A visita do matemático Cédric Villani ao Rio de Janeiro

Do O Globo

O gênio que ama aranhas e Lady Gaga

Ganhador do mais importante prêmio da área vem ao Rio e defende popularização das vanguardas

Um dos maiores gênios da matemática, o francês Cédric Villani foge do estereótipo do professor sisudo. Visual extravagante, que lhe rendeu a alcunha de “Lady Gaga” da matemática”, o ganhador da Medalha Fields de 2010 – o equivalente ao Prêmio Nobel de sua área – está no Rio para fazer uma conferência no Instituto de Matemática Pura e Aplicada. Em entrevista, ele se disse encantado com a cidade.

 Paula Giolito

Antes de tudo, por que “Lady Gaga da matemática”?

Isso foi uma brincadeira e um exagero de um jornalista. Durante uma entrevista, ele perguntou para mim por que eu era o matemático mais conhecido da França, apesar de outros 11 franceses já terem ganho a Medalha Fields. Respondi que era devido à maneira como me visto e me comporto, sempre atento à importância de estar em contato com o público. Em qualquer lugar no mundo que eu vá costumo estar vestido com um terno de três peças, usando um tipo de lenço como gravata e uma joia em formato de aranha na altura do ombro — tenho uma coleção de umas 20 delas. Disse que era como a Lady Gaga, que pode não ser a melhor cantora do mundo, mas chama a atenção por suas roupas e atitudes. Ele colocou isso na manchete do seu texto e alguns colegas até acharam ofensivo, mas não me importo. Se a manchete fez as pessoas lerem o texto e saberem mais sobre matemática e ciência, então para mim é um bom título.

E de onde o senhor tirou a inspiração para este seu estilo? Por que das aranhas? Vi algumas imagens antigas de Ludwig Boltzmann (físico austríaco do século XIX criador do conceito matemático para a entropia e cujo trabalho está entre as bases para as pesquisas de Villani) e são bem parecidas com a maneira como se veste…

Não falo sobre as aranhas. Assim as pessoas criam todo tipo de explicação imaginária, que são muito mais interessantes do que a história verdadeira. É como uma música em uma língua estrangeira. Você ouve, não entende, imagina todo tipo de coisas legais e quando descobre o significado das palavras fica desapontado. Já às roupas em geral, decidi encontrar meu estilo pessoal quando tinha uns 20 anos. Antes eu me vestia como um nerd comum, de camiseta, calça jeans, um visual meio largado. Então encontrei uma loja com roupas antigas, achei interessante e comecei a provar algumas coisas. Acredito que toda pessoa deve achar seu próprio estilo. É como parte da minha identidade pessoal, uma forma de me afirmar como indivíduo. Só fui ver as imagens do Boltzmann bem depois de ter adotado este estilo. Mas me identifico com o jovem Boltzmann. Ele era uma pessoa engraçada e sagaz e fez algumas contribuições que mudaram a cara da matemática, como dar uma definição precisa para a entropia, que antes estava confinada ao mundo físico e ao experimentalismo. Sua interpretação para a entropia deu início a este conceito no campo da matemática, hoje usado em diversos campos, e foi uma verdadeira revolução. Ele estava à frente de seu tempo.

Continuando a falar de ciência, o senhor está familiarizado com a matemática produzida no Brasil?

Acredito que o Brasil vai extremamente bem. Na América Latina o país lidera as pesquisas em matemática, especialmente aqui no Impa, uma instituição que tem renome mundial. O Brasil já produziu matemáticos excelentes, alguns deles de alto nível, como Jacob Palis, reconhecido como um dos principais nomes do mundo no seu campo, o de sistemas dinâmicos. Mas a excelência do Impa é só uma parte da equação a resolver. A outra é atrair os jovens e pesquisadores de fora para estudar e lecionar aqui.

E como o Brasil pode fazer isso?

Para isso está contribuindo muito a melhoria da segurança pública no Rio. A cidade tinha uma reputação de ser um lugar violento, assim como muitos outros lugares na América Latina, o que me fez vir para cá sem minha família (ele é casado e pai de dois filhos), mas pude ver que isso está mudando. Cheguei no sábado, já passeei por muitos lugares e me senti muito tranquilo. Chega a ser injusto com as pessoas em outras partes do mundo vocês terem uma cidade tão bela e com um clima tão bom em pleno inverno. Além da natureza exuberante, cada vez mais importante para a qualidade de vida, achei maravilhoso ver a miscigenação, a mistura étnica das pessoas na praia e nas ruas. Quando você vai para a maior parte dos países asiáticos, por exemplo, é facilmente distinguível da população local. Já quando você vai para os EUA, chega a ser embaraçoso ver a segregação, a separação entre brancos, negros e hispânicos. Mas aqui não, parece que é tudo misturado. As praias do Rio dão uma ideia do que deveria ser um mundo ideal, com uma mistura de pessoas de todos os tipos e nacionalidades, sem se importarem com suas origens étnicas. Isso é muito excitante.

O senhor também mencionou a necessidade de atrair os jovens para a matemática. Com fazer isso diante do fato de a maioria dos estudantes, e das pessoas em geral, ter “medo” de matemática e dos estudos de ciências em geral?

Este é realmente um dos maiores perigos que devemos temer. Primeiro temos que reconhecer que as pessoas aprendem e usam a matemática há milhares de anos, então temos várias ferramentas pedagógicas que são boas e funcionam. São muitos os sistemas usados e hoje temos a possibilidade de compará-los e experimentar. Outra coisa que as pessoas tendem a esquecer é que na pedagogia o melhor método costuma ser aquele que é o preferido do professor, o que ele ou ela desenvolveram por si próprios e sabem por experiência própria que seu sistema funciona. No fim, o que importa é a relação entre os alunos e o professor. Os professores mais motivadores que encontrei na escola eram os que tinham seu próprio estilo, seus próprios exercícios e que davam mais atenção para os alunos que se mostravam mais interessados. Eram os que realmente gostavam da matéria que ensinavam, e isso é motivador. E na matemática, embora alguns princípios sejam importantes, deve-se ter paciência. A matemática não é algo natural para nós. Nossa maneira de pensar é baseada em emoções, sentimentos, na identidade visual e no contato com as pessoas, e não na lógica matemática. Esta lógica foi desenvolvida por várias civilizações ao longo do tempo e chegou a nós com esforço. Temos que lembrar disso e que leva tempo para entrarmos no espírito da matemática. E o mais importante na educação matemática não é o conhecimento que você adquire, mas o hábito, a maneira de pensar que você aprende, qual a diferença entre um postulado e um teorema, a racionalização, o que é uma prova, como resolver um problema e as várias maneiras de fazê-lo. Isso requer treinamento e é o que de fato é importante. Como adulto, você pode muito bem viver sem saber o que é o Teorema de Pitágoras. Você pode esquecer isso ao longo do caminho, mas sempre será bom ter esse treinamento, essa capacidade de pensar logicamente, de abordar um problema de forma racional e não cometer erros.

Então a questão é mais forma do que conteúdo?

É como um jogo em que você perde de um lado e ganha do outro. É verdade que a matemática é abstrata por definição. Ela é uma representação abstrata do mundo. Mas por isso mesmo ela é muito mais simples do que o complexo mundo real em que vivemos. Diariamente fazemos cálculos geométricos, usamos a teoria dos jogos e tomamos decisões baseadas em princípios matemáticos, mesmo que inconscientemente. Na vida prática é muito útil saber sobre probabilidades e estatística, e tudo isso é muito mais complicado do que a matemática que aprendemos na escola. Então, a matemática está muito mais próxima de nós do que imaginamos. Mostrar isso para as pessoas, que elas estão usando a matemática toda hora, é uma boa forma de quebrar esta barreira que elas têm.

E quanto às aplicações práticas de estudos de matemática avançada como os que o senhor faz? Pode-se também destacar isso?

Primeiro, nunca é demais destacar que a ciência é feita por cientistas, por pessoas. Segundo, que ela está em todo lugar, no nosso ambiente. Mesmo quem diz não se interessar ou ver razão em investir nas pesquisas em matemática e ciência está interessado no seu telefone celular, no seu GPS. Atrás de tudo que você usa e está acostumado há um conceito científico e matemático, e atrás deste conceito está um ser humano, com sua própria história. Não há uma dicotomia entre ciências humanas e ciências exatas. Tudo é feito por pessoas e isso pode ser uma aventura. Na ciência ainda há muitos mistérios a serem explorados, muitos sonhos a serem sonhados. Quanto às suas aplicações práticas, é uma questão de escala de tempo. Pode demorar 100 anos, 150 anos até que uma descoberta encontre uma aplicação prática, ou seja uma descoberta que leva a uma outra, e a outra, e a outra até que isso aconteça.

Luis Nassif

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