Concorrendo com monopólio do transporte, Maricá implanta passe livre

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]

Jornal GGN – O repórter Renan Truffi, da Carta Capital, foi até Maricá, município da Região dos Lagos do Rio de Janeiro, para conhecer a primeira cidade com mais de 100 mil habitantes do Brasil a oferecer ônibus de graça. 

A guerra com os empresários do transporte, que lá é dominado por uma única família, não foi fácil. Não conseguindo quebrar o monopólio e sistema de licitações, o prefeito decidiu: se as empresas ficam, o passe livre vai concorrer com o pago. 
 
O ônibus grátis de Maricá

Sugerido por Leo V

Da Carta Capital

Maricá, a cidade do passe livre

A catraca, símbolo maior da cobrança de tarifa no transporte público brasileiro, continua lá para registrar o número de passageiros. Mas a cadeira do cobrador agora está vazia. Ninguém precisa pagar mais. É assim desde 18 de dezembro do ano passado em Maricá, município fluminense na Região dos Lagos. Há pouco mais de um mês, a prefeitura local fundou a Empresa Pública de Transportes (EPT) e instituiu o passe livre para todos. O objetivo, o prefeito Washington Quaquá (PT-RJ) admite, é “quebrar o monopólio” das empresas que detêm o serviço há pelo menos 25 anos na cidade.

Primeiro município brasileiro com mais de 100 mil habitantes a oferecer ônibus gratuito, Maricá é palco de uma verdadeira queda de braço entre o poder público e os empresários de transporte. Isso porque a implantação da tarifa zero se deu ao mesmo tempo em que as duas empresas privadas de transportes da cidade continuam tendo concessão para operar com cobrança de passagem. Por isso, desde o fim do ano passado, os usuários têm à disposição tanto os ônibus que cobram tarifa, com valor mínimo de 2,70 reais, quanto os gratuitos, da Prefeitura de Maricá, sendo que ambos fazem trajetos semelhantes.

“Nós estamos quebrando um monopólio de uma família sobre um setor econômico da cidade”, afirma o prefeito ao citar a maior empresa da região, a Viação Nossa Senhora do Amparo, que há mais de 40 anos controla tanto o transporte municipal quanto o intermunicipal. A outra empresa é a Costa Leste que, apesar de menor, já possui concessão há 25 anos. Quaquá não esconde que a sua briga é mesmo com a Viação Amparo. “Eles eram os donos da cidade. Quando eu saí de uma favela de Niterói com nove anos de idade e vim morar aqui, eles eram os coronéis. Mandavam, desmandavam, matavam, só não faziam viver”, acusa o petista. “Eles financiaram meus adversários. Então, a primeira vez que um prefeito rompeu com o monopólio deles foi quando ganhei a eleição. (…) Já era para eles”, diz sem hesitar.

No cargo desde 2008, Quaquá é um dos fundadores do PT na cidade e o atual presidente estadual do partido no Rio de Janeiro. Conhecido por ser de uma corrente mais à esquerda, Quaquá fez parte da sua campanha eleitoral focando na disputa com os empresários do transporte. “Maricá é bonita demais para ser controlada por uma empresa de ônibus”, dizia o slogan político. “Essa Constituição estabelece que transporte é serviço público que pode, pode [repete] ser concedido.  A lógica de Maricá é a seguinte: o serviço será público e gratuito”, garante.

Após conquistar a reeleição, Quaquá colocou a proposta em prática. Impossibilitado de romper os contratos de concessão com as duas empresas de transporte da cidade, já que ambos foram renovados em 2005, com duração até 2020, o prefeito começou os estudos para criar uma empresa com tarifa popular. O objetivo era iniciar a operação com passagem em torno de dois reais para, progressivamente, reduzir até a tarifa zero. Mas a ideia esbarrou em entraves jurídicos. A solução foi fundar uma autarquia municipal e implantar a tarifa zero desde o início.

De onde vem o dinheiro?

Depois da criação da autarquia, a prefeitura investiu aproximadamente 5 milhões de reais, comprou dez ônibus e contratou 29 motoristas por meio de concurso público, em caráter temporário, por 12 meses. No total, a EPT já tem 90 funcionários, que trabalham exclusivamente para o funcionamento das quatro linhas de ônibus. Os veículos atendem do bairro Recanto à Ponta Negra, nas extremidades do município, 24 horas por dia e nos finais de semana. Todos os veículos comprados pela cidade têm ar condicionado e elevador para deficientes físicos nas portas.

“Nós vamos comprar mais 20 ônibus, provavelmente ônibus elétricos, sem emissão de carbono, que funcione a energia solar”, explica Quaquá. Os recursos para manter todo esse sistema são provenientes da verba que o município tem direito em função dos royalties do petróleo. No ano passado, por exemplo, Maricá recebeu repasses que totalizaram 220 milhões de reais, segundo o Portal da Transparência da cidade. 

Em um mês de funcionamento, com os dez ônibus, a operação custou aproximadamente 700 mil reais, mas a ideia é que o gasto suba para 1,5 milhão de reais por mês, quando a empresa tiver capacidade de concorrer com as empresas privadas. Isso porque o objetivo é que Maricá tenha autonomia para garantir o transporte dos moradores independentemente de concessão.

O plano de Quaquá provocou uma reação imediata dos empresários. Menos de dez dias depois de os ônibus começarem a circular pelas ruas de Maricá, as empresas deram entrada em uma liminar na 5ª Vara Civil da Comarca de São Gonçalo para impedir o funcionamento da Empresa Pública de Transportes (EPT). O pedido não foi aceito pela Justiça.

Os empresários reclamam pois a prefeitura não paga o subsídio previsto em contrato desde que Quaquá assumiu o cargo, há sete anos. Pelo documento, as empresas Costa Leste e Viação Amparo devem receber da Prefeitura de Maricá o valor da passagem de cada usuário com direito à gratuidade (estimado em 120 mil pela Costa Leste), como idosos e estudantes de escola pública. “Não pago nada”, diz o petista. “Esses dias eu vi que eles estão cobrando na Justiça 13 milhões de reais. Você imagina: com esse dinheiro eu garanto dois anos de empresa gratuita para todos. Eles estão acostumados com poder público que não controla, não fiscaliza. Agora nós temos a planilha e estamos abrindo a planilha”, enfatiza.

Ônibus gratuitoEm guerra declarada, Maricá usa ônibus gratuito (vermelho) contra empresas de ônibus, que cobram 2,70 reais de tarifa (Foto: Adriano Marçal)

Além da guerra judicial, o prefeito ainda aprovou no ano passado uma lei que mudava o nome da rodoviária da cidade. Até então, o local era conhecido como Terminal Rodoviário Jacintho Luiz Caetano, em referência justamente ao nome do fundador da Viação Amparo. Quaquá renomeou o local para “Terminal Rodoviário do Povo de Maricá”. O busto de Caetano que ficava na entrada do terminal ainda foi removido e devolvido para a família. 

A opinião da população

CartaCapital acompanhou por dois dias o funcionamento e a circulação dos ônibus gratuitos da cidade. Apesar de ter anunciado ônibus de 20 em 20 minutos, os dez veículos da Prefeitura de Maricá que estão em circulação ainda não conseguem cumprir a mesma pontualidade das empresas privadas, todos os dias. Quando alguns motoristas estão de folga, o tempo de espera pode levar de 40 minutos a uma hora.

“Gratuito é bom para o povo, né. Acho que tinha que ter mais [ônibus]. Por um lado é gratuito, mas, por outro, a gente tem que ficar esperando meia hora, 40 minutos”, alerta o segurança Diego Silva, de 27 anos.

A explicação, segundo o presidente da EPT, Luiz Carlos dos Santos, é o tamanho da cidade. Apesar de ter aproximadamente 127 mil habitantes, Maricá tem uma extensão de 363 quilômetros quadrados. O município é maior, por exemplo, do que cidades como Guarulhos, na região metropolitana de São Paulo, com uma população de mais de 1,2 milhão de pessoas. E o dobro do tamanho da vizinha Niterói (RJ), que tem quase 500 mil habitantes. Por conta disso, os ônibus gastam aproximadamente 1h30 para fazer todo o percurso e voltar para a rodoviária da cidade. Segundo Santos, a tendência é que a circulação se normalize com a chegada dos novos ônibus.

Mas, mesmo com a demora em alguns dias da semana, os usuários fazem fila para esperar o “Vermelhinho”, como já ficou conhecido o ônibus gratuito em função de sua cor (os ônibus da Costa Leste e da Viação Amparo são pintados em tons de azul). Na última terça-feira 27, por exemplo, a reportagem contou 27 pessoas à espera de uma linha sentido Ponta Negra, a área turística da cidade, e outras 21 pessoas na fila para embarcar para o bairro de Itaipuaçu, por volta das 15h, na rodoviária. No mesmo horário, o ônibus da Costa Leste que faz trajeto parecido e cobra 2,70 reais aguardava vazio o embarque de passageiros. A Costa Leste admitiu que a medida vem tendo “grande impacto” no número de usuários do sistema, mas não deu mais informações. A Viação Amparo não retornou os pedidos de entrevista da reportagem.

Fila do ônibus gratuitoEnquanto usuários fazem fila para usar o ônibus gratuito (vermelho), veículo da empresa Costa Leste (azul) aguarda por passageiros na rodoviária (Foto: Renan Truffi)

“Para a gente foi muito útil, as passagens aqui em Maricá são muito caras. Para um trecho curtinho, você já paga três reais para ir e três reais para voltar. Por exemplo, um casal e duas crianças, você já vai pagar um preço absurdo. Tem família aqui que não conseguia ir à praia porque não tinha condições de pagar um ônibus. Com esse dinheiro já dá para comprar um pão, ou um leite para as crianças”, conta a dona de casa Marilza Marques, de 63 anos, durante uma das viagens.

Desde que começou a operar, em pouco mais de um mês, os ônibus gratuitos já transportaram mais de 200 mil passageiros. A Prefeitura de Maricá estima que já esteja atendendo 70% da população. A gratuidade fez até com que moradores de cidades vizinhas pudessem começar a frequentar as praias de Maricá. “Onde a gente mora é supertranquilo. Agora começou a vir um povo de São Gonçalo para as praias. Eles não consomem nada. O pessoal do quiosque reclama também”, critica uma professora que não quis se identificar, enquanto espera o ônibus gratuito.

A Prefeitura espera ainda que o dinheiro, antes aplicado na passagem, comece a ser injetado no comércio da região. Como o ônibus funciona também de madrugada, as lojas próximas à rodoviária passaram a estender o horário de atendimento. “É um retorno que a prefeitura vem dando para o povo. O povo não ganha nunca nada. Agora tem ar condicionado, serviço de qualidade”, conta o empresário Luiz Carlos Souza. “Eu estou economizando esse dinheiro para fazer um sacolão”.

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

13 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. O país à beira de um golpe e ele tá preocupado

    com andar em ônibus de graça (graça foster rs).

     

    Eu já tô manjando o que signifiva o V !!!!!

     

    O Léo V deve estar satisfeitíssimo com o efeito das passeatas proto-fascistas de junho de 2013… eleger o Cunha e o congresso mais reacionário de todos os tempos… tudo por 20 centavos? Será???????

  2. O país à beira de um golpe e ele tá preocupado

    com andar em ônibus de graça (graça foster rs).

     

    Eu já tô manjando o que signifiva o V !!!!!

     

    O Léo V deve estar satisfeitíssimo com o efeito das passeatas proto-fascistas de junho de 2013… eleger o Cunha e o congresso mais reacionário de todos os tempos… tudo por 20 centavos? Será???????

    1. Sçao os givernitas os que

      Sçao os givernitas os que mais insuflam o fantasmma do golpe, justamente para isso.. para virar justificativa para não se avançar em nada e retroceder em direitos para os trabalhadores.

      Recomendo a leitura do livro Doutrina do Choque, da Naomi Klein. Acho que explica bem essa estratégia que vc parece ser um veículo.

      Para vc de classe média que fica no computador o valor do transprote pode não importar. Mas para aquele que sofre a cada dia para ter a dinheiro para pagar,a  diferença é total.

      Não vou dizer que a sua preocupação é pequeno-burguesa porque como disse, acho que se trata de tática política conservadora.

      1. deixa de ser ridículo II

        Você sequer me conhece .. acha que sou classe média rsrs

         fica ai fazendo o joguinho da direita.. ninguém crê nas suas boas intenções.

    2. coligar com os partidos mais

      coligar com os partidos mais conservadores e ter o partido do Eduardo Cunha como a principal base aliada do governo… isso não é culpa do PT, deve ser culpa do MPL e dos partidos de extrema-esquerda!

        1. Ridículo é você, cretino.

          Fica aí acenando com um fantasma de “golpe”, para deslegitimar movimentos sociais. Quer dizer então, que não se pode reivindicar mais nada nesse país, porque está o “país à beira de um golpe”. Piada, os trabalhadores não poderão pedir aumentos de salários, porque senão vem “golpe”.

          O pior que você comenta a postagem sem lê-la. Se tivesse lido veria: “Quaquá [o prefeito de Maricá] é um dos fundadores do PT na cidade e o atual presidente estadual do partido no Rio de Janeiro”. Aliás, a própria idéia de tarifa zero nasceu numa prefeitura governada pelo PT, em São Paulo, na gestão de Luisa Erundina.

          Quanto ao cunha, deve ser lembrado que ele foi reeeleito e faz parte de um partido da base aliada do governo petista; e foi esse mesmo governo petista, quem nomeou da sua base de aliados, a cambada de ladrões investigados no atual escândalo (mais um). Aí você vai dizer, não se pode denunciar os ladrões “aliados”, porque senão é “golpe”. Você faz parte da ala do petismo cretino, daqueles que atacam movimentos sociais e fazem defesa de “aliados” ladrões de cofres públicos.

          1. Cretino deve ser você

            Não estou deslegitimando nada.

            Fiz apenas uma observação que considero pertinente.

            É assim que você exerce a democracia?

            Acho que existem ao menos 8000000 coisas mais urgentes que andar de ônibus gratuitamente.

            Se você pensa o contrário , eu respeito, agora tenho o direito de te achar ridículo.

             

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador