RoboCop precisará de credenciamento para atuar no Brasil

Em 2014, o diretor José Padilha realizou uma releitura do blockbuster RoboCop, sucesso de público na década de 1980. O remake, ambientado em 2028, demonstra uma realidade na qual o uso de drones e robôs com finalidade militar é algo comum e aceitável pela população, muito embora nos Estados Unidos haja uma legislação que restringe a sua utilização em território norte-americano – amplamente questionada pela OmniCorp. Em tempos do surgimento de justiceiros no Brasil com princípios próprios que causariam arrepio até mesmo a Frank Castle, algumas reflexões sobre segurança pública e observações quanto a certos postulados do Direito Administrativo vêm a calhar.

O Brasil de 2028 seguramente não se situará nesse nível avançado de discussão concernente à infraestrutura prisional relacionada à segurança pública. Desde o advento da Lei das Parceiras Público-Privadas (PPP), em 2004, a iniciativa pioneira em um projeto desse tipo para presídios somente ocorreu recentemente, em Ribeirão das Neves, Minas Gerais, a qual não tem nem dois anos completos de experiência em funcionamento.

Hoje assistimos atônitos ao problema de Pedrinhas, no Maranhão, e perguntamos: “Por quê”? Por que União e Estados não se valeram de um amplo programa de PPPs prisionais há dez anos, considerando o problema crônico de segurança pública experimentado no País desde tempos imemoriais? Enquanto o Brasil caminha a ritmo mastodôntico no tema, o Chile, país que já possui um programa amadurecido no setor, exibe outras preocupações – como o aumento do número de suicídios dos encarcerados por conta da segregação promovida na nova organização prisional advinda com as PPPs, desmantelando antigos grupos e facções prisionais e acarretando, reflexamente, problemas psicológicos em alguns presidiários.

Perdeu-se muito tempo no Brasil com questionamentos referentes aos limites de delegação para privados do poder de polícia estatal, até que se chegou a um consenso de que a gestão da infraestrutura penitenciária não se confunde com o poder de polícia exercido pelo Estado sobre os detentos. Agora, ganha força cada vez mais a discussão quanto à evolução do instituto do “credenciamento” no Direito Administrativo, o qual permite o auxílio de particulares na execução de atos materiais para o exercício do poder de polícia estatal. É o caso dos radares instalados em rodovias por empresas privadas, por exemplo. Ou, quem sabe até 2028, o uso de drones para fiscalização administrativa de atividades econômicas privadas.

O credenciamento, no entanto, não prescinde da participação da Administração Pública para a completude do exercício do poder de polícia administrativa, visto que a doutrina entende ser esse um elemento garantidor da impessoalidade nas relações público-privadas. Todavia, quando há uma transferência ou delegação de serviços públicos a empresas privadas, já não há essa presunção de impessoalidade na prestação dos respectivos serviços? No credenciamento também não poderia se presumir relativamente uma impessoalidade do agente privado na gestão de assuntos públicos?

A utilidade na evolução desse pensamento é incontestável: poder-se-ia, por exemplo, aplicá-lo no caso de credenciamento de agentes de concessionárias de serviços públicos para aplicação de multas em usuários que descumprem a legislação que rege a utilização de determinada infraestrutura, estendendo a impessoalidade já existente na prestação do serviço para o exercício do poder de polícia administrativa. Isso seguramente teria reflexos positivos na mitigação de riscos contratuais, o que se refletiria em propostas mais vantajosas para a Administração Pública nas concessões e permissões – e, consequentemente, com tarifas mais módicas aos usuários.

Mas Alex Murphy poderá ficar tranquilo: metade homem, metade máquina (ou seja, com alto grau de impessoalidade nos seus julgamentos, diferentemente do Juiz Dredd), ele já pode se valer do instituto do credenciamento para auxiliar a Polícia Civil e Militar brasileira no combate ao crime – isso se o País já não estiver, em 2018, dominado por justiceiros com superpoderes para amarrar as pessoas nos postes de eletricidade. Porém, no ritmo que caminham as PPPs no Brasil por parte dos governos federal e estaduais, só não vamos poder contar com a atuação da OmniCorp para gerir os presídios que ficarão superlotados com as prisões realizadas pelo RoboCop. “Alles klar, Herr Kommissar?”

Andre Castro Carvalho é doutor em Direito Público e Financeiro pela USP, advogado e membro do Instituto Brasileiro de Estudos Jurídicos da Infraestrutura – IBEJI

Redação

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