Levantamento mostra mapa dos desaparecimentos no Rio

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Da Agência Pública

Rio de Janeiro: o mapa dos desaparecimentos

 

O caso de desaparecimento que mais chamou a atenção no ano passado foi o de Amarildo de Souza, 42 anos, ocorrido em julho na Rocinha. A favela fica encravada na região mais rica do Rio de Janeiro e uma das mais nobres do país, a zona sul. Mas essa é também a área onde menos ocorrem sumiços de pessoas: foram 176 entre novembro de 2012 e outubro de 2013, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP) do estado. Para se ter uma ideia, o número representa  apenas 2,91% do total de desaparecimentos do estado.

A zona sul tem, segundo o censo de 2010, 654.010 habitantes, 4,1% da população total do Rio de Janeiro, e seis delegacias.

Na zona oeste, o bairro de Campo Grande, área com 481.256 habitantes dominada por milícias e recordista no registro de sumiços, foram 278 só no mesmo período, 102 a mais que toda a zona sul, embora o bairro tenha 172.754 moradores a menos.

A área vizinha a Campo Grande, de responsabilidade da 34ª Delegacia de Polícia (bairros de Bangu, Gericinó, Padre Miguel e Senador Camará), também registra altas taxas de desaparecimentos: 229 no mesmo período. Mas, ao contrário de Campo Grande, onde praticamente não existem mortos em confrontos com policiais, a região tem também um número alto de autos de resistência: 35, um recorde entre todas as delegacias do estado.

Com 882.645 habitantes, Duque de Caxias é a maior cidade da Baixada Fluminense e também a que mais registra desaparecimentos na região: 346 nas suas quatro delegacias entre novembro de 2012 e outubro de 2013.O número é quase o dobro do registrado na zona sul carioca.

UPPS E DESAPARECIMENTOS
A zona sul é onde estão sete das 37 Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) do Rio de Janeiro – quatro das seis primeiras unidades surgiram ali, inclusive a inaugural, no morro Santa Marta.

Especialistas valorizam as UPPs como forma de enfrentar o tráfico de drogas, mas também reconhecem que elas não ajudam a diminuir as taxas de desaparecimentos. ”Acho que com todos os problemas, as UPPs são a melhor coisa que fizeram no Rio de Janeiro. O problema não são as UPPs, são os policiais. Tem que melhorar o treinamento dos policiais, eles têm de ter uma formação mais humanista”, afirma o sociólogo Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos da Cidadania, Conflito e Violência Urbana (Necvu) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“O tráfico, em geral, não desaparece [com as pessoas]. Já as milícias, o trabalho delas é fazer desaparecer o ‘marginal’. É diferente. O tráfico fazia isso com o X-9 [ou “dedo duro”]. O objetivo do tráfico não é ficar matando as pessoas, é vender drogas. O objetivo das milícias é esse: matar ‘marginal’”, completa Misse.

Em algumas áreas com UPPs, as taxas de desaparecimentos até aumentaram. É o caso da unidade da favela Cidade de Deus, em Jacarepaguá, zona oeste do Rio, inaugurada em 2009. Segundo reportagem publicada pelo UOL, um ano antes da entrada da polícia na comunidade foram registrados 18 desaparecimentos. Um ano depois da inauguração, o número passou para 48. “Ali naquela região também existe milícia”, garante Misse. Segundo a Secretaria de Segurança Pública, os registros aumentaram porque a população agora consegue fazer denúncias.

A UPP do Batan, em Realengo, também na zona oeste, foi a única implementada em área onde reconhecidamente atuam milícias, depois que um repórter, um fotógrafo e um motorista do jornal O Dia foram sequestrados e torturados ali por milicianos, em 2008. Mas, desde 2009, quando foi inaugurada  UPP, ela já teve o seu território alterado, como explica o segundo o Fabio Araújo, que apresentou uma tese de doutorado em 2012 sobre desaparecimentos forçados na Universidade Federal do Rio de Janeiro, e  realizou trabalho de campo no local: “São dois conjuntos habitacionais, não são nem favelas, que vivem em pé de guerra. Aí a geografia da UPP foi mudando com o decorrer do tempo. Tem uns prédios do Minha Casa Minha Vida de gente removida de várias partes da cidade. Largaram esse pessoal na mão dos milicianos e passaram a investir do outro lado da Avenida Brasil, onde tem favela”, diz o sociólogo. Oficialmente, a Secretaria de Segurança Pública do Estado afirma que a mudança ocorreu por motivos estratégicos.

É por causa da atuação de milícias, como abordado na reportagem publicada pela Agência Pública na semana passada, que a zona oeste do Rio de Janeiro é a recordista em número de desaparecimentos no estado. Embora a Secretaria de Segurança Pública afirme que fez avanços no combate às milícias, especialistas acreditam que apenas uma força-tarefa seja capaz de enfrentar esta forma de crime organizado com sucesso. ”Tem que ser uma força-tarefa, investigação. Porque algumas milícias têm o apoio dos moradores, o que deixa mais difícil ainda”, diz Misse. “Não se pode dizer que o estado seja totalmente omisso. Prendeu várias pessoas. Mas acho insuficiente.”

“A UPP não serve para milícia. Porque a milícia é a polícia. E a milícia tem o discurso da ordem, que é o mesmo discurso da UPP”, afirma o deputado estadual Marcelo Freixo, que presidiu a CPI das Milícias, em 2008.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

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