu papel. A junção destes dois programas gera, na mente popular, o que a presidenta afirmou nas manifestações: o pove reclama por mais. Sim, o povo nunca teve, mas ele tem o direito de estranhar e rejeitar as indiossincrasias dos programas que recebe

d) Serei breve. Os programas atendem a demandas específicas. Isto é um sucesso. Em contacto com o todo e com o Estado de direito eles sempre deixarão a desejar: também isto faz parte do fazer política e da conjuntura da nossa sociedade. Porém, mais complexo fica todo este processo múltimo e interpenetrado quando não se tem um povo com boa formação política. A responsabilidade em parte é das forças conservadoras? Quase total: partidos que jamais investiram na educação efetivamente (só paliativamente), que jamais consideraram como cidadãos os moradores das favelas, os lumemproletariados, jamais fizeram programas como estes por você afirmado. Acresce ao espírito conservador do Brasil (o trabalho do A. Singer ajuda a compreender isto) e também do papel dominador da mídia. Não é fácil a um cidadão com pouca consciência política (sobre esferas de poder e projetos partidários) ver uma realidade ideal (o projeto), uma realidade real (o dia-a-dia na comunidade ainda violenta, embora menos), uma realidade ficcional (a mídia criticando e demosmoralizando políticas e governos), tudo isto na mente de quem não sabe sobre a história do Brasil tampouco sobre as conjunturas políticas. A sensação de repúdio de alguns moradores destas regiões emerge, em parte, deste múltiplo caldo que em vez de auxiliar as distinções, as confunde mais.

e) Por fim, a sociologia destas regiões e aqui entra a educação. Sem conhecimento sobre sua origem (quase todos pretos, nordestinos migrados, brancos excluídos do mercado), esta geração que há muito pouco adentrou a capacidade cidadã de consumo (LULA), dificilmente se saberá efetivar em nível consciencial as distinções fundamentais para apoios e críticas a programas, projetos e governos. Herdeiros de um abandono histórico de cinco século, a compreensão é frágil, num país moralista (católico) e dominado por discursos anti-políticas todo o tempo. Com uma escola de base fraca (tentando recuperar-se, ainda bem e a tempo), sem apoio de uma massa dominante (no caso a classe média é dominante), desinformados sobre mecanismos de questionamentos populares democráticos, torna-se bem difícil uma aprovação ou uma crítica séria e construtiva a esses projetos.

Por fim Louren, acrescento ainda algo que me parece importante. Apesar de haver interesses os mais diversos que saberá manipular (ou somente utilizar) cada um dos aspectos por mim divididos, que na realidade prática são um só, é necessário sim o exercício da crítica, do questionamento. Em política precisamos sempre exigir o melhor, embora de modo sério e criterioso.

Claro que, algumas vezes, esta exigência reforça à oposição e ela, então, hegemoniza e vence. Mas se ela vence, não consideremos a culpa do pobre que sem perceber entregou “ouro a bandido”. O pobre é vítima de um sistema intrincado e sem perceber, ele dá “o tiro no pé”. Assim foi a rejeição a Lula em 89, 93 e 97, quando o eleitorado proletariado e subproletariado nele não votou. As táticas dos pobres, infelizmente, nem sempre vencem. Por isso, só mesmo a consciência política e a educação política podem resolver tamanha pugna. Ou melhor, podem auxiliar ao discernimento, pois resolver, resolver mesmo… nunca. Pois o hommo politicus é esse que sonha, tenta, erra e insiste na utopia, se esquecendo que quanto mais perto ele chega do horizonte, mas longe o horizonte estará.

 

Leia os artigos deste debate:

Breves considerações sobre as UPPs – de Mario Brum

UPPs, novas considerações e um olhar atento – de Louren

 

Redação

1 Comentário

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  1. E os outros atores?

    Por fim, a sociologia destas regiões e aqui entra a educação. Sem conhecimento sobre sua origem (quase todos pretos, nordestinos migrados, brancos excluídos do mercado), esta geração que há muito pouco adentrou a capacidade cidadã de consumo (LULA), dificilmente se saberá efetivar em nível consciencial as distinções fundamentais para apoios e críticas a programas, projetos e governos. Herdeiros de um abandono histórico de cinco século, a compreensão é frágil, num país moralista (católico) e dominado por discursos anti-políticas todo o tempo. Com uma escola de base fraca (tentando recuperar-se, ainda bem e a tempo), sem apoio de uma massa dominante (no caso a classe média é dominante), desinformados sobre mecanismos de questionamentos populares democráticos, torna-se bem difícil uma aprovação ou uma crítica séria e construtiva a esses projetos.

    Não concordo com esta tese. Em todas as análises sobre as UPPs tem sido esquecida, não inexistente, a participação das entidades organizadas e outras forças locais com vínculos na comunidade anteriores à criação das UPPs. Há uma série de grupos organizados e pessoas que circulam e participam de decisões nas comunidades há longo tempo (desde a década de 70 pelo menos). Vou citar, só como exemplo, algumas delas embora com origem, poder e interesses muito diferentes: Federação de Favelas Do Rio De Janeiro, Deputado Paulo Ramos, pastor Marcos Pereira, AfroReggae, Associação de Moradores do Morro Santa Marta, União Pró-Melhoramentos dos Moradores da Rocinha, Willian da Rocinha.

    Ora, sabemos que antes da existência das UPPs todos precisavam da autorização das lideranças locais do crime para poder atuar nas comunidades. Num momento seguinte à criação das UPPs, creio eu, é evidente que cada grupo passou a querer ocupar o lugar de ator principal. A luta portanto, vai além das políticas de estado, e necessariamente passará pelo acompanhamento da influência, majorada ou perdida dos coadjuvantes, e da análise do conflito entre estes grupos e pessoas. Os ataques ao AfroReggae, atribuidos até agora a Marcinho VP e Fernandinho Beira-Mar são um exemplo, mas há outros. Mostra a força que traficantes presos ainda exercem nos locais. Por que a análise permanece centrada nas UPPs e na polícia?

     

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