O Terceiro Tempo

Essas eleições são as mais importantes dos últimos 17 anos, por marcar definitivamente o fim da era Fernando Henrique Cardoso.

O estilo FHC, da dubiedade programática, significava acenar com algum espaço para os desenvolvimentistas, fazer o jogo interno do partido, com a clara intenção de anulá-los como força autônoma, e mantê-los debaixo da asa do mercadismo avassalador da PUC-Rio.

Esse mesmo estilo foi adotado por Lula, ao apostar na polarização Palocci-Dirceu. A Dirceu era permitida a retórica; a Palocci, a caneta. Nos dois casos, FHC e Lula, terceirou-se a política econômica para essa entidade mística chamada Mercado, acreditando que qualquer outra forma de gestão econômica significaria populismo, desequilíbrio fiscal, volta aos anos 80 (bordão predileto desse pessoal).

Terceirizou-se, mas a política econômica não entregou o que prometeu: desenvolvimento.

Do lado da oposição, segunda-feira FHC vestirá o pijama, assumem José Serra e Aécio Neves, e poderá haver a recuperação do primado da Política sobre o Mercado.

Até agora, Aécio tem tentado brandir a bandeira gerencial. O que fez em Minas Gerais é importante do ponto de vista de gestão, mas insuficiente do ponto de vista de projeto nacional. Aécio entendeu uma das pernas do novo modelo político – a gerencial –, mas não tem nenhuma definição conhecida sobre todas as demais – a dimensão da política econômica, das políticas sociais, inserção do Brasil no mundo etc.

De seu lado, há muitos anos José Serra já era visto como o quadro mais preparado do PSDB. Tem história, idéias, quadros e, desde 1994, era o lado do PSDB que representava a modernização com responsabilidade fiscal e engajamento social.

Em 1994, a eleição de FHC jogou Serra para segundo plano, e congelou o que se poderia chamar de “serrismo”, que crescia a olhos vistos desde fins dos anos 80.

A árvore e o parasita

Desde então, desenvolveu-se essa relação política entre ele e FHC que, um dia, ainda será dissecada por algum especialista em psicologia pública (se é que existe a matéria).

Enquanto presidente, FHC deu “oportunidades” a Serra, no início como Ministro do Planejamento sem voz; depois, como Ministro da Saúde, sem voz política, mas com visibilidade nacional.

O cargo de Ministro garantiu a Serra o cacife para manter-se como o grande homem do partido, após o próprio FHC. Mas garantiu a FHC manter por perto – e sem voz política – a pessoa que ele sabia ser o único em condições de ser uma alternativa de poder muito mais completa e consiste que o fernandismo.

Quando o reinado FHC foi chegando ao fim, em 2002, FHC passou a adotar uma relação parasitária explícita com Serra. Este se tornou a árvore; FHC o parasita, a planta que orna a árvore, deixa-a mais bonita até, mas suga as suas seivas. (Atenção: não estou desrespeitando FHC chamando-o de parasita; o termo se refere a um tipo de relação pessoal, muito associada ao fenômeno biológico).

Lançou-o candidato à sua sucessão em 2002, mas operou insistentemente contra sua candidatura. Agora, dá entrevistas e lança iscas em direção à árvore, admitindo-o como o melhor quadro do partido. Ao mesmo tempo, acena com a guerra como estratégia política. Em quadro de guerra, o parasita comanda a árvore; em quadro de negociações políticas e redefinições programáticas, a árvore comanda. Caindo na armadilha da relação parasitária, e da guerra, a árvore seria subjugada pelo parasita.

Mais ainda. A dubiedade programática de FHC já sugou todas as energias do galho PSDB. Depois de deixar o governo, FHC deixou de ser o includente, o que juntava todas as forças debaixo da sua asa, e conseguia com seu pragmatismo e habilidade anular todas as idéias, pasteurizar todas as posições. Sua imagem ficou indelevelmente ligada a um estilo de elitismo superficial, mas suficientemente poderoso para estigmatizar quem se aproxime politicamente dele.

Parece claro que haverá a reorganização partidária — que antecipei aqui há algumas semanas. Mas será com um novo partido, pela impossibilidade de dissociar o PSDB da pesada herança fernandista.

Não há maneira da árvore sobreviver, se mantida essa relação com o parasita. Homem de lealdades, Serra vacilará até o último instante em aceitar um rompimento, ainda que político, com o amigo. Mas não acredito que haja outra alternativa.

A volta do pêndulo

Os próximos anos serão indelevelmente marcados pela volta do pêndulo, pelo fim das simplificações programáticas e pela compreensão do país como um todo.

As idéias-força do próximo tempo terão, como ponto central, a reconciliação da política com o povo, o primado da Política sobre o Mercado, a visão do país como uma realidade complexa em que já nos tornamos, com algumas idéias-força que terão que ser compatibilizadas.

1. A campanha atual mostrou o extraordinário divórcio entre princípios de modernização e o pensamento da opinião pública majoritária. A privatização foi demonizada, em si, princípios de gestão desmoralizados junto a grande parte da população eleitora. Esses valores terão que ser recuperados, mas dentro de uma nova ótica. As novas lideranças terão que demonstrar que modernização e eficiência são ferramentas para melhorar a vida de todos.

2. O primado das políticas sociais. A inclusão social é peça central na recuperação do conceito de Nação. Não se pode permitir essa falsa dicotomia entre carga de impostos e gastos sociais. Tem que ser entendida como possibilidade de ampliação do mercado interno, de passo essencial para a construção de uma futura grande nação, não apenas por seus aspectos econômicos, mas por permitir o exercício da solidariedade nacional.

3. Projeto nacional de desenvolvimento. A nova bandeira precisará casar a idéia do desenvolvimento nacional juntando crescimento, solidariedade social e eficiência gerencial. Terá que haver um projeto nacional suficientemente abrangente para juntar trabalhadores e empresas, grande empresariado nacional e multinacional instalado aqui com pequenas empresas, movimentos sociais e projetos modernizadores. A maneira de romper com essa divisão que marcou as eleições, entre ricos e pobres, é acenar com um projeto de desenvolvimento suficientemente claro, que permita a cada ator se ver nela, saber onde contribuir e como ganhar.

Se o novo partido em gestação que vem por aí conseguir empunhar essa bandeira, mudará a história do país. Pela primeira vez em doze anos se terá um partido com clareza programática. A força dessa clareza programática permitirá à oposição criar uma alternativa real de poder político; e empurrará o governo Lula para romper com o estilo FHC que marcou os últimos quatro anos.

Enfim, o país entrará no terceiro tempo podendo, pela primeira vez, reunir condições concretas para romper com o pacto da estagnação que marcou oito anos de governo FHC e quatro de governo Lula.

Luis Nassif

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